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3 REFORMA ADMINISTRATIVA DO ESTADO BRASILEIRO E AS

3.3 Educação superior no Brasil e sua transformação em serviço competitivo e não-

O Estado intervencionista, no período do capitalismo Welfare State, era financiador e provedor majoritário de serviços sociais indispensáveis (SILVA, 2013). Com a ascensão do ideário neoliberal, esses serviços deslocaram-se, paulatinamente, para as empresas privadas, consentâneo à racionalidade mercantil, difundindo-se a ideia de que o Estado era ineficiente e corporativista. Em contrapartida, as empresas privadas, sob a lógica concorrencial, teriam

supostamente melhores condições de ofertar mercadorias mais eficientes e com qualidade (HARVEY, 2012b). Nessa conjuntura, a partir do último cartel do século XX, ganha força a oferta privado-mercantil no campo da educação superior, como parte de uma agenda globalmente estruturada.

Os documentos publicados pelos organismos internacionais demonstram a função político-ideológico de seus diagnósticos e orientações. Eles exerceram papel fulcral na criação de um consenso de ampliação desse nível de ensino, por meio da fragmentação e flexibilização institucional, como condição para integração à sociedade do conhecimento. A UNESCO (1999, p. 31) apresenta dados que comprovam o processo de crescimento da educação superior no período de 1960 a 1991:

O número de estudantes do ensino superior cresceu [...] de 13 milhões de estudantes em 1960 para 28 milhões em 1970, 46 milhões em 1980 e 65 milhões em 1991. Os números para os países em desenvolvimento mostram um passo particularmente rápido de crescimento – de 3 milhões de estudantes em 1960 para 7 milhões em 1970, 16 milhões em 1980 e 30 milhões em 1991. [...] Em algumas regiões, o crescimento em matrículas parece espetacular: [...] de 2 milhões em 1970 para 8 milhões em 1991 na América Latina e Caribe.

Em seus prognósticos, “As projeções da UNESCO para matrículas no ensino superior mostram um crescimento no número de estudantes no mundo, de 65 milhões em 1991 para 79 milhões no ano 2000, 97 milhões em 2015 e 100 milhões em 2025.” (UNESCO, 1999, p. 33). Ainda assim, ao que parece, considerando o crescimento demográfico e a falta de investimento, as vagas serão insuficientes para atender a demanda, notadamente nos países que ainda possuem um sistema de elite, em que o acesso se constitui apanágio (TROW, 2005). Diante de populações que têm elevado o quantitativo de concluintes da educação básica e de jovens e trabalhadores em busca de qualificação para ascender à condição de empregabilidade, os gastos públicos dos governos dos países de capitalismo dependente têm sido incapazes de acompanhar a demanda continuamente crescente.

Diante da centralidade conferida ao conhecimento e a função estratégica da educação superior para sua produção, são apresentadas múltiplas demandas para esse nível de ensino: formar pessoas aptas à inserção nos mais diversos setores profissionais, capacitar professores de todos os níveis, suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural, desenvolver ciência e tecnologia de ponta, produzir

inovação tecnológica avançada, promover a extensão aberta à participação da população, ampliar as políticas de inclusão, promover a ascensão social de grupos desfavorecidos, apoiar os setores comercial e industrial, entre outras numerosas exigências. Todas as demandas se apresentam como prioritárias, precisando de soluções imediatas, como se a educação superior pudesse resolver todos os problemas. Mas, na verdade, grande parte dessa pauta é seguramente difícil de ser dirimida.

Tendo em vista constituir sociedade de conhecimento, as orientações dos organismos, férteis especialmente a partir dos anos 1990, formam uma matriz materializada nas políticas nacionais para mudança e desenvolvimento da educação superior. Sob aquiescência dos governos locais, essa influência tem ocorrido desde a legislação, passando pela diversificação de fontes de recursos e no processo de privatização mercantil – ainda que as políticas adquiram suas particularidades nas condições socio-históricas e nos interesses de cada âmbito nacional. Como alicerce, tem-se uma ordem econômico-política hegemônica apoiada num processo técnico- produtivo flexível, na globalização do capital e no avanço da ideologia neoliberal.

No Brasil, o processo de expansão da educação superior, sob a lógica de privatização, teve início na segunda metade do século XX. Para analisar o movimento do fenômeno, Gomes (2016) propõe quatro ciclos políticos. Seguindo em linhas gerais esse agrupamento, o primeiro ciclo corresponde ao regime civil-militar, vigente de 1964 a 1984. O segundo refere-se à transição para o regime político democrático, no período de 1985 a 1994, abrangendo os governos de José Sarney, Fernando Collor e Itamar Franco. O terceiro e o quarto concernem, respectivamente, aos governos FHC e os do PT.

Ao examinar os dados sobre a participação dos setores público e privado na matrícula total do ano de 1960 a 2016, conforme a Tabela 1, percebe-se que, ao longo do período, a participação da categoria pública reduziu de 55,7% para 24,7%. Por outro lado, a categoria privada cresceu de 44,3% para 75,3%.

Tabela 1 – Evolução do número de matrículas de graduação, por categoria administrativa – Brasil – 1964-2016

Ano Matrícula

Bruta Público % Privado %

Regime civil-militar 1964 142.386 87.587 56,2 68.194 43,8 1974 937.593 341.028 36,4 596.565 63,6 1984 1.399.539 571.879 40,9 827.660 59,1 Transição democrática 1985 1.367.609 556.680 40,7 810.929 59,3 1994 1.661.034 690.450 41,6 970.584 58,4 Governo FHC 1995 1.759.703 700.540 39,8 1.059.163 60,2 2002 3.479.913 1.051.655 30,2 2.428.258 69,8 Governos do PT 2003 3.887.022 1.136.370 29,2 2.750.652 70,8 2016 8.048.701 1.990.078 24,7 6.058.623 75,3 Fonte: Adaptado a partir de Gomes (2016, p. 39) e INEP (2017).

A Tabela 1 aponta dados relativos ao início e término de cada período político. Quanto ao ano de 1974, integrante do ciclo da Ditadura Militar, foi explicitado para destacar a virada que impulsionou o domínio privado, a nível nacional37, tendência esta que já vinha ocorrendo paulatinamente nos anos anteriores e que teve continuidade nos períodos subsequentes. Nesse sentido, Sguissardi (2008a, p. 998) afirma: “Sob o ‘espírito’ do regime político, ocorre de forma marcante o primeiro grande movimento de privatização do sistema.”. Durante esse regime, alinhado à ideologia dos Estados Unidos, por intermédio da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e do BM o principal marco legal, no que diz respeito à organização e funcionamento da educação superior, foi a Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968, mais conhecida como Reforma Universitária, estratégica para o projeto de integração e desenvolvimento econômico nacional e para imprimir um caráter tecnocrático às universidades.

O segundo ciclo histórico, período de transição democrática do Brasil, foi marcado por uma baixa taxa de crescimento da educação superior, ficando praticamente estável. A proporção entre matrículas públicas e privadas, como aponta a Tabela 1, permaneceu praticamente inalterada: 41,6% públicas e 58,4% privadas. Consoante CEA (2009), Barreyro e Rothen (2008) e Zandavalli (2009), nesse período, em 1985, foi constituída a Comissão Nacional de Reformulação da

37 Ao perscrutar o plano regional e estadual, nota-se que o domínio privado ocorreu

assimetricamente. No Nordeste e no Rio Grande do Norte, por exemplo, Cabral Neto e Castro (2011) constatam que a superioridade de matrículas no setor privado só ocorreu a partir dos anos de 2005 e 2008, respectivamente. Aponta-se como um dos fatores explicativos para a privatização tardia dessa região o baixo poder aquisitivo da população, aliado a programas específicos de estímulo a novas matrículas em IES privadas, que catalisaram a supremacia do segmento privado, mas que só ocorreram acentuadamente a partir dos anos 2000.

Educação Superior (CNRES), a fim de subsidiar a formulação de uma nova política para a educação superior. O resultado da CNRES materializou-se num relatório, que, em linhas gerais, defendeu a autonomia e o financiamento universitário, acompanhados por avaliação externa baseada nos resultados e na valorização do mérito acadêmico. Esse relatório final da CNRES serviu de ponto de partida para o Grupo Executivo para a Reformulação da Educação Superior (GERES), grupo interno do MEC criado em 1986 com a função de elaborar uma proposta de Reforma Universitária. O resultado foi um Projeto de Lei, que dispunha sobre a natureza jurídica, a organização e o funcionamento das Instituições Federais de Educação Superior (IFES). O GERES compreendia que o sistema deveria ser flexibilizado, tanto nos seus objetivos, como na sua estrutura organizacional. Em consonância com o documento da CNRES, o GERES sustentou a ideia de um sistema de avaliação de desempenho e que o financiamento das IFES fosse vinculado aos resultados. Essas propostas ficaram como herança cognitiva no debate público, de modo que somente em 1993, fundamentado numa perspectiva menos regulatória e muito mais processual, foi implementado o Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras (PAIUB), constituindo-se na primeira experiência de avaliação institucional da educação superior brasileira enquanto política pública mais ampla (CEA, 2009; BARREYRO e ROTHEN, 2008; ZANDAVALLI, 2009).

Em seguida, no período formado pelos oito anos do Governo FHC, Barbalho e Castro (2012) sustentam que foi marcado pela involução no crescimento de IES públicas e que a expansão se deu pela via da privatização. Assim, de alguma forma o governo brasileiro foi se desresponsabilizando com a oferta da educação superior pública e promovendo a liberalização do mercado da educação superior brasileira (SOUSA, 2009). Recrudesceu-se o redimensionamento do aparelho de Estado brasileiro e implementou-se grande parte das orientações da UNESCO e do Banco Mundial, como condição para se inserir na economia global e desenvolver novas habilidades e competências exigidas pelo mercado à classe trabalhadora. Nesse contexto, em meio à reforma do Estado brasileiro, foi promulgada a Lei nº 9.394/1996, que estabeleceu as diretrizes e bases da educação nacional (LDB). Fundada no princípio da flexibilidade, passou a abarcar uma multiplicidade de cursos e programas, além de variados graus de abrangência de instituições, abrindo novos horizontes no processo de expansão, diversificação, privatização e mercantilização da educação superior. A partir do Decreto nº 2.306/1997, as instituições particulares

em sentido estrito, com finalidade lucrativa, passaram a se submeter ao regime da legislação mercantil, quanto aos encargos fiscais, parafiscais e trabalhistas, como se comerciais fossem. Dois anos depois, a Lei nº 9.870, de 23 de novembro de 1999, que dispõe sobre o valor total das anuidades escolares (incluindo educação superior), acrescentou o Art. 7º-A à Lei nº 9.131/1995, estabelecendo que as pessoas jurídicas de direito privado, mantenedoras de IES, poderiam assumir qualquer das formas admitidas em direito, de natureza civil ou comercial. Inventava- se, assim, efetivamente um novo setor econômico: educação superior com finalidade lucrativa. Até 1999, todas essas IES eram classificadas como beneficentes filantrópicas e de assistência social, não visando formalmente ao lucro e, portanto, não se sujeitavam, ainda, ao Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/1990).

Em que pese a elevação de 98% no número de matrículas, no período de 1995 a 2002, o Plano Nacional de Educação (PNE 2001-2010) diagnosticou que o Brasil apresentava um dos índices mais baixos de acesso à educação superior, pois a porcentagem de matriculados, em relação à população de 18 a 24 anos, era de menos de 12% (BRASIL, 2001).

A abertura da educação superior brasileira a corporações lucrativas, durante o Governo FHC, foi acompanhada da premência por um ensino de qualidade e para que o MEC desenvolvesse a regulação e supervisão do setor. Nessa conjuntura, foi institucionalizado o Exame Nacional de Cursos (ENC), também conhecido como “Provão”, teste aplicado no período de 1996 a 2003, estabelecendo a prática de avaliações periódicas, por meio de exames nacionais anuais com base nos conteúdos mínimos de cada curso, destinados a aferir os conhecimentos e competências adquiridos pelos alunos em fase de conclusão. O propósito era que os resultados das avaliações orientassem as ações do Estado na expansão do sistema. A fase dos Governos do PT, foi uma etapa marcada por múltiplas propostas e programas voltados para a educação superior, tanto na categoria pública e privada, como na modalidade presencial e a distância. Nesse período, o Deputado Átila Lira (na época do PSDB/PI) apresentou o Projeto de Lei (PL) nº 4.212/2004, propondo uma Reforma Universitária. O Poder Executivo, posteriormente, também apresentou seu projeto de Reforma (PL nº 7.200/2006), que foi apensado ao anterior38. A não

38 Atualmente, ambos os projetos estão apensados ao PL 4.533/2012 de autoria Senador Arthur

Virgílio (PSDB/AM), que propõe elevar a exigência, nas Universidades, das percentagens específicas mínimas para doutores, mestres e docentes com regime de trabalho em tempo integral.

aprovação da Reforma Universitária do Governo Lula não impediu a sua política para a educação superior, que se deu de forma fragmentada, através de Leis, Decretos e Portarias. Como resultado desse empreendimento, podem-se citar, entre outros: a Lei nº 10.861/2004, que instituiu o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES); o Decreto nº 5.205/2004, posteriormente revogado pelo Decreto nº 7.423/2010, que trata das relações entre as IFES e de pesquisa científica e tecnológica e as fundações de apoio; a Lei nº 10.973/2004, que dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo; a Lei nº 11.091/2005, que dispõe sobre a estruturação do Plano de Carreira dos Cargos Técnico-Administrativos no âmbito das Instituições Federais de Ensino; o Decreto nº 5.622/2005, que regulamentava a modalidade de educação a distância39; o Decreto nº 7.234/2010, que dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES); a Lei nº 12.550/2011, que criou a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH); o Decreto nº 7.485/2011, que dispõe sobre a constituição de banco de professor-equivalente das universidades federais e regulamenta a admissão de professor substituto; a Lei nº 12.711/2012, que dispõe sobre cotas no ingresso às universidades federais e às instituições federais de ensino técnico de nível médio; e a Lei nº 12.772/2012, que dispõe sobre a Carreira do Magistério Superior.

Em conformidade com Gomes (2016), a expansão no Governo FHC e nos Governos do PT apresenta continuidades no que diz respeito ao crescimento das matrículas, das IES não-universitárias e do setor privado, mas demonstra distinções quanto aos grupos de interesse público-alvo, principalmente no que se refere ao perfil socioeconômico, destacando a política de bolsas e cotas. Além disso, se no período FHC houve cortes no orçamento do setor público federal, no período do PT retomou-se o investimento. Assim, a reestruturação e expansão das universidades federais vincularam-se ao projeto novo desenvolvimentista dos Governos do PT. Desse modo, programas deram relativo fôlego a IES públicas, contribuindo para a continuidade do processo de expansão e diversificação, como o Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) e a criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IF).

O Sistema UAB foi instituído pelo Decreto nº 5.800, de 8 de junho de 2006, voltado para o desenvolvimento da modalidade de educação a distância (EaD), com a finalidade de expandir e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação superior no País. Entre os objetivos do Sistema UAB, estão oferecer cursos de licenciatura e de formação inicial e continuada de professores e demais profissionais da educação básica. Além disso, seguindo as diretrizes dos organismos multilaterais, propõe-se fomentar o desenvolvimento institucional para a modalidade de educação a distância, bem como a pesquisa em metodologias inovadoras de ensino superior apoiadas em tecnologias de informação e comunicação (BRASIL, 2006). Embora tenha um tímido impacto no sistema, constata-se, como se pode observar na Tabela 2, que a maior contribuição das matrículas em IES públicas, na modalidade a distância, foi no ano de 2008, correspondendo a 5% do total de matrículas em cursos de graduação, o que representa a importância do Sistema UAB para expansão da educação superior dia EaD.

Tabela 2 – Número de matrículas em cursos de graduação, na modalidade a distância, em IES públicas – Brasil 2006-2016

Ano Total

Percentual em relação ao total de matrículas

de graduação

Federal Estadual Municipal

2006 42.061 1% 17.359 21.070 3.632 2007 94.209 2% 25.552 67.275 1.382 2008 278.988 5% 55.218 219.940 3.830 2009 172.696 3% 86.550 86.059 87 2010 181.602 3% 104.722 76.414 466 2011 177.924 3% 105.850 71.152 922 2012 181.624 3% 102.211 64.778 14.635 2013 154.553 2% 92.344 46.929 15.280 2014 139.373 2% 96.482 39.181 3.710 2015 128.393 2% 81.463 43.988 2.942 2016 122.601 2% 73.674 45.479 3.448

Fonte: Elaborado pelo próprio autor a partir de INEP (2017).

Em termos absolutos, o maior número foi registrado em 2012, ponto alto do projeto social desenvolvimentista do Governo Dilma Rousseff, totalizando 181.624 matrículas em cursos de graduação, na modalidade a distância, em IES públicas. Nos anos seguintes, coincidindo com o período da crise econômica e política, percebe-se uma tendência de queda no quantitativo. Outro fator a ser considerado é o alto índice de evasão em cursos do Sistema UAB. Dados apresentados nos estudos de Sousa e Maciel (2016) e Sousa (2017) apontam que, até o ano de 2012,

a média de estudantes desvinculados do Sistema UAB foi de 32%, o que chama a atenção para a necessidade de se criar mecanismos de acompanhamento efetivos e transparentes para favorecer a permanência.

Outro programa que implicou em expansão da graduação via universidades federais foi o REUNI, instituído pelo Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007, com o objetivo de ampliar o acesso pelo melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos existentes. A meta global foi a elevação gradual da taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais para noventa por cento e da relação de alunos de graduação em cursos presenciais por professor para dezoito. O MEC alocou para o Programa recursos financeiros, sobretudo para construção e readequação de infraestrutura e equipamentos, compra de bens e serviços e despesas de custeio e pessoal. Em consonância com os preceitos da nova gestão pública, os repasses dos recursos financeiros adicionais destinados a cada universidade estavam vinculados ao cumprimento das etapas previstas no plano de reestruturação da IES (BRASIL, 2007). Segundo Andrés (2017) os Governos do PT destinaram ao REUNI cerca de R$ 10 bilhões até 2012, fazendo com que as vagas, nas IFES, saltassem de 139.875, em 2007, para 231.530, em 2011. A autora avalia que “Os resultados efetivos da implantação e desenvolvimento deste programa foram significativos e as comunidades universitárias das federais pressionaram o MEC para que ele fosse continuado após 2012, ano previsto para seu término. O programa foi retomado com orçamento decrescente a partir de 2013.” (ANDRÉS, 2017, p. 175).

Ainda no âmbito federal, foi criada a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, por meio da Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, constituindo, entre outras instituições de educação profissional e tecnológica, os IF. Além de atuar na educação básica e profissional, os IF têm como objetivo ministrar cursos superiores de tecnologia, de licenciatura, de bacharelado e engenharia, de pós-graduação lato sensu e stricto sensu. A legislação impõe a cada IF a oferta de, no mínimo, 20% de suas vagas para atender cursos de licenciatura, bem como programas especiais de formação pedagógica, com vistas à formação de professores para a educação básica, sobretudo nas áreas de ciências e matemática, e para a educação profissional (BRASIL, 2008). Os dados contidos na Tabela 3 mostram que, em termos absolutos, o número de matrículas em cursos de graduação, nos IF, tem apresentado uma tendência de crescimento. No período de

2009 a 2016, a progressão percentual foi de 242%, saltando de 68.097 para 164.592 matrículas.

Tabela 3 – Número de matrículas em cursos de graduação, em IF e CEFET – Brasil 2009- 2016

Ano Total Percentual em relação ao total de matrículas de graduação

2009 68.097 1% 2010 87.506 1% 2011 101.626 2% 2012 111.639 2% 2013 120.407 2% 2014 131.962 2% 2015 144.876 2% 2016 164.592 2%

Fonte: Elaborado pelo próprio autor a partir de INEP (2017).

Essa abrangência dos IF implicou na expansão e interiorização da oferta de cursos de graduação nos multicampi, ainda que o impacto dos IF no cômputo total de matrículas, em termos percentuais, seja muito reduzido, correspondendo a apenas 2%, em 2016.

Diante de toda essa expansão da rede federal de educação superior, é possível reconhecer que os Governos do PT elevaram o investimento na educação superior pública. Mas, conforme os dados quantitativos apresentados, a participação do segmento público no cômputo geral das matrículas de graduação continua reduzida, não obstante os esforços no sentido de incrementá-la. Em vista disso, os programas direcionados para as IES públicas foram incapazes de reverter o processo de privatização da expansão, pois a categoria privada continuou avançando, estabelecendo, em 2016, um percentual de 75,3%, contra 24,7% de matrículas nas IES públicas, maior distância na relação público-privado, conforme visto na Tabela 1. Ou seja, a privatização não se caracterizou pela transferência de IES públicas para o setor privado. O que houve foi, inversamente ao acelerado ritmo de crescimento das IES privadas, morosidade na evolução quantitativa do segmento público.

Esse fenômeno se explica pela própria forma como os Governos do PT conduziram a política de operacionalização da elevação das taxas de matrícula. Merecem destaque, entre os programas de viés privatista, a ampliação do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e a criação do Programa Universidade para Todos

(PROUNI) e do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (PROIES).

O FIES foi criado pela Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001, ainda no Governo FHC, sob a designação Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior. Destinado à concessão de financiamento a estudantes matriculados em cursos superiores não gratuitos e com avaliação positiva nos processos conduzidos pelo MEC, o FIES ganhou notoriedade nos Governos do PT, que reduziram a taxa de juros e elevaram o período de carência e o de amortização (BRASIL, 2001). As informações expostas na tabela 4 apontam que aconteceu um progresso substancial do FIES. No período de 2009 a 2015, houve um crescimento de 921% de matrículas financiadas pelo programa, correspondendo à metade das matrículas na rede privada com financiamento estudantil/bolsa, seguida de uma leve queda em 2016. Essa redução em 2016 se deve, possivelmente, à crise de 2015 apontada por Gilioli (2017), em que houve mudança nos repasses do FNDE para as mantenedoras válidas para aquele ano, a qual ensejou o estabelecimento de novos critérios de