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Efeitos da interrupção – a forma de contagem e o efeito duradouro

No documento Prescrio da obrigao tributria (2. edio) (páginas 130-137)

– O problema da aplicação no tempo da lei nova quando esta dispõe sobre as causas interruptivas e suspensivas da prescrição.

PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA 6 A Prescrição da Dívida Tributária – As Etapas na Contagem do Prazo

5. Efeitos da interrupção – a forma de contagem e o efeito duradouro

Tem sido defendido pela doutrina, acompanhada pela jurisprudência do STA e até do Tribunal Constitucional, o denominado efeito duradouro da interrupção.

Defendem que a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa, bem como a citação em processo de execução (cf. artigo 49.º, n.º 1 da LGT) interrompem o prazo no momento em que ocorrem, mas o prazo apenas começa a correr com o fim do processo.

Em resumo, defendem que o prazo, interrompido, apenas começa a sua contagem com o trânsito em julgado da decisão respectiva.

Esta posição distingue duas situações:

(i) A interrupção provocada pelos meios de defesa previstos no artigo 49.º, n.º 1 e

(ii) A interrupção provocada pela citação em execução fiscal. Para ambas consideram que a interrupção tem o denominado efeito duradouro, mas com base em argumentos distintos. Vejamos.

Quanto à primeira situação, a interrupção provocada pelos meios de defesa previstos no artigo 49.º, n.º 1, JORGE LOPES DE SOUSA entende que o efeito duradouro decorre da própria norma, da sua redacção, ao referir-se ao processo (meio de defesa) em si e não à sua apresentação em juízo ou junto da autoridade tributária. O facto interruptivo consistirá, na opinião do autor, no processo (reclamação, impugnação, recurso) e não na peça processual que é apresentada, pelo 24 Veja-se os Acórdãos de 11-07-2012, proc. n.º 0740/12; de 10-02-2010, proc. n.º 052/10; ou ainda de 08-05-2013, proc. n.º 0629/13.

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que o efeito interruptivo deve estender-se durante todo o curso desse processo, ou melhor, até ao seu trânsito em julgado25.

Quanto à segunda situação, quando a interrupção do prazo de prescrição é provocada pela citação em processo de execução fiscal, na opinião do mesmo autor, esse prazo apenas reinicia a sua contagem quando o processo de execução terminar, por aplicação do disposto no artigo 327.º, n.º 1, do CC. Considera para o efeito que o processo de execução termina com a Declaração em Falhas, prevista no artigo 272.º do CPPT (op. cit., p. 10 e 70).

O Tribunal Constitucional, pronunciando em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, decidiu26 não julgar inconstitucional a interpretação supra referida e o

STA tem seguido a mesma posição27.

Não acompanhamos este entendimento.

A interrupção, como regra, tem como efeito aquele que poderemos chamar de efeito

instantâneo, ou seja, verificado o facto, o prazo de prescrição interrompe e recomeça, nesse

momento, desde o início, tal como decorre do artigo 326.º, n.º 1, do CC. E não conseguimos encontrar argumentos para sustentar o contrário.

Vejamos.

Como vimos, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa interrompem o prazo. Mas não conseguimos retirar na letra da norma, como defende aquela doutrina, nem tão pouco do espírito do legislador, que estes meios contenciosos provocam o efeito duradouro da interrupção.

Quando a norma fala em reclamação graciosa e a ela lhe atribui efeito interruptivo, sem mais, apenas poderá estar a referir-se ao seu efeito regra (efeito instantâneo). Caso quisesse atribuir um outro efeito, naturalmente excepcional, assim o teria afirmado, como foi feito em sede de direito civil no artigo 327.º, n.º 1, do CC, por comparação como o artigo 326.º, n.º 1, do mesmo diploma. Por outro lado, um entendimento diferente leva a uma incongruência do regime, por comparação com o efeito suspensivo previsto no artigo 49.º, n.º 4 da LGT. A suspensão deixaria de fazer sentido. Aquela norma prevê a suspensão do prazo com a interposição de um meio contencioso, enquanto não houver decisão definitiva ou transitada em julgado e desde que determinem a suspensão da cobrança da dívida, ie, desde que seja prestada garantia ou ocorrer a sua dispensa (cf. artigo 49.º, n.º 4, al. b), da LGT e artigo 169.º do CPPT e artigo 52.º, n.º 1, 2 e 4, da LGT). Para que serviria a suspensão do prazo quando fosse interposta uma impugnação judicial, se a interrupção tiver o mesmo efeito duradouro e no mesmo período temporal? Defender-se que o artigo 49.º, n.º 1, tem por efeito a duração da interrupção até ao trânsito, seria tornar inútil a suspensão do prazo, prevista para os mesmos meios de defesa no 25 Vide, Sobre a aplicação no tempo das normas sobre prescrição da obrigação tributária, Notas práticas, Áreas Editora, p. 14 e ss.

26 Ac. TC n.º 122/2015, proferido no proc. n.º 179/2013.

27 Vide, a título de exemplo, Ac. STA de 31-03-2016, proc. 0184/16; bem como Ac. de 27.01.2016, proc. n.º 1698/15; de 20.05.2015, proc. n.º 1500/14; e de 26.08.2015, proc. n.º 1012/15.

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n.º 4 do mesmo artigo. A interpretação da lei deve assumir que o legislador se soube exprimir e procurar as soluções consentâneas com o regime em que se insere a norma, numa lógica coerente.

A mesma posição assumimos para o efeito da citação em processo de execução fiscal. Também aqui se considera que o efeito corresponde à regra geral, ou seja, o denominado

efeito instantâneo.

Antes de tudo, não se vislumbra por que motivo se recorre à aplicação subsidiária do artigo 327.º, n.º 1, do CC.

Primeiro porque não existe uma lacuna que justifique o recurso ao CC. A LGT não tem nenhuma falha na regulação do efeito da interrupção. A definição de “interrupção” para efeitos do artigo 49.º da LGT é, de facto, a que consta no Código Civil (artigo 326.º, n.º 1) mas por isso resultar das regras gerais de interpretação, aplicando o artigo 11.º, n.º 2, da LGT. Esta norma determina que os conceitos próprios de outros ramos do direito devem ser interpretados no mesmo sentido que aí têm. Estando prevista na LGT a interrupção do prazo, a sua interpretação deve ser procurada nos termos gerais definidos, ou seja, o efeito regra do artigo 326.º, n.º 1 do CC – «a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido

anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo». Extrapolar para

além disto, seria encontrar uma lacuna que claramente não existe. É desta forma que consideramos que o conceito de interrupção na LGT mantém o seu efeito regra.

Depois, porque com isso irá buscar-se um efeito pensado e articulado para processos de natureza jurídico-privatística e muito longe do processo tributário e do processo de execução fiscal. Não faz sentido aplicar o disposto no artigo 327.º, n.º 1, do CC ao processo de execução fiscal (onde corre o prazo de prescrição e onde se fez a citação). A execução, por definição, não termina, excepto se ocorrer o pagamento da dívida ou a sua anulação (cf. artigo 176.º do CPPT). A declaração em falhas (cf. artigo 272.º do CPPT) não é uma forma de extinção do processo de execução, pelo que não poderá ser equiparada, de todo, ao trânsito em julgado de um processo judicial. A declaração em falhas é apenas uma forma de sustar as diligências coercivas por falta de bens penhoráveis naquele momento. Se mais tarde surgirem novos bens na esfera do devedor, retomam-se as diligências coercivas. Por aqui, não se considera que a declaração em falhas possa ser equiparada a uma causa extintiva do processo e que permita aplicar o efeito do trânsito em julgado.

É por aqui que consideramos que a citação prevista no artigo 327.º, n.º 1, do CC não pode ser equiparada à citação em execução fiscal. A citação prevista naquela norma está pensada e articulada para processos de uma natureza específica e distinta da natureza de um processo de execução fiscal.

Podemos também aqui apontar uma incongruência à doutrina do efeito duradouro. Se efectivamente o legislador quis atribuir esse efeito à citação, para que foi atribuir efeito suspensivo à oposição (cf. artigo 49.º, n.º 4, al. b), da LGT)? A citação em processo de execução ocorre antes da Oposição (embora se possa admitir o inverso, mas apenas em casos

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excepcionais). Se a interrupção provocada com a citação durar até ao momento da declaração em falhas da execução, para que foi então o legislador atribuir efeito suspensivo à oposição à execução, se nesse momento o prazo não estaria a correr?28

Como referimos, não tem sido este o entendimento maioritário do STA29. Contudo, foi já

assumida uma posição diferente pela Conselheira ANA PAULA LOBO. Em voto de vencida no Acórdão de 23-11-2016, proc. n.º 01121/16, a Conselheira manifestou a sua discordância e defendeu que a interrupção deve manter no artigo 49.º da LGT o seu efeito geral, não aceitando a aplicação analógica do artigo 327.º, n.º 1, do CC. Aponta, entre outros argumentos, o facto de a matéria da prescrição estar sujeita ao princípio da legalidade, não sendo possível adoptar interpretações que, sem apoio na letra da norma (cf. artigo 9.º, n.º 2 do CC) criem efeitos suspensivos do prazo de prescrição importados do direito civil, sem que para eles haja remissão expressa ou lacuna a preencher. O regime da prescrição e as suas causas suspensivas do prazo constituem uma garantia dos contribuintes, pelo que estão inseridas na reserva relativa da Assembleia da República e estritamente subordinadas ao princípio da legalidade tributária de reserva de lei formal.

Por tudo o que ficou exposto, consideramos que todos os factos interruptivos previstos no artigo 49.º da LGT têm por efeito interromper a contagem do prazo, reiniciando-se desde o seu início, nesse mesmo momento ou na letra do artigo 326.º, n.º 1, do CC, «a interrupção inutiliza

para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo.»

28 Como aponta a Conselheira ANA PAULA LOBO em voto de vencida no Acórdão de 23-11-2016, proc. n.º 01121/16, posição analisada em seguida.

29 Vide nota 26 supra.

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