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3 O ADOLESCENTE EM SITUAÇÃO DE RUA E O SEU DIREITO

3.3 A exclusão educacional: entre a condição de pobreza, os sistemas

3.3.1 O Sistema Nacional de Educação

No Brasil, a ideia de sistema educacional não foi sequer materializada em ato normativo, embora o Poder Público aja como se tal sistema existisse e, mais, como se estivesse organizado adequadamente e funcionando de modo satisfatório, o que gera, conforme Saviani (2012, p.5) uma excessiva preocupação com a microeducação e um completo esquecimento quanto às dificuldades enfrentadas com a macroeducação: “Não se cogita da formação de elementos capazes de enfrentar o próprio problema da organização, dos seus objetivos, da sua adequação às necessidades reais do povo brasileiro” (SAVIANI, 2012, p. 5), ao contrário, os profissionais estão sendo preparados para atuar nas escolas tal como estão organizadas.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 214, cuja redação foi alterada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009, estabelece a necessidade de instituição do Plano Nacional de Educação (PNE), cuja duração será decenal, com o objetivo de articular o Sistema Nacional de Educação (SNE), em regime de colaboração entre União, estados e

49 Os três fatores são apresentados por Gentili (2009) e adotados neste trabalho. Todavia, necessário destacar que existem outros estudos que tratam dos aspectos do acesso e da permanência na escola, dentre os quais, colacionam-se aspectos de uma pesquisa integrante da Iniciativa Global Pelas Crianças Fora da Escola – Brasil (2012). Através da pesquisa, o Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF) identificou como barreiras à universalização do acesso e da permanência na escola: i) as barreiras socioeconômicas, que envolvem a discriminação racial, a exposição à violência e a gravidez na adolescência, por exemplo; ii) as barreiras econômicas, que dizem respeito à pobreza, e, particularmente, ao trabalho infantil; iii) as barreiras relacionadas à oferta educacional, que incluem a apresentação de conteúdos distantes da realidade dos alunos, a não valorização dos profissionais de educação, o número insuficiente de escolas, a falta de acessibilidade para alunos com deficiência, condições precárias de infraestrutura e transporte; iv) as barreiras políticas e v) as barreiras financeiras e técnicas, que se manifestam, muitas vezes de forma conjunta, e tratam da insuficiência de recursos destinados à educação pública no Brasil (FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA INFÂNCIA, 2012, p.46). Neste estudo, o UNICEF propõe o fortalecimento de programas voltados para inclusão social e econômica abaixo da linha de pobreza, uma vez que a grande maioria das crianças e dos adolescentes que estão fora da escola ou em risco de exclusão escolar é oriunda das famílias que vivem na zona rural, em comunidades populares de centros urbanos ou em situação de rua (FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA INFÂNCIA, 2012, p. 101).

60 municípios, e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias com vistas a assegurar “a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas.” (BRASIL, 1988, p.89).

Com a Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, foi instituído o Plano Nacional de Educação, com vigência até o ano de 2024, intentando: i) a erradicação do analfabetismo; ii) a universalização do atendimento escolar; iii) a superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação; iv) a melhoria na qualidade da educação; v) a formação para o trabalho e para a cidadania, com ênfase nos valores morais e éticos em que se fundamenta a sociedade; vi) a promoção do princípio da gestão democrática da educação pública; vii) a promoção humanística, científica, cultural e tecnologia do País; viii) o estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do Produto Interno Bruto – PIB, que assegure atendimento às necessidades de expansão, com padrão de qualidade e equidade; ix) a valorização dos(as) profissionais da educação; x) a promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental (BRASIL, 2014, p.1).

O Plano Nacional de Educação determina, em seu artigo 13, a instituição do Sistema Nacional de Educação50 pelo Poder Público, em lei específica, no prazo de 2 (dois) anos de sua publicação, destinando-se à articulação entre os sistemas de ensino, em regime de colaboração, para efetivação das diretrizes, metas e estratégias do próprio PNE (BRASIL, 2014, p. 3). Ainda assim, a instituição do Sistema Nacional de Educação, no Brasil, não passa de Projeto de Lei Complementar nº 413, de 201451, que tramita na Câmara dos Deputados tendo como apenso o Projeto de Lei Complementar nº 448, de 201752.

Dentre as possíveis hipóteses apresentadas para a ausência de um sistema educacional no Brasil estariam: i) a defesa de que os sistemas educacionais devam se formar como estruturas não planejadas, principalmente, nos modelos educacionais da Europa Ocidental e dos Estados Unidos (SAVIANI, 2012, p.102); ii) posições conflituosas dos grupos, que, em

50 Nesse contexto, o Sistema Nacional de Educação deve ser entendido como “expressão institucional do esforço organizado, autônomo e permanente do Estado e da sociedade, compreendendo os sistemas de ensino da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, bem como outras instituições públicas ou privadas de educação” (FÓRUM NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2014, p. 18).

51 Para acessar o Projeto de Lei Complementar nº 413, de 2014:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=BC5438C07AFCC1AD24EAAD5 C36604AE0.proposicoesWebExterno2?codteor=1268406&filename=PLP+413/2014>.

52 Para acessar o Projeto de Lei Complementar nº448, de 2017:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1636417&filename=Tramitacao- PLP+413/2014>.

61 desacordo, teriam dificuldade de definir um objeto em comum, justificando a ausência de um sistema educacional (SAVIANI, 2012, p.103); iii) o problema do “transplante cultural”, que imputa a sensação e inautenticidade na cultura do país, dificultando a definição de objetivos claros para a educação nacional (SAVIANI, 2012, p. 103-104); iv) a insuficiência teórica dos educadores, segundo a qual predominaria, nas atividades educacionais, a consciência comum, tornando os educadores suscetíveis às variações pedagógicas (SAVIANI, 2012, p.104).

A demora e a dificuldade em aprovar um Sistema Nacional de Educação têm consequências diretas quanto à prestação do direito à educação, eminentemente quando está em pauta o financiamento e a cooperação entre os entes da federação, submetendo a já frágil prestação educacional aos acordos políticos e à vontade dos gestores. Na prática, além de unificar os três sistemas atualmente existentes (União, estados e municípios), o SNE traçaria com mais rigor as dinâmicas de responsabilização do gestor público que não garantir o acesso e a permanência na escola sem distinções53.

Inclusive, considerando que o “federalismo [brasileiro] foi construído de baixo para cima, sem que se levasse em conta a precária condição da maioria dos municípios em garantir uma Educação com padrões mínimos de desempenho” (CUNHA, 2013, p. 48), o modelo de gestão federativa em vigor dificulta o desenvolvimento de uma política educacional integrada, com meios e responsabilidades estrategicamente definidos.