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Educação no século XXI: do “bem-público” para o “bem comum” e a diluição entre o público e o privado

4 AS NOVAS RECONFIGURAÇÕES DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DA CLASSE TRABALHADORA NO SÉCULO XXI NO MUNDO E NO BRASIL

4.2 O USO DAS TICS E AS NOVAS REQUISIÇÕES PARA A FORMAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA NO SÉCULO

4.2.3 Educação no século XXI: do “bem-público” para o “bem comum” e a diluição entre o público e o privado

Outra importante discussão realizada pela Unesco (2016) remete à problematização da compreensão da educação como um ―bem público‖. Para a instituição, faz-se necessário repensar a forma como a aprendizagem é reorganizada diante do atual contexto em que se observa a intensa parceria de instituições não governamentais nos processos educativos e na consequente diluição entre o público e o privado. Nessa perspectiva, o documento aponta ser necessário repensar ―os princípios que regem a governança educacional e, em particular, o princípio normativo da educação como um bem público e como esse princípio deve ser compreendido no contexto cambiante da sociedade, do Estado e do mercado‖ (UNESCO, 2016, p. 78, grifo do autor).

86 ―Os vários dispositivos possuem propriedades peculiares que os tornam extremamente

convenientes para cada tarefa de aprendizado em particular. Por exemplo, as redes sociais podem estender exercícios de classe, uma vez que fornecem oportunidades para realizar atividades por meio de colaboração e co-autoria. O aprendizado toma formas diferentes, pois, graças ao dispositivo móvel, as pessoas podem consultar meios didáticos e se comunicar com os outros e criar trabalhos, em ambientes educacionais ou fora deles [...]. O dispositivo móvel complementa um bom método de aprendizagem e serve para formular premissas, resolver problemas práticos apropriados a circunstâncias particulares, refletir e desenvolver novos conhecimentos, além de adquirir novas habilidades e habilidades através de simulações [...].‖

Segundo a instituição (2016), atualmente, evidencia-se uma maior complexificação da participação de diversos sujeitos coletivos no âmbito da sociedade civil, de empresas privadas e instituições estatais no que se refere à promoção de políticas educacionais, o que dilui, cada vez mais, os limites que diferenciam educação pública e educação particular.

Já não existe clareza sobre o significado da noção de ―público‖ no novo contexto global de aprendizagem, caracterizado por uma maior diversificação de partes interessadas, pelo enfraquecimento da capacidade de muitos Estados-nação para elaborar políticas públicas e por novas formas emergentes de governança global. A natureza e o grau do engajamento do setor privado na oferta de serviços educacionais estão diluindo os limites entre educação pública e particular. Isso fica evidente, por exemplo, na crescente dependência de instituições públicas de ensino superior em relação a financiamentos privados, no crescimento paralelo de instituições com ou sem fins lucrativos e na introdução de métodos empresariais na operação de instituições de ensino superior (UNESCO, 2016, p. 83).

De acordo com os argumentos apresentados pela Unesco (2016), a compreensão da educação como um ―bem público‖ não seria mais condizente com a realidade atual, implicando, inclusive, em equívocos ao limitar a apreensão de que a educação, como bem público, estaria restrita à responsabilidade da execução estatal, perdendo-se a dimensão e importância social dos serviços educacionais fornecidos pelos demais setores – empresarial e filantrópico. Desse modo, defende- se o uso do termo ―bem comum‖ como o mais adequado para retratar o objetivo em comum inerente aos serviços prestados à população, quaisquer que sejam o setor a que pertencem.

Consideram-se bens públicos como sendo diretamente ligados às políticas públicas estatais. Com frequência, o termo público conduz a erros de interpretação comuns, que ―bens públicos‖ seriam bens fornecidos pelo setor público. Por outro lado, definem-se bens comuns como aqueles bens que, independentemente de qualquer origem, pública ou privada, caracterizam-se por um destino comum vinculante, sendo necessários para a concretização dos direitos fundamentais de todas as pessoas (UNESCO, 2016, p. 84).

Nessa perspectiva, a Unesco (2016) defende, portanto, o conceito de ―bem comum‖ como uma alternativa mais adequada para compreendermos as políticas e diversas ações no campo educacional, tendo em vista que, com base na compreensão de ―bem comum‖, a educação se volta para a satisfação de todos os seres humanos e que, portanto, deve ser por todos usufruída.

Com isso, emerge a necessidade de tecer estratégias que possam acompanhar não somente os processos de aquisição, validação do conhecimento, mas faz-se necessário, também, acompanhar como o seu acesso é controlado, e como pode ser disponibilizado de forma mais comum. É importante destacar que a Unesco (2016) não problematiza como esse conhecimento, patrimônio mundial da humanidade, é apropriado, de modo privado, pela classe dominante, sobre as mais diversas formas.

O referido organismo parte do pressuposto de que basta promover meios tecnológicos e institucionais que possibilitem a maior democratização do acesso ao conhecimento para que seja garantido que todas as pessoas tenham as mesmas condições de utilizá-lo, adquirir e criar novos conhecimentos.

A diluição da fronteira entre público e privado a partir da perspectiva da educação como um bem comum possibilitará, conforme argumenta a Unesco (2016), uma maior diversificação das formas de acesso à educação, tanto no que tange à multiplicidade de estruturas e modelos institucionais – aqui destaca-se a contribuição dos recursos tecnológicos – quanto à expansão da parceria público- privado. Conforme apresenta o documento, tomando por análise o ensino de nível superior,

O contrato social que vincula instituições de ensino superior à sociedade em geral deve ser redefinido em um contexto de aumento da competição global, o que levanta várias questões fundamentais sobre o futuro do modelo de universidade como a conhecemos. De fato, o panorama da educação superior está sendo transformado pela diversificação de estruturas e instituições, a internacionalização da oferta desse nível educacional, o desenvolvimento de MOOCs, a emergência de uma cultura de determinação da qualidade e da relevância da aprendizagem, bem como o aumento de parcerias público-privadas. Esse contexto em transformação tem implicações significativas para o financiamento e os recursos humanos, questiona formas estabelecidas de governança educacional e leva a preocupações sobre o princípio de autonomia e liberdades acadêmicas – alicerces do modelo tradicional de universidade (UNESCO, 2016, p. 57).

É importante observar que, a despeito de tecer crítica sobre como algumas instituições privadas tendem a monopolizar o acesso, a produção e reprodução do conhecimento, a Unesco (2016) não questiona, em essência, a existências dessas instituições. Sua crítica fica restrita a uma defesa abstrata e superficial por um esforço social e coletivo no processo de aquisição de conhecimentos, enfatizando a necessidade de, cada vez mais, romper com as barreiras que distinguem os serviços

públicos e serviços privados, considerando que ambos apresentam, essencialmente, o mesmo objetivo: atender as demandas da sociedade.

O conhecimento é o patrimônio mundial da humanidade; portanto, o conhecimento, como a educação, deve ser considerado um bem comum mundial. Caso o conhecimento seja considerado somente um bem público mundial, com frequência o acesso a ele será restrito. A tendência atual para a privatização da produção, da reprodução e da disseminação do conhecimento é motivo de extrema preocupação (UNESCO, 2016, p. 86, grifo do autor).

Após análises das principais tendências que redirecionam os posicionamentos dos organismos internacionais para o campo educacional, destacando a mediação do uso dos recursos tecnológicos nesse processo, iremos apreender como essas tendências se particularizam na realidade brasileira no subitem a seguir.

4.2.4 A mediação do uso das TICs e as novas formas de aprendizagem flexível