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De acordo com Fonseca (1961), a formação do trabalhador no Brasil data dos tempos mais remotos da Colonização, tendo como primeiros aprendizes de ofícios, os índios e os negros, o que contribuiu para que, no Brasil, esse nível de ensino fosse compreendido como o destino das pessoas de precárias condições socioeconômicas.

Esse preconceito, segundo Cunha (2002a), ainda hoje observado em relação ao Ensino Profissional, iniciou-se no período colonial com a realização do ensino de ofícios, caracterizado como atividade apenas de escravos que não dispunham de alternativa, gerando, com isso, uma verdadeira aversão a esse ensino por parte de homens brancos e livres, o que evidenciava a discriminação não do trabalho em si, mas das pessoas que o realizavam.

Assim, formou-se o dualismo existente na Educação Profissional brasileira, que distingue classes e prioridades sociais, onde, de um lado, se verifica a educação propedêutica, de cunho acadêmico, voltada para as elites e, de outro, o Ensino Profissional destinado aos trabalhadores. Desta forma, criou-se uma representação de que todo e qualquer trabalho que exigisse esforço físico e manual consistiria em um “trabalho desqualificado” (MANFREDI, 2002). Essa desqualificação influenciou na preservação da dicotomia entre trabalho manual e trabalho intelectual.

Segundo Santos (2002), no contexto brasileiro, o tratamento discriminatório dado às diversas ocupações manuais foi uma das razões que levou à aprendizagem das profissões, que, naquele contexto, era feita por meio das Corporações de Ofícios2, que

teve desenvolvimento contrário ao que se processou no Europa. Nessas Corporações, as normas de ingresso eram rígidas e, de modo implícito, a distinção se dava em função do ensino oferecido, que estava exclusivamente reservado para os homens livres. Assim, os requisitos para a admissão de aprendizes nessas Corporações contribuíram para

2 Essas corporações originaram-se nos Colégios de Roma com o objetivo de integrar homens

aprofundar o caráter pejorativo, que caracterizava determinadas ocupações, reforçando o “embranquecimento dos ofícios”.

Assim,

[...] a herança colonial escravista influenciou preconceituosamente as relações sociais e a visão da sociedade sobre a educação e a formação profissional. O desenvolvimento intelectual, proporcionado pela educação escolar acadêmica, era visto como desnecessário para a maior parcela da população e para a formação de “mão de obra”. Não se reconhecia vínculo entre educação escolar e trabalho, pois a atividade econômica predominante não requeria educação formal ou profissional (BRASIL, 1999).

Ao analisar o sistema escravocrata que sobreviveu por mais de três séculos no Brasil, Manfredi (2002) afirma que este deixou marcas profundas na construção de representações sobre o trabalho como atividade social e humana, sobretudo por ter envolvido violência contra os nativos, por meio da imposição de um padrão civilizatório que não era o seu. Diante dessa gênese, verifica-se que as condições de inserção de negros e índios nas relações trabalhistas foram, desde sempre, marcadas pela discriminação e que a oferta de formação também derivou do crivo da exclusão.

4.1

Rede de Educação Profissional e Tecnológica

Em 23 de setembro de 1909, o então Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, Nilo Peçanha, através do Decreto nº 7.566, criou em diferentes unidades federativas, sob a jurisdição do Ministério dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio, dezenove “Escolas de Aprendizes Artífices”, cujo objetivo era munir os filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensável preparo técnico, como meio de vencer as dificuldades na luta pela existência, oferecendo cursos de alfaiataria, sapataria, encadernação, tipografia, funilaria, marcenaria, modelação, etc.

Em 1927, em atendimento ao Projeto Fidélis Reis, o Congresso Nacional sancionou o oferecimento obrigatório do Ensino Profissional no Brasil. Com a criação, em 1930, do Ministério da Educação e Saúde Pública, foi estruturada a Inspetoria do Ensino Profissional Técnico, que passava a supervisionar a Escola de Aprendizes Artífices, antes ligada ao Ministério da Agricultura.

Em 25 de fevereiro de 1942, por meio do Decreto nº 4.127, as Escolas de Aprendizes e Artífices foram transformadas em Escolas Industriais e Técnicas, passando a oferecer a formação profissional em nível equivalente ao do secundário. A partir daquele ano, iniciou-se, formalmente, o processo de vinculação do Ensino Industrial à estrutura do ensino do país como um todo, uma vez que os alunos formados nos cursos técnicos ficavam autorizados a ingressar no Ensino Superior em área equivalente à de sua formação. Com novas transformações em 1959, as Escolas Industriais e Técnicas passaram a ser autarquias com o nome de Escolas Técnicas Federais. As instituições ganharam autonomia didática e de gestão, intensificando a formação de técnicos, mão- de-obra indispensável diante do acelerado processo de industrialização.

Em 1978, com a Lei nº 6.545, três Escolas Técnicas Federais (a do Paraná, a de Minas Gerais e a do Rio de Janeiro) foram transformadas em Centros Federais de Educação Tecnológica – CEFETs. Esta mudança conferiu àquelas instituições mais uma atribuição: formar engenheiros de operação e tecnólogos, processo esse que se estendeu, bem mais tarde, às outras instituições. Em 1994, a Lei nº 8.948, dispôs sobre a instituição do Sistema Nacional de Educação Tecnológica, transformando, gradativamente, as Escolas Técnicas Federais e as Escolas Agrotécnicas Federais em Centros Federais de Educação Tecnológica – CEFETs, mediante decreto específico para cada instituição e em função de critérios estabelecidos pelo Ministério da Educação, levando em conta as instalações físicas, os laboratórios e equipamentos adequados, as condições técnico-pedagógicas e administrativas e os recursos humanos e financeiros necessários ao funcionamento de cada centro.

Em 20 de novembro de 1996, foi sancionada a Lei 9.394/96, considerada como a segunda LDB, que dispõe sobre a Educação Profissional em um capítulo separado do da Educação Básica, superando enfoques de assistencialismo e de preconceito social contidos nas primeiras legislações de Educação Profissional do país, fazendo uma intervenção social crítica e qualificada para tornar-se um mecanismo para favorecer a inclusão social e democratização dos bens sociais de uma sociedade. Retomou-se, em 1999, o processo de transformação das Escolas Técnicas Federais em Centros Federais de Educação Tecnológica, iniciado em 1978.

De 1909 a 2002, foram construídas 140 unidades, melhor configurando a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica brasileira. Em 2005, houve a transformação do CEFET Paraná em Universidade Tecnológica Federal do Paraná, a primeira universidade especializada nessa modalidade de ensino no Brasil.

Ainda no ano de 2006, é lançado o Catálogo Nacional dos Cursos Superiores de Tecnologia para disciplinar as denominações dos cursos oferecidos por instituições de ensino público e privado e, em 2007, foi elaborado o Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos, que esteve em consulta pública por seis meses, recebendo críticas e sugestões de toda a sociedade. Concluído o processo de revisão final, entrou em vigência ainda no primeiro semestre de 2008, como importante instrumento de divulgação e regulação da oferta de cursos técnicos por todo o Brasil.

Em 2008, a Lei Nº 11.892, de 29 de dezembro, instituiu a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, criando os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, em todas as capitais do Brasil e em várias cidades do país. Essas instituições de Educação Superior, Básica e Profissional são pluricurriculares e multicampi, especializadas na oferta de Educação Profissional e Tecnológica nas diferentes modalidades de ensino, com base na conjugação de conhecimentos técnicos e tecnológicos com as suas práticas pedagógicas.

No ano de 2009, a Rede Federal de Educação Tecnológica já conta com 354 instituições de ensino.

4.2

O Negro e a Educação Profissional

É inegável a contribuição da mão-de-obra do negro em nosso país. A partir da introdução do trabalho escravo em determinadas ocupações que eram desenvolvidas por intermédio da força física e pela utilização das mãos (atividades manuais), paralelamente, verificou-se o afastamento dos indivíduos livres das referidas atividades. Assim, paulatinamente, profissões que demandavam mais esforço físico foram desempenhadas por negros. Tal forma de organização não foi abandonada, pois, até mesmo nas universidades, a inserção de alunos negros é maior em cursos considerados de menor prestígio social.

Em função disso, foram se acumulando efeitos devastadores e cruéis à população negra brasileira, que, impedida de frequentar a escola formal, teve seu destino social, econômico, político e cultural determinado por isso.

Queiroz (2004, p.12) diz que, nos anos 1970 e 1980, houve o aprofundamento dos estudos raciais que demonstraram que a extinção do trabalho escravo, sem a garantia ao acesso à educação dos ex-escravos, determinou as desigualdades hoje existentes no mercado de trabalho, na distribuição de renda e no acesso à Educação.

Segundo Ciavatta (2009, p.99),

No Brasil, vivemos o aprofundamento das mudanças ocorridas nas relações econômicas, sociais e culturais que reclamam políticas públicas para enfrentar os rebatimentos da crise estrutural do capital, nas mais variadas formas que ela assume na realidade brasileira. As políticas de desmonte do Estado, iniciadas nos anos 80, do século passado, fizeram com que hoje, as políticas governamentais sejam de incentivo à sociedade civil, para que ela se some às ações de políticas públicas sociais e, trabalhadora pelo ideário do Estado mínimo.

Tais mudanças ocorreram na estrutura da sociedade, principalmente no processo de trabalho, com o esgotamento do fordismo, que dominou o mundo do trabalho por um século, em que foram introduzidas novas tecnologias e a exigência da formação de outro trabalhador, mais flexível, eficiente e polivalente (HANDFAS, 2006). Neste contexto, a Educação tem um papel importante e o sistema educacional brasileiro precisou passar por uma reforma para melhor qualificar o trabalhador que enfrentaria o mundo competitivo e mais afinado com o mundo globalizado.

Com as transformações ocorridas no mundo do trabalho, particularmente, a partir dos anos 1980, de acordo com Queiroz (2004), as Escolas Técnicas tiveram que se adaptar à nova proposta de formação profissional, mudando o modelo de ensino praticado. Nesse sentido, fez-se necessário reconhecer que, diante das mudanças, a população negra não estava incluída nos processos de formação e no acesso ao mercado de trabalho.

Para Silvério (2004, p.324),

[...] o “dilema brasileiro” do século XX é como incluir sem preterir e integrar, reconhecendo as especificidades da população afrodescendente, tanto aquelas vinculadas ao processo histórico social singular brasileiro, quanto aquelas que conferem uma identidade particular ao referido grupo. Assim, a compreensão dos novos sentidos e possibilidades de uma construção democrática que tenha por base o reconhecimento de nossas diferenças étnico-raciais, de inserção no mercado de trabalho e no sistema educacional, aparentemente, impõe a necessidade de políticas preocupadas com reparações, compensações e ações afirmativas que visam assegurar condições de acesso e tratamento igualitário para os afrodescendentes em todas as esferas da vida social.

Ainda para este autor,

[...] no Brasil, os movimentos negros e alguns intelectuais têm observado que a democracia só se aprofundará, na medida em que a sociedade brasileira reconhecer e procurar equacionar com medidas concretas sua dívida histórica com a população negra (SILVÉRIO, 2004, p. 322).

que também faz referência a um programa de Educação Profissional inclusiva do Governo Federal:

Creio que o Plano Nacional de Educação – PLANFOR – e as propostas e ações com o objetivo de combater todas as formas de discriminação, especialmente de gênero, idade, cor e raça do Programa Nacional de Direitos Humanos são iniciativas governamentais de maior importância na direção de garantir o respeito à diversidade e a busca da equidade na sociedade brasileira. Mas, é importante reconhecer que a ação governa- mental é limitada, por um lado, pela ausência de consenso no interior do próprio governo sobre a relevância e a importância da implementação da ação afirmativa: por outro lado, não se pode esquecer que o racismo constitucional tem sido uma constante na sociedade brasileira Isto é, na atualidade em nome das “dificuldades técnicas e burocráticas”, ele tem operado no sentido de retardar ou impedir a implementação de decisões do próprio governo (SILVÉRIO, 2004, p.338).

É necessário, portanto, que a educação dê sua contribuição para garantir a inserção das pessoas negras no mercado de trabalho com vistas a dirimir as desigualdades relativas entre os grupos sócio-raciais.

4.3

A Educação Profissional e o Mercado de Trabalho

Educação e trabalho têm uma estreita relação. Existe profunda correlação entre