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CAPÍTULO II EDUCAÇÃO: PEDRA ANGULAR NA CONSTRUÇÃO DO

2.1 Educação para o Desenvolvimento Sustentável

No exame deste tópico, convém inicialmente considerar o pensamento de Sutton (2004) expresso o texto A Perspective on environmental sustainability. O autor afirma que sustentabilidade diz respeito à continuidade e ao desenvolvimento, e à mudança, uma vez que há muitas coisas na vida que desejamos manter (sustentar) e outras tantas que desejamos mudar (desenvolver). Tem-se, portanto, na concepção desse autor, que a expressão desenvolvimento sustentável não está associando termos conflitantes, mas sim considerando a necessidade de adoção de propostas de mudança que se valham da utilização dos recursos naturais e, por extensão, de todos os recursos sem prescindir da manutenção do que é indispensável à continuidade da existência da natureza. A natureza é organismo vivo. A mutilação irreparável ou extirpação pura e simples de seus órgãos vitais implicará sua morte.

Entendido dessa forma o desenvolvimento sustentável, o ponto de partida da educação para sua concretização seria preparar os seres humanos, todos, para que entendessem o que, na natureza e na cultura, precisa e pode ser mudado e o que precisa e pode ser conservado, de modo a garantir continuidade harmoniosa e equilibrada da existência e atuação da natureza e da cultura na Terra.

O tema não é passível de tratamento unânime e fácil. É necessário fazer alguns apontamentos sobre a concepção, a gênese, a evolução, o conceito e a prática dessa modalidade educativa, que só muito recentemente passou a constar da pauta política, das leis e dos currículos educacionais.

Em 1992, durante a realização da Eco-92 (Rio-92), adotou-se a Agenda 21, cujo capítulo 36 enfatiza ser a educação fundamental para promover o desenvolvimento sustentável e melhorar a capacidade de as pessoas entenderem os problemas do meio ambiente e do desenvolvimento. A partir de então, o desenvolvimento sustentável tornou-se assunto em todas as conferências das Nações Unidas, com a progressiva construção de consenso no sentido de que educação é a força motriz para que ocorra a mudança necessária e desejada. A Cúpula de Johanesburgo, em 2002, além de ampliar o conceito de desenvolvimento sustentável e de ratificar as metas educacionais dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e do Plano de Ação do Fórum Mundial sobre Educação para Todos, de Dacar, propôs, na 57ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em dezembro de 2002, a Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável para o período de 2005 a 2014.

Em 2009, a UNESCO promoveu a Conferência Mundial de Educação para o Desenvolvimento Sustentável para avaliar os projetos e traçar prioridades para a segunda parte da década. Uma das realizações mais importantes dessa Conferência foi à edição da Declaração de Bonn, que define os parâmetros da Educação para o Desenvolvimento Sustentável no Século XXI.

Esses parâmetros apontam para a prática da educação inclusiva e de qualidade acessível para todos, baseada nos valores de justiça, igualdade, tolerância, suficiência e responsabilidade, princípios e práticas que favorecem a compreensão e a busca de respostas eficazes para o enfrentamento dos desafios atuais e futuros do desenvolvimento sustentável. Espera-se da EDS que ela contribua para a conscientização da sociedade da necessidade de priorizar os conhecimentos sobre temáticas como consumo de água, energia, mudança climática, desastres e redução de riscos, perda de biodiversidade, crises alimentares, riscos para a saúde, vulnerabilidade social e insegurança, voltadas a incentivar um novo pensamento econômico preocupado com a proteção do ambiente e restauração, conservação e uso sustentável dos recursos naturais (UNESCO, 2009).

É hoje praticamente consensual a ideia que a educação é o meio mais eficaz de que a sociedade dispõe para enfrentar o futuro, pois, embora ela não constitua resposta absoluta para todos os problemas, ela é parte vital dos esforços para recriar as relações entre as pessoas e para fomentar maior respeito pelo meio ambiente, fatores indispensáveis à promoção da sustentabilidade.

O mesmo consenso não se verifica, porém, quando se trata de estabelecer procedimentos para se chegar à educação para o Desenvolvimento Sustentável e de como operar o processo educacional para que se tenha de fato educação com foco na sustentabilidade.

A primeira, se não a maior, dificuldade da EDS reside na divergência das definições e conceitos a ela aplicados. Hesselink et al. (2000) entendem que as várias interpretações do conceito de EDS, feitas por pessoas geralmente pouco afeitas ao tema, constituem problema maior do que o conceito em si. Segundo esses autores, no International Debate on Education for Sustainable Development (ESDebate), as referências à EDS preferem falar de aprendizagem em vez de educação, porque, para muitos, educação tem fortes conotações com o que se faz no âmbito escolar, enquanto aprendizagem possui amplitude maior por abranger a aprendizagem que tem lugar em todos os níveis e dimensões formais, informais e não formais da vida humana.

Pode ser que as pessoas que se têm ocupado de definir e conceituar a EDS não sejam muito íntimas do assunto, resultando dessa falta de intimidade profuso e confuso conjunto de definições e conceitos. A ideia, no entanto, de que educação tem pertinências muito evidentes e fortes com o trabalho desenvolvido no meio escolar, a ponto de se ter de adotar nova terminologia, é passível de questionamento, porquanto a relação entre aprendizagem e educação é, de certa forma, de conteúdo e continente, na medida em que a aprendizagem instrumenta a educação e não há educação sem aprendizagem. É, como se verá adiante, uma relação parecida com aquela existente entre a EA e a EDS: a educação ambiental instrumenta a educação para o desenvolvimento sustentável e esta é inviável sem aquela.

Ademais, ao menos desde meados da década de 1990, entende-se educação no Brasil como ela está definida na Lei nº 9.394/1996, que estabeleceu as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, atualmente vigentes:

Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.

Acrescente-se que os parágrafos 1º e 2° desse artigo definem e determinam,

respectivamente, que educação escolar é a, “que se desenvolve, predominantemente, por meio

do ensino, em instituições próprias” e que ela “deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à

prática social”.

Outro aspecto relevante na discussão da EDS é o confronto dessa vertente com a EA - Educação Ambiental. O documento Educar para um Futuro Sustentável: Uma Visão Transdisciplinar para uma Ação Concertada estabelece claramente uma diferenciação entre a EA e a EDS, apesar de reconhecer a importância da EA para a EDS. A expressão EDS aparece já como a denominação mais ajustada a uma educação que tenha em conta o desenvolvimento sustentável.

A emergência da EDS acarretou discussão acadêmica, alimentada principalmente pelos defensores da EA, que criticam o fato de a nova denominação estar sendo, segundo Meira (2005), impulsionada por distintas plataformas institucionais, inclusive a do sistema da ONU, e estar chegando para ocupar o lugar de uma EA que se julga reducionista e ineficaz perante os desafios da globalização e da irrupção da suposta sociedade do conhecimento.

A UNESCO (2005) tenta clarificar a distinção dos campos da EA e da EDS, ao afirmar que não se deve confundir a EDS com a EA, pois esta última é uma disciplina bem

consolidada, que se centra nas relações da humanidade com o meio natural, nas formas de conservá-lo e preservá-lo e de gerir adequadamente os seus recursos, o que implica a EDS abarcar a EA e colocá-la num contexto mais amplo dos fatores socioculturais e das questões sociopolíticas da equidade, da pobreza, da democracia e da qualidade de vida.

No contexto do ensino superior, Wals e Jickling (2002) e Freitas (2004) apontam divisão da comunidade educativa quanto à resposta a dar à emergência da EDS, assinalando que: (a) alguns parecem sentir-se confortáveis com a utilização do termo EDS, dando-lhe sentido ou usando-o para abordar tópicos tradicionalmente abordados pela EA; (b) outros, expressam preocupação relativamente à natureza demasiado globalizante da EDS; e (c) outros, ainda, reconhecendo as limitações da terminologia, procuram formas de adequá-la à agenda política global.

Cabe, ainda, neste tópico apresentar-se súmula do documento da DEDS - Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável, instituída por resolução da UNESCO para o período 2005-2014, com foco na importância de medidas conjuntas, globais de preferência, para assegurar que os padrões do desenvolvimento sustentável mantenham a vida na Terra e ofereçam qualidade de vida para todos os seres humanos, tanto os das gerações presentes quanto aqueles das vindouras.

O Documento da UNESCO que apresenta a DEDS informa que a Década constitui instrumento de mobilização, difusão e informação, na busca de reunir uma série de interesses e preocupações pertinentes à realização do desenvolvimento sustentável, podendo ser entendida também como uma rede de responsabilidades assumidas por governos, organizações internacionais, sociedade civil, setor privado e comunidades locais ao redor do mundo, como forma de demonstrar o comprometimento com a prática de aprender a viver sustentavelmente.

O entendimento da relação entre educação e desenvolvimento sustentável pressupõe a compreensão de que sociedade, meio ambiente e economia figuram no discurso internacional como aspectos relevantes dos conceitos de desenvolvimento sustentável e de sustentabilidade e são, portanto, basilares para a concepção e construção da forma e do conteúdo do aprendizado nesse âmbito.

Essas três variáveis - sociedade, meio ambiente e economia - supõem processo de mudança permanente e de longo prazo. Desenvolvimento sustentável é conceito dinâmico, que reconhece estar a sociedade humana, por seu integrar a natureza e seu fazer a cultura, em

constante transformação. A interdependência dessas três áreas e o desenvolvimento sustentável tem como referência a dimensão cultural, que abrange os modos de ser, de se relacionar, de se comportar, de acreditar, de agir, os quais diferem em conformidade com o contexto, a história e a tradição em cujo âmbito os seres humanos vivem suas vidas.

Enfatizar os aspectos culturais na operação do processo e concretização dos objetivos da educação para o desenvolvimento sustentável torna relevante o reconhecimento da diversidade; o respeito e a tolerância em relação às diferenças; o reconhecimento do valor do debate aberto e do diálogo; a integração nas diferentes dimensões da vida do respeito pelo desenvolvimento sustentável; o fortalecimento da capacidade humana nos aspectos pertinentes ao desenvolvimento sustentável; o uso do conhecimento dos povos indígenas sobre flora e fauna e práticas de agricultura sustentável, uso da água etc.; o incentivo às práticas e tradições que contribuam para a sustentabilidade; a atuação com enfoque na natureza, na sociedade e no mundo que se referem especificamente a uma cultura; e a utilização de modelos locais de comunicação.

O documento da UNESCO (2005) sugere que a educação para o desenvolvimento sustentável possua as características de: ser interdisciplinar e holística; ter valores direcionados; favorecer o pensamento crítico e a solução de problemas; recorrer a múltiplos métodos; participar do processo de tomada de decisões; ser aplicável; e ser localmente relevante.

As perspectivas referidas no texto da UNESCO estão distribuídas por três núcleos temáticos, a saber: 1) sociocultural, abrangendo direitos humanos, paz e segurança humana, igualdade de gêneros, diversidade cultura e compreensão intercultural, saúde, HIV/AIDS e governança; 2) ambiental, reunindo recursos naturais (água, energia, agricultura, biodiversidade), mudança climática, desenvolvimento rural, urbanização sustentável e prevenção e diminuição de desastres; e 3) econômico, englobando redução da pobreza, responsabilidade empresarial e economia de mercado.

Em suma, acima e além dos dissensos e consensos acerca do conceito e da abrangência, aceita-se, de modo geral, que, para reorientar a educação para o Desenvolvimento Sustentável, é necessário trabalhar para a inter-relação das disciplinas, visando à interdisciplinaridade que, embora muito lentamente, vem ganhando espaço nas diferentes esferas da educação, do trabalho e do lazer. Entende-se e se aceita igualmente que a educação para o desenvolvimento sustentável tem como referência a problemática da degradação dos recursos naturais e sua consequente e progressiva escassez, o que impõe a

necessidade de mudança de comportamento da sociedade em face do modelo de crescimento econômico vigente, causador de exclusão social e de degradação e de poluição ambientais. A educação para o desenvolvimento sustentável é, portanto, instrumento político-pedagógico para inserir a sustentabilidade, em todas as dimensões, no contexto do desenvolvimento.