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2.5. Maturação

2.5.3. Efeito da microbiota sobre a proteólise do queijo

Em queijos maturados por cultura de superfície, a proteólise contribui principalmente para o desenvolvimento do sabor, aroma e da textura, uma vez que, as proteases liberadas na casca penetram no queijo de fora para dentro modificando assim a matriz do paracaseinato de cálcio o qual é responsável pela estrutura do queijo (BRENNAN et al., 2004; LECLERCQ-PERLAT et al., 2000; McSWEENEY, 2004a).

Normalmente, com a extensão da proteólise há um aumento da cremosidade da massa devido à solubilidade de vários compostos de baixo peso molecular que são solúveis na umidade do queijo e que são resultantes da degradação de peptídeos a grupos α-carboxilicos e α-amino (BOCKELMANN e HOPPE-SEYLER, 2001; BRENNAN

et al., 2004; McSWEENEY, 2004a). A ação das enzimas proteolíticas sobre as frações

de caseína, além de modificarem a estrutura da massa do queijo, alteram o pH da casca e do interior do queijo devido à produção de amônia (NH3). Os micro-organismos

presentes nas culturas de superfície apresentam capacidade de desaminação, levando a produção de amônia (McSWEENEY, 2004a,b).

Nos primeiros dias de maturação, a maior parte do nitrogênio solubilizado é procedente da hidrólise da αs1-caseína devido à ação da renina. Posteriormente, a fração β-caseína começa a ser degradada mais lentamente e em menor quantidade devido, principalmente, ao aspecto inibidor do cloreto de sódio na fase aquosa do queijo, contribuindo com a fração de nitrogênio solúvel (SORENSEN e BENFELDT, 2001; McSWEENEY, 2004a,b).

Em queijos maturados por cultura de superfície, pode-se dizer que a proteólise está relacionada mais especificamente com a proteólise secundária, agindo sobre os compostos nitrogenados resultantes da proteólise primária, liberando peptídeos de baixo peso molecular e aminoácidos livres. Isto porque a microbiota responsável pela maturação dos queijos possui principalmente atividades aminopeptidase e, com menor intensidade, de endopeptidase, diferindo, assim, da ação do coalho que não produz ou libera aminoácidos livres, mas libera, principalmente, peptídeos de elevado peso molecular (DESMAZEAUD e GRIPON, 1977).

O Geotrichum candidum por apresentar forte atividade proteolítica e lipolítica é o micro-organismo que mais contribui para o processo de maturação de queijos maturados por cultura de superfície. Dependendo da atividade proteolítica extracelular, as cepas de Geotrichum candidum são classificadas em dois grupos, um que apresenta fraca atividade proteolítica e outro, característico dos queijos macios maturados por cultura de superfície, que apresenta uma forte atividade proteolítica. Entretanto, a atividade proteolítica extracelular é menor quando comparada com a sua atividade intracelular (GREENBERG e LEDFORD, 1979; GUÉGUEN e LENOIR, 1975; GUÉGUEN e LENOIR, 1976; MOLIMARD et al., 1994; AUBERGER et al., 1997; BOUTROU e GUÉGUEN, 2005).

A especificidade das proteinases é importante na maturação de queijos maturados por cultura de superfície. Chen e Ledford (1972) analisando o efeito da atividade proteolítica do Geotrichum candidum na superfície de queijo Limburger, observaram que as proteinases produzidas por esse micro-organismo degradam tanto a αs-caseína quanto a β-caseína, mas com maior atividade sobre a β-caseína.

Boutrou et al. (2006) analisando o efeito da atividade proteolítica do

Geotrichum candidum em uma variedade de queijo macio com 27 dias de maturação,

observaram que as proteinases hidrolisaram todas as frações de caseína no queijo adicionado de Geotrichum candidum quando comparado com o queijo controle, e que as frações αs-caseína e a β-caseína foram as mais degradadas, especialmente entre o 5 º e 15 º dias de maturação.

A Brevibacterium linens contribui para a maturação dos queijos maturados por cultura de superfície, especialmente por apresentar enzimas proteolíticas extracelulares e intracelulares que atuam sobre as frações de caseína resultando na formação de compostos de baixo peso molecular os quais contribuem para as características sensoriais dos queijos (BRENNAN et al., 2004). As enzimas aminopeptidase e peptidase que são produzidas pelas cepas de Brevibacterium linens atuam mais especificamente sobre os compostos nitrogenados de baixo peso molecular com formação de amônia, aldeídos, ácidos e aminas (RATTRAY e FOX, 1999; McSWEENEY, 2004a,b). Segundo Varnan e Sutherland (1994), outros compostos aromáticos podem ser formados pela ação das aminopeptidases e peptidases sobre os compostos nitrogenados, esses incluem: 3-metil-1-butanol, feniletanol e 3- metiltiopropanol que são derivados, respectivamente, da leucina, fenilalanina e metionina.

Estudos sobre a ação das proteinases extracelulares produzidas por cepas de Brevibacterium linens vêm sendo realizados por diversos autores devido à elevada atividade proteolítica e importância que essas enzimas exercem na maturação de queijos. Embora as proteinases produzidas pela Brevibacterium linens apresentem

atividade sobre as frações de α-caseína e β-caseína, elas atuam fortemente sobre a fração β-caseína (RATTRAY e FOX, 1999; VARNAN e SUTHERLAND, 1994; AUBERGER et al., 1997; McSWEENEY, 2004a,b; BRENNAN et al., 2004).

As cepas de Debaryomyces hansenii apresentam fraca atividade proteolítica, contribuindo muito pouco para a proteólise dos queijos (GUÉGUEN e SCHMIDT, 1992; BONAITI et al., 2004). Estudos realizados por Van Den Tempel e Jakobsen (2000) demonstraram que essa levedura não apresenta atividade exopeptidase, porém apresenta alguma atividade endopeptidase, concluindo-se que a Debaryomyces

hansenii exerce fraca atividade proteolítica em queijos maturados por cultura de

superfície.

Boutrou e Guéguen (2005) constataram que enzimas aminopeptidades produzidas pelo Geotrichum candidum reduzem o sabor amargo em queijo Camembert uma vez que essas enzimas hidrolisam os peptídeos hidrofóbicos de baixo peso molecular que são produzidos pela degradação da β-caseína por enzimas do

Penicillium camemberti. Esses autores relataram ainda que, dependendo das cepas de Geotrichum candidum empregadas na maturação do queijo, há uma maior ou menor

intensidade de produção de compostos aromáticos sulfurados, amoniacais e frutados.

O catabolismo de aminoácidos realizado pelas cepas de Geotrichum

candidum pode produzir vários compostos, os quais são importantes para o

desenvolvimento do sabor. Os aminoácidos podem ser transformados em compostos aldeídos e esses podem ser reduzidos a etanol, 2-metilpropanol (aroma de álcool), 3- metilbutanol (aroma de álcool e frutado) e feniletanol (aroma de rosas e florais) (LATRASSE et al., 1987; JOLLIVET et al., 1994; MOLIMARD e SPINNLER, 1996).

O Geotrichum candidum é particularmente capaz de converter aminoácidos sulfurados em compostos sulfidrílicos que contribuem para o sabor peculiar de alguns tipos de queijos. O agente precursor de compostos sulfurosos é a metionina e o

em metanoetiol, que é o odor característico de repolho cozido, e também em dimetilsulfito, que é o composto aromático do repolho (FOX et al., 2004a; GRIPON, 1997; DEMARIGNY et al., 2000). Geralmente esses compostos contribuem para o odor de queijos maturados por cultura de superfície, como pode ser observado em queijo

Limburger, que apresenta um pronunciado odor de couve-flor cozida, que é associado a

compostos que são derivados do metanoetiol, em particular do s-metiltioacetato (PARLIMENT et al., 1982; HELINCK et al., 2000).

A atividade proteolítica de Geotrichum candidum está relacionada à sua taxa de crescimento, sendo que essa aumenta gradativamente na célula microbiana na fase exponencial e se mostra ótima na fase estacionária (HANNAN e GUÉGUEN, 1985; BOUTROU e GUÉGUEN, 2005). Estudos realizados por Guéguen e Lenoir (1975) revelaram que a produção de enzimas proteolíticas pelo Geotrichum candidum depende da origem da cepa e que entre 30 cepas isoladas de diferentes tipos de queijos, ¾ apresentaram atividade proteolítica extracelular fraca, enquanto ¼ apresentou atividade proteolítica forte. Essa diferença justifica a seleção de cepas de Geotrichum candidum na produção de queijos. Os autores relatam também que a maior parte das cepas isoladas de queijos macios apresentou elevado crescimento celular e forte atividade proteolítica enquanto cepas isoladas de queijos duros apresentaram baixo crescimento celular e fraca atividade proteolítica.

As condições de maturação dos queijos como a temperatura, a umidade relativa e a velocidade do ar das câmaras de maturação influenciam significativamente o crescimento microbiano e conseqüentemente as características bioquímicas e sensoriais dos queijos de maturação por cultura de superfície (LECLERQ-PERLAT et

al., 1999; BONAÏTI et al, 2004; PICQUE et al., 2009; SIHUFE et al., 2010; CALLON et al., 2011).

Os queijos maturados por culturas de superfície são fabricados normalmente com culturas mesófilas, a coalhada é aquecida a uma baixa temperatura (< 35 ºC), são levemente prensados e salgados em salmoura após a enformagem. Esses queijos por

apresentarem elevados conteúdos de umidade, resultam em queijos de textura macia, como é o caso particular do Reblochon e o Limburger, ou resultam em queijos de textura semi-dura, como o Tilsit e Pont L’Èvêque. Os queijos Beaufort, Comté e

Gruyère são exceções a essa tecnologia, pois são fabricados com culturas termófilas, a

massa é aquecida em temperatura elevada, são submetidos a elevadas prensagens, resultando em queijos com baixos conteúdos de umidade (COGAN, 2002). Além disso, o processo de salga mais comumente empregado é a distribuição de sal na superfície do queijo por várias vezes ao longo da maturação (FOX et al.; 2004b; BRENNAN et al., 2004; COSTA et al., 2009).

Após a salga, solução contendo os fermentos comerciais compostos principalmente de Brevibacteirum linens, Debaryomyces hansenii e ou Geotrichum

candidum são aspergidos na superfície dos queijos ou são inoculados pelas sucessivas

lavagens da casca com salmoura contendo micro-organismos retirados da casca de queijos já maturados (BUSSE e SCHUMANN, 1999; HAHN E HAMMER, 1993; COGAN, 2002; BRENNAN et al., 2004; McSWEENEY et al., 2004). Na Áustria o único micro-organismo a ser inoculado em forma de cultura pura é o Brevibacterium linens, todos os outros micro-organismos são inoculados pelas sucessivas lavagens da casca do queijo com queijos em salmoura (BRENNAN et al., 2004). Na França os queijos Münster e o Reblochon são inoculados de culturas puras de Geotrichum candidum,

Debaryomyces hansenii e Brevibacterium linens (BÄRTSCHI et al., 1994;

LEUSCHENER e HAMMES, 1998; WYDER e PUHAN, 1999; CORSETTI et al., 2001).

Os queijos são maturados em câmara fria com elevada umidade relativa (> 90 % UR), temperatura entre 10 a 15 ºC por um período que pode variar de 14 a 90 dias (Tabela 2) e podem ser lavados frequentemente com salmoura durante os primeiros dias de maturação. Algumas vezes, a superfície dos queijos é inoculada uma segunda vez com as culturas puras, selecionadas e características do queijo (COGAN, 2002; BRENNAN et al., 2004). As sucessivas lavagens da casca dos queijos com salmoura garantem uma distribuição uniforme de micro-organismos sobre a superfície do queijo (COGAN, 2002). Em geral, o crescimento torna-se visível na superfície dentro

de poucos dias de maturação. Esta lavagem da casca com solução salina é importante porque promove uma rápida propagação dos micro-organismos de um queijo para o outro, assegurando uma maturação mais uniforme, reduzindo assim, o risco de desenvolvimento de contaminantes indesejáveis, como mofos que normalmente colonizam a superfície dos queijos (BRENNAN et al., 2004).

Tabela 2. Valores médios de umidade, cloreto de sódio, atividade de água e condições de maturação de alguns queijos maturados por culturas de superfície.

Composição Condições de Maturação

Queijo Umidade (%) NaCl (%) Aa* UR** (%) Temperatura (°C) Tempo (dias) Münster 56 ~90 18-20 14-21 Port du Salut 56 ~90 12-18 35-42 Reblochon 55 ~90 15 35-42 Taleggio 48-50 1,1 – 1,3 0,98 3-4 42-56 Pont l’Evêque 45-50 2,0 0,98 80-85 12-13 28-42 Limburguer 45-48 (max. 50 %) 1,8 -3,0 0,97 ~90 10-15 4-10 14-21 42-56 Tilsit 45-55 2,5 0,96 ~90 15 30 Brick 40-42 (max.44 %) 1,8 – 2,5 0,98 ~92 8-12 14 56-89 Beaufort 38-40 1,1 – 1,3 ~0,97 10 120 Gruyère 31 15-18 14-21 21-90

* Atividade de água; ** Umidade Relativa Fonte: BRENNAN et al.,( 2004)

A umidade relativa da câmara de maturação influencia o conteúdo de água no queijo e a sua atividade de água na superfície, sendo assim, recomenda-se para os queijos macios condições de umidade relativa entre 95-98 %, enquanto para os queijos macios maturados por fungos valores entre 90-95 %. Como a umidade relativa é menor que 100 %, o queijo perde entre 10 a 15 % do seu peso inicial na câmara de maturação. Sabe-se ainda que a umidade relativa das câmaras de maturação apresenta maior inibição dos micro-organismos indesejáveis do que sobre o crescimento dos micro-organismos desejáveis da maturação (REPS, 1993; HARDY et

Imediatamente após a fabricação, a superfície dos queijos apresenta pH entre 4,8 a 5,2. Nessa faixa de pH as leveduras e os fungos podem crescer, no entanto, as bactérias da superfície que são tolerantes ao sal, não apresentam crescimento em valores de pH inferior a 5,6, ou até mesmo 6,0. Desta forma, as leveduras crescem e predominam na superfície dos queijos nos primeiros dias de maturação. Elas provocam a desacidificação da massa, causando uma elevação do pH da casca o que permite o desenvolvimento de bactérias tolerantes ao sal como Staphylococci, Micrococci e

Coryneforme (BRENNAN et al., 2004).

O teor de sal dissolvido na umidade do queijo influencia diretamente na atividade de água (Aa) do queijo. A contribuição de outros solutos, como os íons de cálcio, íons fostatos e aminoácidos na atividade de água é muito baixa. Assim, a Aa é uma medida que indica a velocidade de crescimento dos micro-organismos na superfície dos queijos (COSTA et al., 2009). A atividade de água (Aa) dos queijos maturados por cultura de superfície pode variar de 0,95 para o Comté, o qual é um queijo duro, contendo em média 40 % de umidade a 0,98 para o Münster, o qual é um queijo macio, contendo em média 56 % de umidade (Tabela 01) (BRENNAN et al., 2004).

Queijos franceses como Reblochon, Mont d’Or e Tomme de Savoie são tradicionalmente produzidos com fermentos lácticos pouco acidificantes, alcançando valores de pH entre 4,8 a 5,0 nos primeiros sete dias de maturação. Esses queijos por apresentarem baixo conteúdo de sal (< 3 % de NaCl na umidade do queijo), baixo pH e elevado conteúdo de umidade (50-55 %) apresentam condições favoráveis para atuação da renina sobre a αs1-caseína, resultando em um aumento da maciez do queijo (NOEL e LEFIER, 1991; LEFIER, 1984; MILLET, 1985).

O teor de sal absorvido pelo queijo depende do tipo de salga, do tamanho do queijo, da concentração da salmoura e do tempo de salga. Quanto maior for o tempo de salga, maior será o nível de sal na sua superfície do queijo. Segundo Brennan et al.

(2004) o teor de umidade na superfície de queijos maturados por cultura de superfície pode variar de 38 a 56 % (m/m) e o teor de sal entre 1,1 a 2,5 % (m/m). A Tabela 2 apresenta os valores médios de umidade, NaCl, atividade de água e condições de maturação de alguns queijos maturados por cultura de superfície.

Os queijos maturados por cultura de superfície apresentam uma elevada relação entre área superficial versus volume. Em queijos menores, onde essa relação é maior, a ação dos micro-organismos presentes na superfície é mais intensa, acelerando as transformações bioquímicas. Essa relação também pode influenciar a penetração de sal no queijo, pois quando o queijo apresenta tamanho pequeno, mas uma área superficial grande, mais rápida será a difusão do sal da superfície para o interior, ou seja, um abaixamento mais rápido do teor de sal da casca, favorecendo o crescimento dos micro-organismos sensíveis a elevadas concentrações de sal (BRENNAN et al., 2004).

Além do sal, substâncias alcalinas produzidas e liberadas na superfície do queijo também se difundem da casca para o interior, reduzindo assim a acidez da massa, criando um meio favorável ao desenvolvimento de espécies de bactérias tolerantes ao sal como Staphylococcus, Micrococcus e Corynebacterium. Com o aumento do pH da massa são ativados alguns processos enzimáticos que contribuem para as mudanças de textura, sabor, aroma e aparência dessa variedade de queijo (REPS, 1993; COSTA et al., 2009).

Uma maturação incorreta pode levar à formação de camada espessa de micro-organismos na superfície, o que freqüentemente resulta numa mudança de cor, e simultaneamente logo abaixo dessa camada, em condições anaeróbicas, pode ocorrer a putrefação da casca. Também a ausência de micro-organismos na superfície do queijo permite o desenvolvimento de mofos, que em muitos casos são contaminantes indesejáveis (REPS, 1993; BRENNAN et al., 2004).

Depois de duas a três semanas, quando a microbiota típica alcança o desenvolvimento desejado, os queijos macios e semi-duros são finalmente embalados ou transferidos para outra câmara de maturação, com temperatura mais baixa para continuar a maturação (BRENNAN et al.,2004). Geralmente os queijos são embalados em folhas de papel branco, revestidas com parafina, com objetivo de proteger o queijo principalmente contra a perda de umidade.

O desenvolvimento da microbiota da superfície é também influenciado pela presença ou ausência de oxigênio, por exemplo, se as prateleiras da câmara de maturação não forem perfuradas, os queijos devem ser virados frequentemente, pois viragens não frequentes podem limitar a quantidade de oxigênio na superfície do queijo, permitindo assim que o crescimento ocorra apenas na superfície superior e nas laterais do queijo (BRENNAN et al., 2004).

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