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2 INFLUÊNCIA DOS FATORES SOCIOECONÔMICOS E AGENDA

2.2 Regulação transnacional e organismos multilaterais: atores político e intelectual na

2.2.3 Sistemas de acreditação em escala global: o INSAES como disposição para uma

As mudanças socioeconômicas e políticas produzidas pelo regime de acumulação flexível, pela globalização e pelo neoliberalismo, têm formatado, indireta e diretamente, as políticas educacionais. Nessa conjuntura, tem ganhado força a ideia de sociedade do conhecimento, em que a aprendizagem ao longo da vida torna-se inelidível, fazendo emergir novos modos de regulação das políticas educacionais. Por conseguinte, o campo da decisão em educação se tornou mais complexo, ampliando modalidades e protagonistas para além da dimensão nacional. Assim, os espaços transnacional e supranacional têm efetivamente exercido influência normativa e institucional sobre sistemas de ensino, promovendo a portabilidade de políticas (BARROSO, 2006; ANTUNES, 2006; 2007).

Embora os fóruns supranacionais possuam, muitas vezes, aparente caráter voluntário, formalmente não vinculativo, na prática as decisões são transpostas para os sistemas nacionais, constituindo um dinâmico processo de alteração das estruturas, implementando o programa educacional definido. Nesse contexto, o poder burocrático-legal da avaliação e do controle internacional tem se destacado, mediante o reconhecimento mútuo de graus de estudos, a elaboração de rankings e a comparação do desempenho de estudantes em testes de larga escala (BARREYRO, 2018). Assim, a esfera supranacional tem exercido o poder de definir os papéis da educação e as prioridades da formação e da pesquisa, detendo a titularidade da acreditação e induzindo padrões e critérios de qualidade. Conforme Dias Sobrinho (2008, p. 818), esses espaços internacionais:

Gozam de prestígio, dado que exercem uma função de responsabilidade pública que cabe aos Estados, e não enfrentam muitos antagonismos, em razão de que a diversidade de interesses e a baixa capacidade de acordos existentes nas comunidades acadêmicas dificultariam a eficácia dos processos de garantia de qualidade. Devido ao predomínio da economia global, esses círculos hegemônicos, a partir dos países centrais, consideram necessário que em toda parte a qualidade seja concebida e avaliada em termos objetivos e homologáveis. Nessa perspectiva, a qualidade passa a ser algo livre de contextos e interpretações subjetivas, identificável objetivamente, mensurável, enquadrável em escalas comparativas, possibilitando que se lhe aplique um selo, à semelhança do que se faz na indústria.

Vê-se, portanto, que um dos fenômenos resultantes desse contexto é a criação de sistemas e agências de garantia da qualidade e de acreditação, com

aspectos semelhantes à regulação de mercados. Diante do comércio de serviços no âmbito da educação superior, por meio da educação a distância, da mobilidade estudantil e de pesquisadores, franquias transnacionais etc., os sistemas de acreditação tornaram-se presentes em várias regiões. Além disso, no contexto da sociedade do conhecimento, existe a ideia de que a educação é uma mercadoria que pode proporcionar benefícios, como a empregabilidade no mercado de trabalho global, uma vez que prepararia força de trabalho qualificada e permitiria a circulação de profissionais diplomados.

Não obstante o processo de acreditação dos Estados Unidos tenha a mais longa tradição (POLIDORI; CARVALHO, 2016), o modelo certamente mais consolidado e difundido para a garantia da qualidade na educação superior é o da União Europeia. A partir da Declaração de Bolonha, em 1999, houve o comprometimento dos países signatários em promover reformas, estabelecer um Espaço Europeu de Ensino Superior (EEES) e promover a competitividade desse sistema em todo o globo. Segundo Robertson (2009, p. 409),

O imperativo para a Europa progredir como um projeto político e econômico de modo mais geral, e como uma economia baseada no conhecimento mais especificamente, está ligado aos Estados Unidos e ao declínio da participação da Europa na produção mundial de bens. Por esse motivo, os Estados Unidos e a UE partilham um interesse comum na expansão da economia de serviços globais – incluindo a educação superior como um mercado, como um motor para a inovação e um setor-chave no desenvolvimento de novas formas de propriedade intelectual.

Assim, o Processo de Bolonha constituiu uma ação política em direção ao EEES, a fim de aumentar a atratividade da Europa, para estudantes europeus e de países terceiros, como mercado educacional. Como observam Lima, Azevedo e Catani (2008, p. 10-11),

O texto da Declaração de Bolonha não se revela nada enigmático quanto à opção pelo princípio da competitividade em termos não só de emulação, de eficiência e de financiamento, mas também de lógica mercantil, assumindo com clareza a ideia da centralidade da Europa no fornecimento de serviços educativos, de resto de matiz assumidamente etnocêntrico.

O Processo de Bolonha representou também uma nova ordem das relações sociais em educação, como apontado por Fátima Antunes (2006; 2007), transformando os modos de governação, ação, agenda e modelos educacionais rumo a: a) governação pluri-escalar; b) múltiplas modalidades e protagonismos de ação transnacional; c) desenvolvimentos e agendas para a educação estruturados

por pressões e estratégias político-econômicos globais; e d) disputas entre tendências e modelos de ambição mundial.

Entre os principais objetivos traçados, está o de adotar um sistema baseado em ciclos de estudos e promover a mobilidade dos estudantes. O Processo de Bolonha passou a ser referência para as políticas de educação superior no mundo, inclusive no Brasil, reforçando a mercantilização e a adequação dos programas e currículos às necessidades do mercado. Além disso, a construção de um sistema europeu de educação superior fortemente atrativo em escala global demanda a indução de rivalidade interinstitucional por meio da divulgação aos consumidores dos resultados das avaliações, tendo reflexos também no financiamento público. Assim, no campo da avaliação, um dos objetivos traçados no Processo de Bolonha foi a promoção de um sistema com o intuito de desenvolver critérios e metodologias comparáveis. No ano de 2000, conforme aponta Sérgio Santos (2011b), foi criada a Associação Europeia para a Garantia da Qualidade na Educação Superior (ENQA), tendo como principal objetivo fomentar a cooperação no domínio da avaliação e garantia da qualidade, tornando-se o espaço para a promoção da cooperação europeia na avaliação. Ou seja, o papel da ENQA é reunir as agências dos países do EEES e realizar o processo de meta-acreditação, a fim de que as agências nacionais obtenham o Registro Europeu de Agências de Garantia de Qualidade (EQAR) (SANTOS, 2011b; BARREYRO, 2018).

Em 2003, foi constituído grupo para preparar padrões, procedimentos e orientações sobre a garantia da qualidade comumente aceitos e ainda para explorar vias para assegurar um sistema de acompanhamento para as Agências nacionais. Assim, surgiram os padrões europeus para a garantia da qualidade, que se materializou no documento Standards and Guidelines for Quality Assurance in the

European Higher Education Area (ESG), adotado na reunião ministerial de Bergen,

em 2005, e que constitui o principal referencial para os sistemas de garantia da qualidade, incluindo a organização e funcionamento das próprias Agências (SANTOS, 2011b). Segundo Antunes (2006; 2007), nessa Conferência Ministerial de Bergen, foram definidas três grandes áreas de desenvolvimento de políticas apresentadas como características-chave da estrutura do EEES: a) um modelo convergente assente na definição de uma unidade de medida (o crédito europeu), que vigore no domínio da formação profissional e do ensino superior, e que permita definir padrões similares ou equivalentes para um número amplo de cursos,

diplomas e instituições; b) a definição de um único sistema de graus em que podem ter lugar variações mínimas, na modalidade 3+2 anos ou 180+120 créditos europeus para os dois primeiros ciclos; c) o esforço para fundar sistemas de avaliação, de garantia de qualidade e de acreditação. Este último item inaugura novo quadro regulatório, envolvendo a trilogia de instrumentos: garantia de qualidade – padrões e orientações – reconhecimento de graus e períodos de estudos, e acreditação. Esses instrumentos estão direcionados para a prestação de serviços de educação através de fronteiras, criando condições para a competição entre instituições e espaços econômico-políticos (ANTUNES, 2006; 2007).

Rothen (2018) sintetiza o documento da ENQA que estabelece as normas e diretrizes para a garantia da qualidade no espaço europeu do ensino superior, conforme o Quadro 3. Segundo o autor, as diretrizes e normas para a garantia da qualidade no EEES, ao mesmo tempo em que regula todo o processo de avaliação, concede autonomia para que as agências nacionais elaborem as suas avaliações.

Quadro 3 – Normas e orientações europeias para a garantia da qualidade Critérios e diretrizes para a garantia da qualidade

Interna Externa Agências

Política e procedimentos de garantia de qualidade

Utilização de procedimentos de garantia da qualidade interna

Utilização de procedimentos de garantia externa da qualidade no ensino superior

Aprovação, acompanhamento e revisão periódica dos programas

Desenvolvimento de processo da garantia da qualidade externa

Classificação oficial

Avaliação dos alunos Critérios para a decisão Atividades de garantia da qualidade

Garantia da qualidade do pessoal docente (qualificação)

Processos adaptados

às finalidades Recursos utilizados Recursos de aprendizagem e

apoio ao estudante; sistemas de informação

Relatórios acessíveis Missão da agência

Informação pública atualizada e

imparcial Processos de monitoramento Independência e autonomia

Avaliações periódicas; análise de todo o sistema

Critérios e processos de controle de qualidade externos utilizados pelas agências Procedimentos de prestação de contas

Fonte: Rothen (2018, p. 25-26).

Os ESG foram concebidos para serem aplicáveis a todas as IES e agências de garantia da qualidade na Europa, independentemente da sua estrutura, função e dimensão, e do sistema nacional em que se inserem.

Segundo ponderação de Antunes (2006; 2007), como efeito, não apenas da acreditação europeia, mas do chamado Processo de Bolonha como um todo, pode-

se correr o risco de, em nome da regulação (e uniformização) nível supranacional, descaracterizar especificidades e autonomias nacionais. Nessa mesma perspectiva, para Lima, Azevedo e Catani (2008, p. 12-13),

É visível, com efeito, uma reforma da educação superior à escala europeia, sem precedentes, em que se destaca, em primeiro lugar, uma grande perda de protagonismo dos estados nacionais, a tal ponto que talvez se possa falar de uma espécie de “desnacionalização” da educação superior ou, de outro ponto de vista, de uma decisiva e definitiva “europeização” das universidades e outras escolas superiores, optando por políticas de liberalização e pela necessária harmonização para a emulação e a competitividade, vencendo barreiras e fronteiras tradicionais. [...] Assiste-se, assim, a um complexo processo de redução da autonomia relativa dos estados nacionais em matéria de educação superior; a uma direção supranacional de políticas, agora relativamente descontextualizadas; a uma deslocalização das arenas de debate e dos processos de discussão democrática de tipo tradicional; à não participação ou a uma participação fluida e difusa dos atores educativos diretamente envolvidos, em favor da intervenção de stakeholders altamente organizados e institucionalizados; à emergência de novas tecnoestruturas e especialistas (gestores, grupos de missão, peritos e avaliadores profissionais etc.); a uma adaptação célere e por vezes sem discussão das legislações nacionais, assim sobre- determinados externamente à escala europeia e frequentemente subtraídas do processo de deliberação democrática; à produção de estudos internacionais, de avaliações externas e exames de política, acompanhados de processos diversos de pilotagem e monitorização transnacional e pela imposição de mecanismos externos de “prestação de contas”; à definição externa e a priori de “problemas” a enfrentar e de “soluções” a adotar, aparentemente universais ou, pelo menos, não contingentes e situados, apresentados como imperativos racionais ou como exemplos incontornáveis de “boas práticas”.

Em sentido semelhante, Dias Sobrinho (2008) observa que a regulação transnacionais, mediante centros hegemônicos que definem a qualidade em termos objetivos e quantificáveis, faz com que a qualidade se torne:

[...] conformidade a padrões previamente estabelecidos por especialistas e pelos membros de órgãos que definem os critérios e padrões através dos quais são controlados os setores acadêmicos e efetuadas as medidas. Como tendência geral, se observa que, quando a avaliação e o conceito de qualidade estão determinados pelos especialistas externos e as autoridades governamentais, em geral, se limitam a controlar, medir certificar e regular, em detrimento dos processos participativos e formativos de reflexão e debates da comunidade acadêmica e científica, com prejuízo, portanto, ao exercício da autonomia universitária. (DIAS SOBRINHO, 2008, p. 819) Seguindo essa tendência de estabelecer padrões e orientações supranacionais de avaliação e acreditação como forma de reproduzir um padrão regulatório baseado no modelo de organização de mercados, foi celebrado o Acordo sobre a criação e a implementação do Sistema de Acreditação Regional de Cursos de Graduação (Sistema ARCU-SUL) para o reconhecimento regional dos

respectivos diplomas, no âmbito do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). A origem do Sistema ARCU-SUL remonta ao Memorando de Entendimento Sobre a Implementação de um Mecanismo Experimental de Acreditação de Cursos para o Reconhecimento de Títulos de Graduação Universitária nos Países do MERCOSUL, aprovado pelos Ministros de Educação do bloco, em 1998. Esse Memorando representou a primeira definição de diretrizes de um processo de acreditação comum. Segundo Hizume e Barreyro (2017, p. 49),

Este documento constitui a primeira proposição de regulação da matéria, precisando termos técnicos a fim de uniformizar o entendimento de temas específicos, em face das diferenças entre os sistemas educacionais e avaliativos nacionais e o surgimento de novos atores institucionais ligados ao Setor Educacional do Mercosul.

As autoras afirmam, ainda, que Argentina e Brasil, países que apresentavam maior experiência em avaliação, desempenharam papel central na formulação dos procedimentos avaliativos do projeto de acreditação. Foram previstas duas etapas, uma de autoavaliação e outra de avaliação externa, esta constituída pela visita in

loco realizada pelo chamado Comitê de Pares. O Mecanismo Experimental de

Acreditação do MERCOSUL (MEXA) foi aplicado entre 2002 e 2006, com convocatórias para os cursos de Agronomia, Engenharia (Civil, Química, Industrial, Eletrônica e Mecânica) e Medicina, perfazendo um total de 62 cursos acreditados, dos quais 12 foram brasileiros (HIZUME; BARREYRO, 2017).

Para Serikawa e Moura (2016), embora Argentina, Brasil, Chile e Colômbia já possuíssem sistemas nacionais de avaliação em andamento, nos demais países, como Bolívia, Paraguai e Uruguai, foi o MEXA que fomentou a cultura da avaliação, por meio da Rede de Agências Nacionais de Acreditação (RANA). Como desdobramento, foi elaborado, em 2008, o Sistema ARCU-SUL, com o intuito de estabelecer critérios regionais de qualidade e uma possível convergência dos sistemas nacionais de avaliação da educação superior no MERCOSUL (BARREYRO; LAGORIA; HIZUME, 2015).

O Sistema ARCU-SUL executa a avaliação e acreditação de cursos universitários e é gerenciado pela RANA, no âmbito do Setor Educacional do MERCOSUL (SEM)15. Ou seja, não há uma agência regional de acreditação, mas

15 Conforme Hizume e Barreyro (2017), o SEM foi instituído, em 1991, para tratar da educação, mas

articulando-se com outros setores, inclusive econômico e comercial, exigindo estratégias pontuais, como a circulação de força de trabalho qualificada.

sim uma rede composta por agências nacionais que atuam nos seus respectivos países e realizam a acreditação regional dos cursos selecionados.

A acreditação certifica a qualidade acadêmica dos cursos de graduação, atestando que o perfil do graduado satisfaz os critérios de qualidade previamente aprovados no âmbito regional para cada diploma. Ou seja, por meio do ato de acreditação, os países membros reconhecem mutuamente a qualidade acadêmica dos diplomas outorgados em cursos de graduação acreditados16. O Acordo evidentemente demandou ajustes institucionais por parte dos países associados.

No Brasil, a noção de “acreditação” não foi institucionalizada na legislação, exceto quando trata do Sistema ARCU-SUL. A Portaria MEC nº 1.004/2008 designou à CONAES a atribuição de integrar, pelo lado brasileiro, a RANA. Porém, segundo Barreyro, Lagoria e Hizume (2015), por não dispor de orçamento próprio e de um quadro de pessoal, a ação da CONAES no Sistema ARCU-SUL tornou-se inexequível. Diante disso, com a posterior criação da SERES, o MEC publicou nova Portaria, a de nº 1.734/2011, designando, além da CONAES, o INEP e a SERES para integrarem a RANA. Dessa maneira, a CONAES é encarregada de estabelecer os critérios a serem utilizados para o funcionamento do Sistema ARCU-SUL no Brasil e o INEP está incumbido da implementação do processo de avaliação de cursos no Sistema. Quanto à SERES, a Portaria MEC nº 1.734/2011 não explicita as atribuições.

Interessante destacar que, à exceção do Brasil, todos os países membros possuem numericamente uma instância vinculada à RANA, e não três17, embora, como apontam Serikawa e Moura (2016), a diversidade, em termos de sistemas de avaliação, é uma característica dos membros do ARCU-SUL. Além disso, os países possuem tradições avaliativas distintas. Enquanto Argentina, Brasil, Chile e Colômbia têm sistemas de avaliação institucionalizados, com normas e órgãos

16 Vale salientar que o reconhecimento da qualidade acadêmica dos títulos ou diplomas acreditados

no Sistema ARCU-SUL não outorga, em si, direito ao exercício da profissão nos demais países. Não obstante, pode ser usado como critério para facilitar o reconhecimento mútuo de títulos ou diplomas para o exercício profissional em convênios ou tratados bilaterais, multilaterais ou sub-regionais celebrados a esse respeito.

17 Comisión Nacional de Evaluación y Acreditación Universitaria (CONEAU, Argentina), Comisión

Nacional de Acreditación de Carreras Universitarias (CNACU, Bolívia), Comisión Nacional de Acreditación (CNA, Chile), Consejo Nacional de Acreditación (CNA, Colômbia), Agencia Nacional de Evaluación y Acreditación de la Educación Superior (ANEAES, Paraguai), Comisión Ad Hoc de Acreditación (Uruguai) e Comité de Evaluación y Acreditación de Programas e Instituciones de Educación Superior (CEAPIES, Venezuela).

autônomos, Bolívia, Paraguai e Uruguai ainda não consolidaram plenamente seus sistemas, nem ajustaram completamente o marco legal (SERIKAWA; MOURA, 2016).

Essa diversidade na experiência avaliativa de cada país, aliás, pode ser uma das causas para impasses e atrasos no desenvolvimento integral do Sistema. Para Barreyro, Lagoria e Hizume (2015, p. 65),

O ARCU-SUL constitui a institucionalização do mecanismo experimental anterior e, portanto, era esperada a ocorrência de um fluido processo de acreditação de cursos nos países do bloco, contudo, isto não se deu, especialmente no caso brasileiro, sendo uma das possíveis explicações as descompassadas dinâmicas internas dos países e sistemas e processos de avaliação e acreditação muito diferentes. Uma das diferenças está focalizada nas agências ou órgãos encarregados de realizar esses procedimentos de acreditação em nível interno e, ainda, realizar a acreditação regional Mercosul.

De acordo com a análise de Barreyro (2018, p. 9-10), “o Brasil continua com sua política (SINAES) em escala nacional e com poucos efeitos do regional ARCU- SUL”. Mas, se por um lado a diversidade pode ter obstaculizado o funcionamento amplo do ARCU-SUL, por outro, Serikawa e Moura (2016) afirmam que tem ajudado no fortalecimento da tradição avaliativa e na formação de avaliadores por meio de oficinas e processos nacionais e regionais de acreditação, notadamente na etapa da avaliação externa do ARCU-SUL, momento em que há contato com realidades e pares de outros países.

Conforme Barreyro (2018), a proposta de criação do INSAES pode ser entendida como inserida nesse contexto de uma agenda globalmente estruturada para a educação, pois as práticas do EEES, mediante a ENQA, e as do ARCU-SUL, requerem uma agência de avaliação e acreditação. Mas, consoante Barreyro, Lagoria e Hizume (2015), o Brasil ainda não tem essa agência e realiza essa função por meio de diversos órgãos da estrutura do MEC.

De forma semelhante, entendemos que o Projeto INSAES é uma tentativa de integrar e otimizar em uma agência o formato difuso, característica do sistema brasileiro. Diferentemente de algumas agências do EEES18, que são de direito privado, o INSAES, pela proposta, seria uma autarquia federal dotada de

18 Em Portugal, por exemplo, a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) é uma

fundação de direito privado, dotada de personalidade jurídica e reconhecida como de utilidade pública. Tem como finalidade a avaliação e a acreditação das IES e dos seus ciclos de estudos, bem como o desempenho das funções inerentes à inserção de Portugal no sistema europeu de garantia da qualidade do ensino superior (SANTOS, 2011b).

personalidade jurídica de direito público, com autonomia administrativa e financeira, vinculada ao MEC. Esse investimento na capacidade gerencial do Estado na normatização e monitoramento da prestação de bens e serviços converge para a lógica da Nova Gestão Pública. Para compreender esse fenômeno, faz-se necessário analisar o processo de implementação do modelo gerencial de administração pública como parte da Reforma no Brasil, que transformou a educação em serviço competitivo e não-exclusivo do Estado, repercutindo na relação expansão-avaliação da educação superior.

3 REFORMA ADMINISTRATIVA DO ESTADO BRASILEIRO E AS