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CAPÍTULO 3. A EVOLUÇÃO DA ABORDAGEM DA UNIÃO EUROPEIA FACE AO TERRORISMO E A RADICALIZAÇÃO

3.2 Efeitos do 11 de Setembro na União Europeia

As ameaças vêm mostrando a sua forte capacidade de adaptação, realçando a importância e necessidade de cooperação tanto a nível bilateral, como multilateral.

Embora no passado século, a UE, já viesse a mostrar alguma preocupação e intenção na cooperação entre os Estados, como é o exemplo do grupo de trabalho TREVI e do Tratado de Maastricht que inseriu a PESC e cooperação JAI no campo de ação do Tratado da UE. Até aos acontecimentos de 2001 (11S) existiu um silêncio coletivo no tocante ao terrorismo, silêncio

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esse quebrado apenas por algumas iniciativas levadas a cabo por influência francesa e espanhola que tinham como objetivo “mobilizar a vontade dos estados-membros em prol do agendamento do assunto e da ação coletiva” (Brandão 2011, 46)

Procópio (2001, 63/69) já referia que a luta contra o terror iniciada após o 11S não tinha paralelo na história mundial, constituindo assim um novo e único teste sobre a força da hegemonia políticas nas relações internacionais de todos os Estados. O autor salientava ainda que a incompetência no âmbito das relações internacionais na construção de políticas para a paz e a não-violência abre portas para o uso da força na luta contra o terrorismo. Garcia (2016, 6) mostra o que leva à “incompetência” designdamente o fato de o paradigma das “novas” ameaças ser “genericamente não governamental, não convencional, dinâmico, não linear, com regras de empenhamento desconhecidas, pelo menos de um dos lados, com um modo de atuação e doutrina assimétrica e imprevisível”.

Após o ataque às Torres Gémeas, mais precisamente no dia 21 de setembro, o Conselho Europeu extraordinário em Bruxelas, “[P]rofundamente chocado” com este ataque, considerava que os atentados terroristas assim como os atos terroristas no geral, são um crime contra a humanidade e as sociedades abertas, indo contra os seus valores, democracia e multiculturalidade representando assim uma ameaça tanto á paz como á estabilidade da segurança no mundo. (Conselho da Europa 2001)

Mostrava desde logo a solidariedade para com o povo e Governo norte-americano, abrindo também uma nova página no que toca à reorganização, melhoramento e reforço dos meios e políticas criadas pela UE no combate ao terrorismo. Este conselho de 2001 condenava ainda a instrumentalização religiosa, usada como justificação por parte dos terroristas do 11S, considerando ser incompatível esta abordagem com o “pacífico Islão”.

A resolução incitava ainda os Estados-Membros a implementarem as decisões-quadros relativos ao mandato (de detenção) europeu, procederem à adoção da definição comum do terrorismo, e por fim, mas não menos importante, a criação e cooperação de equipas de investigação comuns. Afirmava ainda a importância da cooperação judicial, policial e serviços de informação europeus e americanos, no que toca ao combate contra o terrorismo e ao seu financiamento, assim como na luta pelos diretos e liberdades fundamentais.

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Medidas criadas pela União, e também relevantes foram as da decisão referente à criação da Eurojust, medidas essas que deveriam ser implementadas “o mais tardar” em junho do ano de 2004. (Conselho da Europa 2004) Com o objetivo de melhorar a cooperação judicial dos Estados-membros, a EUROJUST foi pioneira no mundo, uma vez que foi a primeira rede de cooperação judicial internacional, sendo considerada elemento fundamental na ação da UE no combate ao terrorismo. (Whal 2010)

No ano de 2003, foi aprovada a Estratégia Europeia em matéria de Segurança apontando para a realidade de que “[O]s terroristas e os criminosos são hoje capazes de atuar no mundo inteiro: as suas atividades na Ásia central ou meridional podem representar uma ameaça para os países europeus ou para os seus cidadãos”, salientando ainda a problemática da globalização que devido a evolução e aumento dos “ meios de comunicação permite aos cidadãos da Europa estarem mais informados acerca dos conflitos regionais ou das tragédias humanitárias que ocorram em qualquer parte do mundo”, ilustrando aqui a facilidade de se obter informação, seja ela benéfica, ou prejudicial para o normal funcionamento da vida na Europa. (EES 2003)

Francisco Jorge Gonçalves (2012) refere o facto de os atentados de Madrid (2004) e Londres (2005) terem sido perpetrados por cidadãos nacionais, e não só, que se radicalizaram, e auto radicalizaram e sem qualquer ligação a um grupo exterior, passando a constituir células terroristas. Estes ataques vieram mudar o paradigma do que até então era a ótica da União Europeia no que toca à identificação da ameaça. Até então a ameaça era proveniente do exterior, doravante esta perceção mudava devido à internalização da mesma. Após 2004 a UE reconheceu a luta contra a radicalização como um fator estratégico fundamental na luta e prevenção do terrorismo. (Martins e Ziegler 2018)

Em 25 de março de 2004, o Conselho Europeu adotou a Declaração sobre a Luta Contra o Terrorismo, mostrando estar mais uma vez “profundamente chocado” com os atentados terroristas de Madrid desse ano. Defendendo uma estratégia a longo prazo, no seguimento da reunião de 21 de setembro desse mesmo ano, esta declaração reafirma o aumento da participação, e dos esforços de estabilização da União e da Comunidade Internacional nos conflitos regionais, de forma a fomentar a “boa governação e o Estado de Direito”. (Conselho Europeu 2004)

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Nessa mesma ótica estratégica de prevenção do terrorismo, em junho de 2004, o Conselho da União Europeia estabelece o Sistema de Informação sobre Vistos (VIS) (União Europeia 2004). Colocando em prática desejos do passado139, “permitirá às autoridades nacionais autorizadas a introdução e a atualização de dados sobre vistos e a consulta eletrónica desses dados” baseado numa arquitetura centralizada em um sistema central denominado Sistema Central de Informações sobre Vistos (CS VIS) com uma ligação a cada Estado-Membro chamada Interface Nacional (NI VIS) que tem como objetivo assegurar a ligação à autoridade nacional central de cada Estado-Membros e estruturas de comunicação com o Sistema Central de Informação sobre Vistos. (União Europeia 2004) Com intento inicial de luta contra o terrorismo na sua base, uma grande mais-valia do VIS no controlo da imigração ilegal é o fato deste conseguir partilhar a informação de forma rápida quanto à caducidade ou não do visto analisado. Para isso o VIS conta com dados biométricos, ou seja, impressões digitais e fotografias sobre a recusa de vistos, a anulação, pedidos e prorrogação acessíveis não só a autoridades competentes na área da imigração, mas também a entidades policiais. Assim o VIS constitui um sistema de caráter central, que labora não apenas sobre o pilar da política de imigração, mas também no âmbito do controlo e vigilância dos imigrantes ilegais dentro do espaço geográfico da União. (Ferreira 2010)

Com intuito de controlar as ameaças exteriores à União, esta criou a FRONTEX que começou os seus trabalhos em maio de 2005. Embora nos seus inícios não estivesse diretamente relacionada com o combate ao terrorismo e a prevenção do mesmo, isto ficou mais latente depois de algumas declarações políticas que defendiam o fato de esta nova agência dever estar envolvida na resposta da União contra o terrorismo, representando assim, a par da EUROPOL, o mais importante meio de coordenação e partilha de intelligence140 da UE. (Wahl 2010) Dentro das várias práticas nacionais, onde oscilam tanto a abordagem do controlo, como a idade em que este se inicia. No que toca a identificação biométrica, Portugal vem defendendo a existência de algumas exceções na recolha desses mesmos dados, nomeadamente pessoas com deformidades a nível da face. No caso espanhol, esses dados, são retirados desde o ato de nascimento. (Carvalhais 2018)

Embora historicamente a UE tenha mostrado um pouco de lentidão no que toca a trabalhar questões de segurança, a resposta dada logo após o 11S mostrou o intento de uma

139 Neste sentido o Conselho Europeu de Sevilha em 21 e 22 de junho de 2002 fazia menção à emergência de “instituir, logo que possível, um

sistema comum de identificação dos dados dos vistos”. (Comissão Europeia 2002)

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resposta focalizada e compreensiva, adotando e adaptando uma serie de políticas e planos de ação141 entre setembro de 2001 a junho de 2002. (Martins e Ziegler 2018)

Em suma, após 11S, os esforços da UE na prevenção da radicalização e recrutamento para o terrorismo aumentaram gradualmente (Wahl 2010) tendo em 2005 adotado a Estratégia antiterrorista. Analisamos em seguida de forma cirúrgica o vasto142 conjunto de medidas adotadas pela União Europeia, bem como a sua cooperação com quase143 todo o seu meio circundante, com vista a combater o terrorismo e a radicalização, de forma a “keep de house clean”, servindo assim de “back ground” aos Estados Membros.