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O conceito de Educação Tecnológica é bastante polêmico e carece ainda de discussão e análise dada a multiplicidade de sentidos que assumiu desde que empregado pelo Governo Federal em 1978, quando este conferiu a três instituições da rede – ETF do Paraná, do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, a prerrogativa de ministrar ensino superior.

De acordo com a LDB 9394/96, em seu artigo 35, inciso II, a educação tecnológica básica implica “a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores”.

Entre educação profissional e preparação para o trabalho, pertinente à educação

tecnológica, há uma significativa diferença conceitual. Em ambas modalidades, porém, o

trabalho é tido como princípio educativo. Na versão tecnológica básica, esse princípio, juntamente com o de cidadania, integra-se à base comum e à parte diversificada.

Segundo Marise Nogueira Ramos, em seu artigo Educação Básica e Educação

Profissional: Projetos e Disputa, apresentado na ANPED/2002, o trabalho como princípio

educativo no conceito de educação tecnológica, na LDB, emerge no nível do que Saviani entende como “exigências específicas que o processo educativo deve preencher em vista da participação direta dos membros da sociedade no trabalho socialmente produtivo”, o que no entendimento da autora refere-se ao trabalho como categoria econômica da práxis

produtiva, e não como categoria ontológica da práxis humana. A lei focaliza, portanto, a

perspectiva do capital, e não a do trabalhador, pois não supera a visão utilitarista e reducionista de trabalho.

Diante dessa concepção de trabalho como princípio educativo, a autora conclui que o conceito de cidadania presente na LDB, por sua vez, não é resgatado como valor universal, mas no limite do possível, conquistado por cada um dentro dos padrões produtivos e culturais contemporâneos.

Em outro trabalho apresentado na ANPED sob o título de “A reforma do ensino

profissional: desmantelamento da Educação Tecnológica ministrada no CEFET/X?”,

Oliveira (2003) busca defender a educação tecnológica já ministrada pelo CEFET/X antes mesmo da última reforma, esclarecendo que

a comunidade cefetiana vem, há décadas, procurando construir coletivamente um conceito de educação tecnológica crítico e comprometido com os interesses não só do mercado, mas principalmente da sociedade, (...) embasada em princípios da tradição marxiana e gramsciana (...), (procurando) resgatar o trabalho como princípio educativo, a politecnia, a articulação entre teoria e prática e a formação omnilateral do homem, (Marx, L., Engels, F. 1993, apud OLIVEIRA, 2003) (...) contemplando premissas ligadas à escola unitária, ao antiespontaneísmo, à cultura como princípio educativo na qual o trabalho se constitui como a categoria fundamental (GRAMSCI, A., 1982, apud OLIVEIRA, 2003).

A título de exemplo, a autora cita Oliveira (2000) e Biagini (2000), duas pesquisadoras do CEFET/X, que têm contribuído para avançar na construção do conceito de educação tecnológica como sendo:

a concepção de educação tecnológica integraria, de forma democrática, a educação geral e a formação profissional, enquanto direito do cidadão, em um projeto construído coletivamente pela escola, envolvendo a flexibilização na oferta de programas, que habilitassem o exercício profissional vocacionado dos alunos, a partir das demandas sociais devidamente identificadas (Oliveira, 2000, p. 42-3, apud OLIVEIRA, 2003).

Ou seja, o conceito de educação tecnológica vai muito além da formação que se reduz a treinamento. Em outras palavras,

(...) a concepção de educação tecnológica que privilegiamos, toma como referência os preceitos de Marx a respeito da omnilateralidade: um homem completo não simplesmente se adapta ao movimento transformador do processo de produção, mas também constrói e reconstrói sua historicidade na sociedade (...) o ensino tecnológico, consiste na articulação entre ensino intelectual e trabalho manual, no sentido de estabelecer a unidade entre escola e o mundo do trabalho (Biagini, 2000, p. 34-5, apud OLIVEIRA, 2003).

A autora concluiu que “as determinações da Reforma do Ensino Profissional vem impactando o ethos, a história da instituição e, conseqüentemente, a qualidade do seu ensino, consubstanciada na Educação Tecnológica por ela ministrada, há décadas”, pois o objetivo da reforma era o de extinguir o ensino propedêutico da instituição e transfigurá-la, “num processo de ‘Senaização’, em um ‘hipermercado’ no qual são vendidas as mais variadas mercadorias educacionais, de qualidade questionável”.

A respeito da idéia de construção coletiva do conceito de educação tecnológica, Gariglio (2003) demonstra que a questão da autonomia constitui-se noutra falácia neoliberal.

Foi no contexto da crise do emprego, da restrição orçamentária e da adesão ao ideário educacional imposto pelo Banco Mundial que, em março de 1996, o governo FHC encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei 1603/96, com o objetivo de implantar a reforma da educação profissional. Essa reforma busca, entre outros objetivos, transformar os Cefets, as escolas técnicas e agrotécnicas em instituições de formação apressada e barata, pela oferta de cursos modulares superficiais, e desvinculadas da formação geral, agudizando a disparidade entre o saber e o fazer, ou seja, perpetuando a divisão da escola profissionalizante para os pobres e a escola propedêutica para os ricos. (...) Como bem lembra FRIGOTTO (1996:156), é quando o sistema de Escolas Técnicas Federais (ETFs) avança significativamente no processo interno de democratização e de gestão e da estruturação de projetos políticos pedagógicos que buscam a perspectiva de uma educação unitária, surge o projeto do MEC direcionado num sentido diametralmente contrário: o da modulação fragmentária, do dualismo e, sobretudo, de um anacrônico reducionismo da formação técnica.Com essa política educacional, além de aumentar significativamente o risco de privatização das escolas técnicas, busca-se submeter estas instituições aos valores e interesses advindos da sociabilidade operada pelo mercado (grifo meu).

Portanto, a concepção de educação tecnológica trazida na LDB e que se funda nos compromissos assumidos pelas políticas neoliberais representa um retrocesso nos processos democráticos de participação do coletivo na construção de projetos educacionais. Isso porque desconsiderou os avanços surgidos no interior da escola no sentido de viabilizar uma educação transformadora, que tem na gestão democrática e no projeto político- pedagógico sues elementos fundamentais.