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A EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE E A FORMAÇÃO PROFISSIONAL PARA O SUS

A Educação Permanente em Saúde passou a ser tomada como uma estratégia prioritária à Organização Pan-Americana de Saúde e à Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) por volta dos anos de 1980. No Brasil, as discussões sobre EPS, realizadas entre as décadas de 70 e 80 do século XX, o movimento efetivado na VIII Conferência Nacional de Saúde, em março de 1986, para mudança do modelo de saúde, o qual buscou instituir uma visão de clínica ampliada, a partir dos treze princípios que guiam o SUS, os aspectos discutidos na I e II Conferências Nacionais de Recursos Humanos da Saúde, realizadas em outubro de 1986 e setembro de 1993, respectivamente, serviram de base para o material propositivo que compôs a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos em Saúde (NOB/RH/SUS), proposta em 1996 e aprovada, após muitas discussões, em fevereiro de 2002 (FERRAZ et al., 2012a, p. 114).

A NOB/RH-SUS estabeleceu parâmetros gerais para a Gestão do Trabalho no SUS, com a finalidade de qualificar os profissionais para o trabalho, com domínio das técnicas do cuidado, tecnologias e atenção ao sujeito como indivíduo e coletividade (BRASIL, 2005a).

Nesse contexto, o Ministério da Saúde (MS), frente ao imperativo de colocar em prática uma política de valorização ao trabalho, elaborou uma estrutura administrativa consonante com os princípios e diretrizes da NOB/RH, composta pela Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), com dois departamentos – o Departamento de Gestão da Educação na Saúde (DEGES) e o Departamento de Gestão e da Regulação do Trabalho na Saúde (DEGERTS) (BRASIL, 2005a).

Com o propósito de fortalecer o SUS e articular a saúde, o ensino, o serviço, a gestão e o controle social, inúmeras estratégias foram criadas

e ainda vêm sendo discutidas. Sobre esse aspecto, em fevereiro de 2004, o Ministério da Saúde lançou a Portaria 198, criando a PNEPS, pedagogicamente orientada pela aprendizagem significativa e com a proposta de intervir na formação para o desenvolvimento de trabalhadores para o setor de saúde, além de outras providências (BRASIL, 2004).

As ações de EPS, até então orientadas pela lógica de programas, passaram a trabalhar as transformações exigidas nas práticas profissionais e na própria organização do trabalho, com enfoque às necessidades de saúde individuais e coletivas da comunidade, além da preocupação com a formação e qualificação técnico-científica de graduação e de pós- graduação coerentes com as necessidades locorregionais, assim como interações com as redes de gestão e serviços de saúde e controle social (FERRAZ et al., 2012a).

Ceccim (2005b) discute que a EPS passa a direcionar o processo educativo no dia a dia do trabalho, o que, em sua análise, ajuda a construir espaços para reflexão das ações realizadas no cotidiano e contribui à formação do profissional de saúde, solidificando a aliança entre o ensino no âmbito do trabalho.

Partindo do conhecimento de que o trabalho não possui um fim educativo em si mesmo, discute-se que é necessário estabelecer maior interação com as condições nas quais o trabalho se realiza, seu objetivo final e o consumidor do seu produto (CIAVATTA, 2009). Essa mesma autora considera que a educação profissional para atender às reivindicações do sistema capitalista se reduz a treinamentos para o trabalho.

No plano microssocial do cotidiano do trabalho o processo de trabalho é uma atividade que não pode ser reduzida à simples ação instrumental, pois esse processo é permeado por intersubjetividade, o que lhe conota uma prática comunicativa (SILVA; PEDUZZI, 2011). Este processo educativo no trabalho também é configurado pela intersubjetividade, conhecimento científico e de mundo, assim como constituído de relações interpessoais, que não devem ser reduzidos à simples prática de ensino da técnica.

Essa racionalidade instrumental técnico-científica não pode ser absoluta e soberana. Acredito que[,] ao se valorizar a lógica instrumental no trabalho em saúde, se reduz a prática a condições de ordem técnica em detrimento dos valores, conceitos, sentimentos e experiências dos envolvidos no contexto e que são fortalecidos com a educação permanente no serviço (SILVA; PEDUZZI, 2011).

A lógica instrumental fundamenta-se no trabalho em saúde centrado na doença e sua fisiopatologia. No entanto, lançar um olhar

ampliado a esse cenário, considerando as experiências vividas e em busca da integralidade no trabalho, requer adotar uma postura ativa de interação dialógica para realização de um cuidado holístico em saúde, ou seja, considerando o ser humano em sua totalidade (SILVA; PEDUZZI, 2011). Sob essa ótica, o processo de trabalho em saúde precisa ser caracterizado pela prestação de serviço que envolve a interpretação e ação diante das necessidades dos usuários, assim como relações interpessoais. No ambiente hospitalar, esse processo consiste em um serviço constantemente consumido no tempo e espaço, marcado pela intersubjetividade intrínseca às múltiplas dimensões do objeto de intervenção, que é o ser humano (PEDUZZI, 2001; SILVA; PEDUZZI, 2011).

O contexto do ensino e trabalho na área da saúde, em busca da formação de um profissional crítico, criativo e reflexivo, com competência para atuar no SUS e apto a continuar aprendendo e se qualificando ao longo do exercício profissional, foi caracterizado por diversos modelos de processo educativo – treinamentos, capacitações, qualificações, atividades de educação continuada, entre outros –, até chegar ao que hoje se denomina Educação Permanente em Saúde.

A EPS assume um conceito pedagógico ampliado e passa a traduzir as relações entre o ensino e o serviço, articulando educação e assistência. Com a PNEPS esse conceito passou a discutir com mais afinco as relações entre a formação, a gestão e o controle social em saúde (ANDRADE; MEIRELES; LANZONI, 2011). Nesse aspecto, pode-se afirmar que a EPS constitui uma estratégia fundamental às mudanças no processo de trabalho, transformando-o em um cenário de atuação crítica, reflexiva, criativa e proativa (ANDRADE; MEIRELES; LANZONI, 2011).

É necessário propor transformações à formação em saúde, uma condição que, apesar dos avanços e conquistas para um novo perfil de formação profissional em saúde, ainda se fundamenta no modelo hospitalocêntrico com visão curativa, ênfase na doença e desarticulada do sistema público; um ensino que contempla precariamente a promoção da saúde e prevenção de agravos. Clama-se por uma formação de profissionais com competências para atuar no SUS, em qualquer nível de atenção à saúde. Profissionais motivados a ir além da assistência à doença, com habilidades de compreender e intervir na realidade histórica, cultural, econômica e social na qual o cidadão vive (HADDAD et al., 2008).

Haddad et al. (2008, p. 101) afirmam que “a SGTES, por meio do DEGES, vem apoiando, técnica e financeiramente, ações que se potencializam criando sinergia e que contemplam a ligação entre

educação e trabalho, com a integração ensino-SUS”. É preciso empregar a concepção de trabalho e educação no trabalho, caracterizados por “uma dupla dimensão: ação instrumental e interação social” (SILVA; PEDUZZI, 2011, p. 1020).

Nesse contexto, merecem destaque os programas de residência em saúde – residências médicas, multiprofissionais e uniprofissionais –, que compõem uma das estratégias que convergem com a PNEPS na estruturação e fortalecimento da formação de recursos humanos para o SUS. Esses programas de residência, financiados, em sua maioria, pelo Ministério da Educação (MEC) e Ministério da Saúde (MS), estão presentes nos espaços do SUS, desde a atenção primária até a atenção terciária. Eles integram a rede de assistência à saúde no Brasil e têm contribuído para a formação e qualificação do profissional de saúde, tema que merece ser mais bem investigado.