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Capítulo 2. o educador de pares como ponte na redução de riscos: aproximação necessária

2.4. O olhar dos/as utilizadores/as de drogas perante o educador de pares

Percebendo que o educador de pares tem para com os/as UD uma relação de amizade e os/as visualiza como iguais, importa assim perceber se os/as UD sentem o mesmo relativamente ao educador de pares.

Primeiramente importa referir que das 6 entrevistas aplicadas no EP aos/às utentes, apenas 2 desses sabiam o que era a educação de pares. Os restantes utentes não sabiam pelo nome da profissão mas, após explicitado o conceito, associavam imediatamente ao Alex, técnico do EP.

Neste sentido, e apropriando também as definições dos/as utentes, a Fátima define educação de pares como sendo

“pessoas que passaram, ou até podem ainda estar nessa situação, quer de

prostituição, quer de toxicodependência, quer de álcool, e que, na minha ótica, são tipo uma ponte entre o utente e os técnicos. É mais fácil para uma pessoa que já passou, ou que esteja a passar por essas situações, falar, desabafar, porque os educadores de pares conseguem mais facilmente chegar a elas e conseguem uma abertura e confidências (...)” (Entrevista Fátima).

Enquanto que o Armando se refere ao conceito como

“[s]ignifica essencialmente lidar com pessoas, creio eu, que seja o lidar com pessoas que já tenham tido vários tipos de problemas: toxicodependência, alcoolismo,... Talvez até problemas sociais... Como saber lidar com essas pessoas, como saber ajudá-las. A melhor maneira de ajudá-las…” (Entrevista Armando).

Ambos, ainda que de maneira diferente, conseguem achar o significado da educação de pares e associam o conceito ao técnico Alex e referem a importância da ajuda que estas pessoas – educadores de pares -, têm ou podem ter nos diferentes contextos de intervenção. Este significado é encontrado por termos como “pessoa que já passou pela situação”, “os educadores de pares conseguem mais facilmente chegar aos utentes”, “como saber lidar com as pessoas”, “como saber ajudá-las” que nos remetem para a respetiva definição de educação de pares:

“[a] educação pelos pares é uma estratégia educativa em que indivíduos de um grupo educam elementos do mesmo grupo, com o objectivo de influenciar positivamente os comportamentos desse grupo-alvo. Quando se fala em educação pelos pares com jovens, os educadores de pares devem ser apoiados e aconselhados por seniores, promovendo o máximo de eficiência da intervenção educativa” (Homem, 2012, p.11).

Relativamente ao papel que veem o educador de pares desempenhar e ainda, no que concerne às valências desta pessoa neste contexto de RRMD os diferentes utentes referem:

“Acho muito importante a existência do educador de pares (...) pela tal ponte que eu falei e muitas vezes há situações em que se virem (os utentes) uma equipa a chegar,

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as pessoas são capazes de se fecharem e de não falarem ou até andar. Se virem, à partida, um educador de pares, porque frequentamos os mesmos sítios, a cidade também não é assim tão grande, logo conhecem-se, é lógico que se virem um elemento que já conhecem é muito mais fácil explicar-lhes o projeto e traze-los para cá. Os educadores de pares são exatamente a ponte entre a pessoa e o técnico” (Entrevista Fátima).

“O papel dele é a ponte (...) É mais fácil fazer de ponte quando uma pessoa teve o problema que nós tivemos. Basicamente ele é a ponte ou a balança entre os técnicos e os utentes. Tanto no bom sentido como no mau sentido claro. No bom sentido porque consegue-se impor de uma forma que se calhar um técnico não consegue. Porque tem aquela experiência da rua que nenhum técnico tem, pode ter teórica mas não tem aquela… Sabe ser agressivo quando tem que ser, sabe ser. Porque isto também não é fácil. Pela negativa também porque quando tem de ser agressivo é. Também é ser humano como todos, mas quanto a ele não tenho nada a dizer. Porque até se controla bastante” (Entrevista Tó).

Nestes dois excertos, repara-se que tanto a Fátima como o Tó se apropriam do termo “ponte”. Veem o educador de pares como uma ponte de ligação entre os técnicos e os consumidores, achando que o primeiro é um meio conexão aos contextos, às realidades, à troca de informação privilegiada para os técnicos chegarem aos consumidores.

Num artigo da DrugInfo (2006) é referido que as pessoas ouvem e adotam melhor a informação se esta for transmitida por alguém com características análogas, que apresentem preocupações semelhantes. Neste sentido, os/as utentes acrescentam,

“Acho que é importante existir uma pessoa como ele nas equipas de rua sim. Acho que é uma pessoa que sabe pelo que nós passamos, é uma pessoa que está mesmo dentro do mundo. Vocês não sabeis nem tendes ideia do que isso é” (Entrevista Fernando).

“Ele é muito importante num espaço como este, se ele não existisse se calhar era mais difícil para vós lidarem com os utentes toxicodependentes e não só. Acho que é importante que ele possa lidar com isso e ter informação para lidar com isso” (Entrevista Benji).

“Bom, acho que faz melhor o trabalho do que uma pessoa que não tivesse passado pelo problema assim como ele (Alex). Uma pessoa que não tenha passado pelo problema não compreende. (...) Nos trinta e tal anos que tenho de toxicodependência, pouco por cento das pessoas que experimentaram largaram, ou seja, 99,9 não largam. (...) E acho que o Alex, pronto, pessoas como o Alex são as pessoas indicadas para tal, fazerem este serviço” (Entrevista Afonso).

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Os/As restantes utentes reconhecem o educador de pares como uma pessoa que está “no mesmo mundo”, portanto encontra-se num patamar de percepção da realidade dos consumos, que os/as técnicos/as não possuem e que “não compreendem”.

“(...) Após dizer isto, ele (Toni) ri-se e começa a dizer “ah, todos entramos na droga por motivos diferentes mas é evidente que o Alex percebe melhor o que sentimos e o gosto que temos em consumir do que a menina ou outra pessoa qualquer que nunca tenha fumado heroína ou cocaína”. Eu disse que concordava, que estava ali para aprender com eles, para me afastar da teoria e perceber o pouco da realidade (Nota de Terreno 20/11/2014).

Num momento de troca de conhecimentos em que o mensageiro é um/a educador/a de pares, o facto de todas as partes envolventes se identificarem mutuamente como membros de uma realidade sócio cultural específica, torna o/a educador/a de pares um forte modelo para provocar mudanças nos comportamentos dos consumidores (UNAIDS, 1999).

Deste modo, percebe-se que os/as utentes percepcionam o educador de pares como fundamental numa equipa de RRMD e referem-se à sua postura e relação para com eles/as (utentes) como uma “relação em que tenta ser o mais isento possível com todos. Não atendendo a conhecimentos ou gostos ou pronto, não tomar parte por ninguém” (Entrevista Tó), sendo uma relação de proximidade e amizade.

Neste dia, o Alex já estava de volta das suas férias. Estavam todos os utentes contentes por o ver de volta, mandavam algumas bocas a brincar com ele por ele ter tido direito a férias mesmo estando a receber por recibos verdes. Disseram que ele fazia lá falta para “mandar vir com eles quando eles tocam mais do que 1 vez à campainha” e riam-se todos juntos. Nota-se que existe uma boa relação entre os utentes e o educador de pares, que ainda que seja com todas as regras inerentes ao espaço e ao projeto em si, os utentes olham para o Alex como um deles, com quem podem falar sem problemas ou tabus” (Nota de terreno 20/11/2014).

Parafraseando Wye (2006),

“[o]s pares estão mais inclinados para acreditar e confiar nas informações e ideias que vêm de alguém com credibilidade como um utilizador de drogas dentro da sua rede ou grupo; estão mais inclinados a ouvir alguém que respeitam e que sabem que tem experiência pessoal de “viver a vida” (...)” (17).

Compreende-se deste modo que os/as UD sintam o educador de pares como um dos seus com quem se identificam e que aprovam como sendo um modelo de vida e de reintegração.

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