• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 2. o educador de pares como ponte na redução de riscos: aproximação necessária

2.2. O educador de pares como exemplo para os/as utilizadores/as de drogas

O educador de pares é percepcionado pelos seus pares como uma pessoa com quem se podem relacionar e serem ouvidos (United Nations, 2003), é visto como um fim positivo para os/as UD ajudando-os/as desta forma a adotar práticas de consumo mais corretas e fornecendo todo o tipo de informação relacionada com saúde e prevenção.

Pensando no fim positivo enunciado acima, somos remetidos para o que o/a Técnico/a 4 refere aquando da entrevista,

“Sem dúvida ele é uma mais valia. E porquê? Porque, na minha opinião, os nossos utentes têm alguma tendência a se auto estigmatizarem. Claro que é uma relação muito estigmatizada pela sociedade, mas os próprios também se auto estigmatizam, ou seja, no contato que têm com os técnicos têm tendência a distanciarem um bocadinho a relação porque acham que nós poderemos estar a desvalorizá-los por serem toxicodependentes. Às vezes sente-se um bocado isso e eu acho que um educador de pares consegue transmitir esta proximidade e um bocado esta natureza que nós procuramos transmitir que é a natureza de parceria. (...) E portanto o educador de pares acho que funciona muito bem nesse sentido, porque nos permite uma aproximação diferente e se calhar uma relação de confiança diferente. Depois é uma pessoa que domina estes ambientes de uma forma que nós não dominamos. Já foi consumidor, portanto há coisas que nos ultrapassam um bocado e ele consegue se calhar detetá-las de uma forma muito mais fácil que nós, portanto ele é um exemplo para os UD” (Entrevista Técnico/a 4).

Percebe-se deste modo que o educador de pares, sendo uma pessoa de maior proximidade aos/às UD, “dominando o ambiente” do consumo consegue ser um exemplo para estes últimos e, deste modo, pode encontrar problemas que sem o olhar dos/as técnicos/as não se conseguiria alcançar. Para que isto seja possível é também necessário uma comunicação entre os educadores de pares e os/as utentes para que assim possam aprender e desenvolvam as melhores técnicas possíveis de intervenção.

“A prática da educação de pares entre utilizadores de drogas (...) é informada e moldada pelos intercâmbios e processos que ocorrem independentemente da intenção. Os utilizadores de drogas aprendem uns com os outros no decorrer das suas interações diárias. Eles nem sempre terão uma agenda para a aprendizagem. Estes intercâmbios são o contexto em que a educação de pares formal ocorre” (Wye, 2006, p.3)

Marques, Mora & Santos (2012) fazem referência a uma outra questão importante afirmando que “[m]antendo as suas rotinas de convivência (associadas ao consumo ou não) com os UD no mesmo território, este educador de pares tem

97

constantemente a possibilidade de educar para a saúde, o que não é alcançável por um educador externo ao território e que lá não permaneça” (p.35).

Percebe-se melhor ainda que o educador de pares é uma figura significativa e de exemplo para os/as utentes, quando um deles afirma,

“Por exemplo eu já estive numas quantas associações e todas elas tinham psicólogos, psiquiatras, etc. E eu nunca me dei bem com essa gente, nunca. Isto porque eles têm de saber mais da vida de um gajo do que um gajo, e queriam perceber mais da doença de uma pessoa do que uma pessoa, e acho que isso não é possível. Não é possível, um psicólogo que venha falar comigo e que nunca se tenha drogado, tentar explicar-me seja o que for. Perco assunto e pronto, acho que nunca dá bom resultado. Agora, por exemplo, eu com o Alex posso falar, porque sei que ele sabe o que é que eu estou a sentir” (Entrevista Afonso).

É interessante perceber também, que por muito que os/as utentes possam “resmungar” nas suas idas ao espaço, nos dias em que estão mais conversadores e olham para o Alex a conversar com o/a investigador/a ou com os/as restantes técnicos/as, a ter uma relação próxima, simples e com conversas coerentes e importantes no sentido profissional, comentam “fogo oh Alex tu é que és um exemplo de vida, estás aí todo contente, tens ordenado ao fim do mês, deixaste a droga e estás aí mesmo impecável” (Nota de Terreno 20/01/2015), mostrando que o Alex é um exemplo de que é possível abandonar o consumo e reestruturar a vida.

Recorrendo à Teoria Social Identitária explicitada no artigo da Australian Drug Foundation “Prevention Research Quarterly Currente evidence evaluated-Peer education Drug info clearing house” (2006), percebe-se que

“[q]uando uma pessoa pertence a um grupo, ele ou ela está mais suscetível de interiorizar o sentido a partir desse grupo. Esta teoria supõe que os indivíduos estão mais propensos a serem influenciados por pessoas do seu grupo, que compartilham características semelhantes do que por aqueles indivíduos que estão “fora do grupo”” (pp:5-6).

Deste facto compreende-se que o educador de pares é um exemplo e uma influência positiva na vida dos/as UD e na mudança das práticas de consumo praticadas por estes.

Moorthi (2014) faz referência a esta influência positiva, afirmando que os/as educadores de pares foram vistos15 como bons amigos, conselheiros e guias a quem os/as UD procuravam para aconselhamento sobre o tratamento, compartilhar as suas experiências ou até discutir problemas pessoais. “Os educadores de pares iriam falar e

15No estudo “Models, experts and mutants: Exploring the relationships between peer educators and injecting drug user clients, in Delhi´s harm reduction programs”

98

compartilhar informações de maneira formal e não-didática, criando um canal de comunicação e confiança que até então estava ausente” (Moorthi, 2014, p.75).

Hoje chegou um utente novo que queria fazer a inscrição para ver se conseguia apoio para deixar de viver na rua, e para deixar a heroína. Estava bastante tímido para falar comigo e contar-me os seus problemas, relativos à situação em que se encontrava, ainda que eu e os utentes presentes na sala o estivéssemos a incentivar a falar comigo porque eu era técnica do espaço e podia ajuda-lo. Mas felizmente o Alex desceu e com aquela forma característica dele e com a sua veia comunicativa mais ativa e da gíria dos consumidores, dirigiu-se rapidamente ao novo utente, colocando- o totalmente à vontade, dizendo-lhe que ali nós éramos uma família e que ele podia falar dos problemas com qualquer técnico que ninguém o ia julgar. O novo utente sentiu-se mais confortável com a presença do Alex e perguntou-lhe como se processava o tratamento com a metadona (...)” (Nota de Terreno 26/03/2015).

Pensando na experiência de vida dos/as educadores/as de pares, Wye (2006) faz referência a uma questão essencial para que se perceba esta proximidade e confiança que os educadores de pares têm com os/as UD. Este autor diz-nos que dentro da informação e conhecimentos da experiência pessoal existe um importante papel no que diz respeito à credibilidade, confiança e crenças que o educador de pares transmite. “Uma considerável parte da literatura (...) atesta a eficácia da educação de pares como um meio de compromisso e educação em relação (...) à população que usa drogas ilícitas” (Victorian Department of Human Services16

, 2006, p.3).

Estando claro este ponto de compromisso, proximidade, amizade, partilha da mesma linguagem, partilha de um percurso comum no mundo da droga, pode-se afirmar que o educador de pares é um exemplo para os/as UD deste projeto.

“Estão novamente a falar por “códigos” (o Alex e os utentes). Estou a tentar perceber o que querem dizer com cada palavra, para ficar dentro da conversa, mas existem conceitos como “dar no cavalo” que eles usam com o Alex e que só ele entende e riem-se todos juntos até que param para me explicar que quer dizer preparar o caldo para injetar. (...) acabaram a conversa dizendo “oh não vale a pena estarmos a ter estas conversas com o Alex porque ele agora é bom rapaz e já não se mete nessas coisas, devíamos ser como ele. Tu é que mudaste bastante, quem te viu e quem te vê, sim senhor”, comentam os utentes sorrindo e fazendo-me sinais de que não podem elogiar muito o Alex se não ele fica convencido” (Nota de Terreno 17/04/2015).

Em jeito de conclusão e referenciando Moorthi (2014) que apresenta os dados do seu estudo falando dos/as educadores/as de pares que continuam a ser

99

consumidores e os que não o são, percebeu-se que os/as educadores/as de pares que usam drogas foram frequentemente menos responsabilizados/as, respeitados/as e foi-lhes atribuído menos valor do que aqueles/as educadores/as de pares que preferiram abster-se e manterem-se limpos. Percebeu-se também que os/as utentes ficavam menos “encantados/as” com os/as educadores/as de pares que continuavam a ser consumidores, afetando assim a sua relação (p.78).

Este resultado apresentado por Moorthi (2014) permite afirmar com mais precisão e certeza o facto do educador de pares do EP ser uma figura exemplar, que tem um compromisso, que é próximo dos/as utentes uma vez que no momento não é consumidor de drogas.

100