• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 2. o educador de pares como ponte na redução de riscos: aproximação necessária

2.1. O educador de pares como facilitador de proximidade aos/às Utilizadores/as de drogas

U

TILIZADORES

/

AS DE DROGAS

Pensando no modo como os/as educadores/as de pares têm uma maior facilidade de proximidade aos utilizadores de drogas, comparativamente com os/as restantes técnicos/as num projeto de RRMD, e por forma a iniciar esta análise empírica, pode-se começar a análise com base no que o/a técnico/a 1 refere na entrevista:

“a educação de pares, como forma de intervenção, é já uma forma de intervenção reconhecida pela Organização Mundial de Saúde, portanto vem sendo aplicada nas instituições. (...) O lugar do educador de pares passou a ser parte do design de qualquer projeto de redução de riscos da APF desde então. Porque foi muito bem conseguido e porque demonstrou realmente diferenças na prática. (...)O educador de pares é um elemento importante no contexto para sinalizar os fenómenos e as necessidades. A sua facilidade de poder dialogar com os pares de uma forma mais aberta, menos formal, torna-se efetivamente necessária” (Entrevista Técnico/a 1).

Uma das características mais valorizadas pelas equipas de rua é a de que o/a educador/a de pares seja conhecedor das dinâmicas do mercado da droga, dos contextos de consumo e/ou dos UD. A razão que está na base desta escolha refere-se à facilidade de um/a educador/a de pares se aproximar dos locais de consumo e estabelecer rápidas relações com os UD (Marques, Mora & Santos, 2012, p.35).

É possível verificar o acima enunciado pela expressão descrita abaixo:

“O educador de pares dá-nos um bocadinho a perspetiva do outro, que é sempre a parte mais difícil de qualquer interação humana. Que é à partida ter a possibilidade de alguém que por ter já vivenciado, ou vivenciar porque não põe de parte a hipótese de um educador de pares se poder organizar a nível da sua vida (...)e praticar consumos

94

de substâncias psicoativas, de reconhecer o que se passa no território com os seus pares consumidores, menos organizados, menos estruturados, (...) porque tem a priori ter uma leitura diferente do fenómeno” (Entrevista Técnico/a 1).

O educador de pares é deste modo, visto como

“[a]bsolutamente essencial. Porque o educador de pares consegue fazer a ponte nomeadamente, no primeiro contato que a gente precise com este tipo de indivíduos que é bastante difícil normalmente de fazer uma abordagem sem os conhecer. E o educador de pares consegue fazer a ponte porque os conhece a todos e consegue fazer com que a nossa relação seja bastante mais rápida num primeiro contacto” (Entrevista Técnico/a 3).

De acordo com a National Aids Control Organization14 (2008) e indo de encontro ao que o/a técnico/a 3 referiu, um/a educador/a de pares é uma pessoa pertencente ao grupo de risco que trabalha com os/as colegas para influenciar as suas atitudes e mudança de comportamentos. Ao ser selecionado o educador de pares, o foco está no facto de este poder construir pontos de confiança estabelecendo credibilidade com os grupos vulneráveis; ser o elo essencial entre o pessoal do projeto, os serviços inerentes ao programa e da comunidade e, pode fornecer informações importantes sobre os grupos vulneráveis às outras partes interessadas (NACO, 2008).

A observação das dinâmicas no EP permitem perceber que por norma os/as utentes se dirigem primeiro ao educador de pares para expor os seus problemas, fazendo com que seja este a levar as informações aos/as técnicos/as, sem que os/as utentes tenham que falar diretamente quando não o querem fazer. Como exemplo, salienta-se uma das observações realizadas.

“Nota-se que alguns dos/as utentes preferem falar com o Alex em primeiro lugar, tentando sempre que possível resolver a situação com os técnicos com o seu intermédio. Deste modo evitam “levar na cabeça”, como referem, dos/as técnicos/as quando não cumprem as suas funções ou tarefas. O educador de pares vem transmitir o que foi dito por parte dos/as técnicos/as aos/às utentes, dizendo-lhes se tiveram bem ou mal na atitude que tomaram, mas assim evita mais constrangimentos para os/as UD porque, como eles dizem “ele percebe-nos, sabe que às vezes não falhamos de propósito” (Nota de Terreno, 15/02/2015).

Os/As educadores/as de pares não são apenas confiáveis para obter informações de acesso difícil, são também essenciais para converter a informação que chega por parte dos/as UD e transformá-la em conhecimento útil uma vez que são vistos como pessoas confiáveis e que compreendem o contexto dos pares (United Nations, 2003).

95

O educador de pares podendo compreender a gíria popular usada pelos/as consumidores, e sendo uma figura conhecida por parte dos/as últimos/as tem uma facilidade comprovada no aproximar aos/às UD quando comparados com os/as restantes técnicos/as, que muitas das vezes nem se conseguem aproximar dos locais de consumo porque são expulsos de lá. É esperado que os/as educadores/as de pares consigam identificar novos/as UD e motivá-los/as a juntar-se aos programas de redução de riscos, incentivando o teste do HIV, a troca de seringas e de outros materiais pertinentes para a temática (Moorthi, 2014).

“Sou uma peça fundamental, para ambos os lados. E tento equilibrar, portanto ajudo

o toxicodependente como ajudo os técnicos, nem sou a mais para uns nem a menos para outros. Não, aqui sou igual, 50-50, 50 por cento para os doutores, 50 por cento para os utentes. É assim, tanto uns como outros precisam, uns precisam de uma coisa, nós precisamos de outra” (Entrevista Educador de Pares).

Recorrendo ao estudo efetuado por Garfein et al. (2007) “A peer-education intervention to reduce injection risk behaviors for HIV and hepatitis C virus infection in young injection drug users” que faz referência a um estudo controlo randomizado realizado no âmbito da educação de pares, onde se dota os/as educadores de pares de ferramentas e conhecimentos para aplicarem nos seus pares sobre HIV e Hepatite C e provocar mudanças nos seus comportamentos, demonstrou, no fim do estudo (6 meses) que a intervenção por meio do/a educador/a de pares incentivou os/as jovens adultos/as a adotar práticas de menor risco (29%) de injeção em comparação com os participantes controlo (Garfein et al., 2007, p.1927). Como se pode perceber no contexto em análise, estas questões de incentivo à mudança de comportamentos também são realizadas por meio do educador de pares.

“Muitas vezes os/as utentes pedem kit´s novos mas não trazem as seringas usadas para trocar. O Alex repreende-os/as sempre dizendo que não lhes pode dar novos

kit´s sem eles/elas trazerem as seringas novas. Contudo acaba sempre por lhes dar,

repreendendo-os/as na mesma, mas como ele diz “não os/as posso deixar ir sem

kit´s, se não vão-se picar com alguma agulha do chão e isso não pode ser. Eu

chamo-os à atenção para que eles/elas percebam que é importante depositar as seringas usadas no contentor que trazemos connosco e não as deixar na rua, onde alguém se pode picar e apanhar alguma doença, ou outro consumidor pode usar em desespero” (Nota de Terreno 14/04/2015).

Este facto comprova que o recurso ao/à educador/a de pares como ferramenta de passagem de conhecimentos sobre práticas corretas de injeção, por exemplo, reduz o risco dos/as UD de virem a contrair doenças como o HIV e a Hepatite C.

96