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A Educação Permanente em Saúde (EPS) e suas implicações na qualificação das equipes de saúde mental, álcool e outras drogas.

Esta seção trata da Educação Permanente em Saúde (EPS) como uma política de capacitação dos profissionais de saúde e que, para a Política Nacional sobre Drogas, é vista como espaço de socialização do modelo de cuidado proposto, bem como de estratégias de desenvolvimento de competências para lidar com o paradigma atual de cuidado prestado a usuários com problemas no consumo de drogas.

A educação permanente inclui, nesse sentido, a aprendizagem em serviço, baseada na troca de experiências entre profissionais e demais atores do sistema de saúde e na participação desses profissionais em cursos e outras ações educacionais mais ou menos sistemáticas e planejadas.

No campo da saúde, a globalização e as modificações do modelo promoveram, nos serviços, uma necessidade de mudanças na gestão do trabalho e na produção do cuidado, tendo por base a política do SUS. Essas mudanças são consideradas nós críticos, pois o modelo do SUS exige produção de novas formas e tecnologias que alcancem a singularidade dos processos produtivos em saúde e o desenvolvimento de práticas diferentes das adotadas anteriormente. O profissional de saúde, como um operador do cuidado, deveria, nesse contexto, ser capacitado para analisar os processos de trabalhos e necessidades de criação de conhecimentos sobre práticas e tecnologias em saúde, denominadas tecnologias de baixa exigência (Ministério da Saúde, 2004), bem como na adoção de tecnologias leves (Merhy, 2002), as quais são dependentes do desenvolvimento de habilidades sociais, muitas vezes, pouco enfocadas na formação universitária em cursos da área da saúde no Brasil.

Desde 2001, as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Saúde (DCNS) definidos pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) apresentam, entre diversas estratégias para a organização dos projetos pedagógicos dos cursos de saúde, o estímulo do desenvolvimento de competências gerais e de capacidades de aprender continuamente, não apenas acumulando conhecimentos, mas sendo capaz de expressá-los, interagindo teoria e prática. A EPS é descrita como importante para a continuidade da formação em saúde e deve basear-se em demandas de aprendizagens contínuas de novos conhecimentos a serem cumpridas por programas educacionais inclusive em parceria com IES.

Alguns autores (Murofuse, Rizzotto, Muzzolon & Nicola, 2009; Castro & Campos, 2014; Amarante & Da Cruz, 2008), em pesquisas desenvolvidas com trabalhadores do setor público, apresentam críticas sobre as práticas médicas e a formação nas universidades brasileiras, que ainda permanecem centradas em práticas e saberes técnicos, com pouca ênfase

na aprendizagem e características do território, sendo que muitos conhecimentos relevantes não são adquiridos por profissionais de saúde e, por isso, pouco utilizados em serviços de saúde, gerando baixa adesão desses profissionais ao modelo de cuidado adotado pelo SUS. Essas fragilidades da formação, somados à da alta rotatividade dos trabalhadores em projetos institucionais e diversos problemas organizacionais e gerenciais do serviço têm dificultado a adoção do modelo. Além disso, os resultados desses estudos mostraram necessidade de melhoria da formação dos profissionais e da aprendizagem nos locais de trabalho, de modo a motivar e estimular reflexões advindas das mudanças no modelo de cuidado em saúde. Portanto, a relação entre formação e a aprendizagem em serviço é relevante para a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS), para a articulação dos serviços de saúde com a rede e para o modelo psicossocial da Saúde Mental (Ministério da Saúde, 2004; Albuquerque; Gomes; Rezende; Sampaio; Dias & Lugarinho, 2008).

No caso dos serviços e profissionais que lidam com o cuidado de pessoas em uso problemático de drogas, a formação dos profissionais deveria contemplar o estudo do indivíduo, da substância usada e do contexto de uso, com rotinas de serviço voltadas para a interdisciplinaridade, o território e a inserção social do usuário (Ministério da Saúde, 2004; United Nation Office on Drugs [UNODC]; World Health Organization [WHO], 2008). Para isso, observa-se a necessidade de aquisição de conhecimentos sobre diferentes estratégias e tecnologias pelos profissionais, capacitando-as para lidar com as complexas necessidades do serviço. A capacitação permanente, fundamentada com conteúdo claros e aplicáveis na perspectiva da atenção integral (Gallassi & Santos, 2013), é necessária à atuação dos profissionais de acordo com o modelo psicossocial.

Ceccim e Feuerwerker (2004), em seus estudos, apontam que a forma como o trabalhador se coloca no cuidado pode determinar o perfil do serviço e que há necessidade de encontrar estratégias educacionais que estimulem os profissionais a trabalharem em sintonia. No campo do cuidado ao uso problemático de drogas os trabalhadores podem se beneficiar com a educação permanente em saúde, podendo simular ou propiciar um cenário de práticas e recriar a teoria necessária, sendo possível recriar a própria prática, como sugerem as políticas de educação em saúde.

Na literatura estudada, a denominação utilizada sobre a EPS apresenta definições e denominações como apresentado na Tabela 4.

Tabela 4

Definições de Educação Permanente 1

Autores Definições da EPS

Ceccim e Feuerwerker (2004)

Ceccim (2005)

Castro e Campos (2014)

EPS é definida como quadrilátero (ensino, gestão setorial, práticas de atenção, controle social) para transformações no trabalho.

Albuquerque et al. (2008) É a integração ensino aprendizagem articulados, interface ensino e trabalho, aprendizagem- trabalho-cotidiano a partir dos problemas enfrentados na realidade considerando conhecimento e experiência descentralizado, ascendente e transdisciplinar.

Murofuse et al. (2009) Define-se a EPS de duas formas: educação continuada como ações para contribuição da reorganização do serviço e educação Permanente em Saúde como uma ação de transformações dos processos de trabalho para melhoria da qualidade dos serviços, equidade no cuidado e acesso aos serviços.

Stotz (1993) Franco (2007, 2009) Donato e Rosenburg (2003)

É um processo autoanalítico das velhas práticas para as novas possibilidades de cuidar.

Utiliza o termo ‘espaço intercessor’ como espaço de relação entre profissional e o usuário no cuidado com consequências subjetivas. Ação educacional para desenvolver processos cognitivos e mudanças subjetivas, operando mudanças nos trabalhadores de saúde.

Batista (2012) Denomina Educação Interprofissional como modelo de EPS em treinamento conjunto para o desenvolvimento de aprendizagens compartilhadas.

Como se percebe, as denominações utilizadas na literatura mostraram-se distintas: educação e saúde, educação para a saúde, educação continuada em saúde, formação para a área da saúde e educação permanente em saúde, porém com definições similaridades. Com isso, a EPS mostra-se como uma interface do ensino com o trabalho, que vise melhoria na qualidade dos serviços de saúde, equidade no acesso da sociedade aos serviços.

Na literatura, alguns autores (Batista, 2012; Castro & Campos, 2014) discutem possibilidades de formação a partir de estudos empíricos de aplicação de modelo em serviços de saúde mental. Em ambos os estudos, concluiu-se pela necessidade de investimento em modelos de educação permanente em serviço para a democratização das relações institucionais e como fio condutor do desenvolvimento de práticas que busquem entender a realidade para transformá-la.

Os modelos de EPS descritas nos estudos foram denominados de Modelo de Educação Interprofissional em Saúde e o Apoio Institucional Paideia. O primeiro apresenta como ponto central da formação a integração das profissões da área da saúde durante a formação, de modo a que apreendam o trabalho conjuntamente para distinguirem as especificidades de cada área, estimulando competências de cada profissão, de cada profissional e colaborador. Nesse

modelo, os exemplos são o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde - Pró-Saúde (Portaria Interministerial MS/MEC nº 2.101/2005 e nº 3.019/2007) e o Programa de Educação pelo Trabalho-PET/Saúde (Portaria Interministerial MS/MEC nº 1.802/2008).

O segundo estudo apresenta uma estratégia de formação permanente em saúde, fundamentada na análise crítica da teoria das políticas, da administração e planejamento, institucional e pedagógico, com gestão democrática e compartilhada dos processos e necessidades do trabalho.

Ainda sobre o conceito de educação permanente, Demo (2006) a entende como um processo contínuo de aprendizagem, que vai além do instrucionismo e que tem como base sete princípios que definem a sua utilização: o desaparecimento da formalidade na educação, formação permanente como horizonte formativo, dialética entre o que fica e o que passa, relação entre teoria e prática, saber pensar, liberdade de pensamento e intervenção, e habilidade de colocar em seus devidos lugares meios e fins.

O Ministério da Saúde (2004) conceitua a EPS como a aprendizagem no trabalho em um processo de aprender e ensinar no cotidiano do trabalho, transformando as práticas em relação às propostas dos princípios e diretrizes do SUS, como representado por Franco (2007) no diagrama da Figura 3.

Figura 3. Diagrama da Gestão do SUS e seus fluxos de Educação Permanente em Saúde para a produção

Esse diagrama apresenta os componentes representantes da educação permanente para o campo da saúde, entendida como um processo dinâmico que muda de acordo com o cenário e as relações com a rede. A educação permanente, nesse sentido, deve promover a reflexão, a autoparticipação e a autocrítica sobre a organização do cuidado, bem como ampliar conhecimentos/saberes, além de desenvolver a postura ativa que transforme as ações de cuidado em processo descentralizado, ascendente e transdisciplinar (Albuquerque et al, 2008). O processo de educação permanente não deveria consistir apenas em ensinar técnicas, mas em ações educativas dinâmicas, como uma expectativa da pessoa, que deve permanecer repensando a vida toda para a construção e reconstrução de habilidades (Demo, 2006), gerador de subjetividade pela autoanálise das velhas práticas para novas possibilidades de cuidar, desenvolvendo mudanças no trabalhador e transformações no trabalho (Ceccim, 2005; Franco, 2007, 2009; Batista, 2012; Castro & Campos, 2014).

De acordo com essa abordagem, a EPS ocorre em diferentes contextos, especialmente, no local de trabalho. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu que o SUS “ordene a formação de recursos humanos na área de saúde”. Os princípios constitucionais, e os novos enfoques teóricos e de produção tecnológica no campo da saúde estabelecido pelas novas políticas exigiram novos perfis profissionais e o comprometimento das instituições de ensino por meio do cumprimento de diretrizes curriculares que contemplam as prioridades expressas nos perfis epidemiológicos e demográficos de cada região do país, tendo a educação permanente como estratégia de estímulos de competências gerais.

Nesse sentido, a partir de 2003, foram editadas portarias da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (Resolução CNS 335 27/01/2003; Portaria Nº. 198/GM/MS 13/02/2004; Portaria nº 1.996 GM/MS 20/08/2007; Portaria Nº 3088 GM/MS 23/12/2011). Esses documentos foram desenvolvidos para responder às transformações ocorridas no campo da saúde, oriundas da consolidação da reforma sanitária, de responsabilização constitucional do Ministério da Saúde para formação e dos gestores para políticas de formação e de valorização da integração ensino da saúde no exercício de ações.

A Política Nacional de Educação Permanente em Saúde está articulada em eixos, conforme ilustrado na Figura 4, estruturada por conceito pedagógico no setor da saúde na relação entre ensino e ações, por meio da agregação entre aprendizado, reflexão crítica sobre o trabalho e resolutividade da clínica e da promoção da saúde coletiva, com um modelo que respeite as especificidades regionais para superação das desigualdades e com necessidades de formação e desenvolvimento para o trabalho.

Figura 4. Eixos da Política de Educação Permanente em Saúde (Fonte: Ministério da Saúde, 2004).

Esses eixos das atividades de formação no cotidiano do serviço são capazes de promover a cultura de evidências no campo da saúde mental com relação às intervenções clínicas, como também comunitárias e de tecnologias leves (Desviat, 2008).

5. A educação permanente qualificando os profissionais dos CAPS AD sobre saúde