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Efeitos prejudiciais na saúde humana associados a nitratos e nitritos

A metahemoglobinémia infantil ou cianose (doença dos bebés azuis) é uma doença que se deve à ingestão de água ou alimentos ricos em nitratos (teores superiores a 50 mg/L). No entanto, o problema não está nos teores de nitratos mas sim nos nitritos. Estes resultam da redução dos nitratos pela enzima nitrato-redutase ou da oxidação do azoto amoniacal no estômago [Pinho e outros, 1998; Mendes e outros, 2004; Chen e outros, 2004; Saygili e outros, 2006; Thomson e outros, 2007].

Os nitritos associam-se à hemoglobina formando um complexo estável – metahemoglobina (Figura 2), o que torna difícil a conversão da carboxihemoglobina em oxihemoglobina, impedindo assim que a hemoglobina fixe o oxigénio. Este complexo pode sofrer hidrólise devido à actividade de uma enzima específica, a redutase da hemoglobina carboxilada. Como esta não atinge os níveis necessários nos mamíferos jovens pode ocorrer um bloqueio ao nível da reoxidação da carboxihemoglobina, o que pode originar a morte dos bebés por asfixia. Esta surge porque não ocorre a respiração celular e, consequentemente verifica-se a morte dos tecidos celulares por falta de oxigénio. Esta sensibilidade à ingestão de água com nitritos (e/ou nitratos) nos bebés deve-se ao grande poder de absorção face ao peso corporal, à presença de bactérias

redutoras de nitratos a nitritos no seu aparelho gastrointestinal superior, à grande facilidade de oxidação da hemoglobina fetal (que subsiste durante os primeiros meses de vida) e devido também, como já foi referido, ao recém-nascido não possuir as enzimas específicas capazes de reconverter a metahemoglobina em hemoglobina, ao contrário do adulto [Van Maanen e outros, 1994; Mendes e outros, 2004; Mata, 2004; Thomson e outros, 2007].

Enzima

NADH-Redutase da metahemoglobina

Redução química ou microbiana

Figura 2 – Processo de complexação da hemoglobina pelo ião nitrito [Mendes e outros, 2004].

Em adultos saudáveis, os nitratos e nitritos são absorvidos pelo tracto gastrointestinal, sendo o nitrato rapidamente excretado pela via renal, enquanto que os nitritos se combinam com a hemoglobina transformando-a em metahemoglobina, pelo processo de oxidação do ião ferroso a ião férrico no complexo porfirínico. A metahemoglobina- redutase, presente nos eritrócitos, converte-a em hemoglobina [Van Maanen e outros; 1994]. Os espinafres são um exemplo de alimentos que podem conter quantidades elevadas de nitratos quando adubados excessivamente com adubos azotados de cobertura, antes da colheita, para ficarem com uma coloração mais verde. Neste caso pode ocorrer um agravamento da situação referida anteriormente, pela redução dos nitratos a nitritos, visto este tipo de vegetal ser muito utilizado na sopa das crianças [Mendes e outros, 2004].

Ião Nitrato (NO3-)

presente na água

Hemoglobina Fe++ (Ferroso)

Ião Nitrito (NO2-)

Metahemoglobina Fe+++ (Férrico)

Além da “metahemoglobinémia infantil”, os riscos da ingestão destes compostos poderão ter outras consequências. Os humanos são expostos aos nitritos quando se alimentam, devido à conversão endógena dos nitratos em nitritos, aumentando portanto a sua toxicidade, e formando compostos N-nitroso (nitrosaminas e nitrosamidas), por reacção com aminas e amidas, derivadas das proteínas, por hidrólise. Estes compostos N-nitroso são considerados dos mais potentes cancerígenos conhecidos e podem, por isso, induzir cancro numa grande variedade de órgãos [Duodu e outros, 1999; Hughes e outros, 2001; Gulis e outros, 2002; Xia e outros, 2003; Mendes e outros, 2004; Thomson e outros, 2007]. Os efeitos hepatotóxicos e carcinogénicos foram relatados já em 1954 e 1956. Desde essa altura foram testados numerosos compostos N-nitroso e comprovado, em parte destes, um efeito cancerígeno [Pardi e outros, 1995; Hughes e outros, 2001].

Não existem evidências de carcinogénese, pelo consumo de nitratos em estudos epidemiológicos em humanos. Em relação aos nitritos, os estudos efectuados revelaram efeitos cancerígenos em animais, quando combinados com o consumo de aminas com a consequente formação de nitrosaminas [Walter, 1990]. As nitrosaminas (compostos N- Nitroso, formados em determinados alimentos pela reacção de agentes nitrosantes, derivados de nitrito ou óxido nítrico, com substâncias com um grupo amina) são consideradas dos carcinógenos mais potentes e versáteis, podendo produzir tumores em praticamente todos os órgãos.

As intoxicações por nitratos originam as seguintes manifestações clínicas: vómitos, gastrite, hemorragias digestivas, dor abdominal, metahemoglobinémia, cianose e hemólise. Foram observadas acções carcinogénicas em vários órgãos de cobaias [Reyes e outros; 1993]. Na tabela 7 estão esquematizadas as estruturas químicas de algumas nitrosaminas.

As nitrosaminas podem ser formadas durante o processamento de alimentos, mas também “in vivo”, no tracto gastrointestinal, pela nitrosação de aminas secundárias, as quais podem estar associadas a um alto risco de cancro hepático, gástrico e do esófago [Helse e outros, 1992].

Normalmente, os alimentos crus tais como vegetais, carnes, frutas, cereais e produtos lácteos, contêm baixos teores de nitrosaminas. No entanto, o processo de cura, onde se

adiciona nitrito e/ou nitrato, pode elevar bastante o nível de nitrosaminas [Atanasova e outros, 1997].

Tabela 7 – Nitrosaminas carcinogénicas e principais órgãos afectados em roedores [Miranda; 1993].

Composto Fórmula de estrutura Principais órgãos afectados em roedores

Dimetilnitrosamina Fígado, rins, pulmões

Dietilnitrosamina Fígado, pulmões, esófago

Dibutilnitrosamina Bexiga, fígado, pulmões

Nitrosopiperidina Fígado, esófago

Os compostos N-nitroso apresentam acção teratogénica e mutagénica em animais. Já foram observados efeitos carcinógenos em mais de 40 espécies animais, inclusivé no macaco. A indução de tumores pode ocorrer em diferentes órgãos, dependendo da estrutura química do composto, da dose, da via de exposição e da espécie animal. Embora não existam evidências directas da incidência de cancro em humanos em resultado da exposição a nitrosaminas, presume-se que o ser humano também seja sensível à sua acção tóxica. As nitrosaminas são absorvidas no tracto gastrointestinal e através da pele, sofrem biotransformação, essencial para exibirem acção cancerígena. O primeiro passo envolve a hidroxilação do carbono α do grupo alquilo, catalisada pela monoaminoxigenase de função mista (do citocromo P450), formando um aldeído ou

cetona e uma nitrosamina primária muito instável [Magee e Barnes, 1967]. Este composto pode dar origem a um ião diazónio que, por sua vez, pode alquilar sítios nucleofílicos de ADN, ARN e proteínas [Mirvish, 1975].

As concentrações elevadas de nitratos na água subterrânea têm sido relacionadas com a saúde pública, desde que essa água seja utilizada para consumo. No organismo o nitrato pode sofrer redução endógena para nitrito, com aparecimento dos compostos N-nitroso já referidos anteriormente. Estes compostos poderão estar associados ao cancro do tracto digestivo e urinário [Tewari e outros, 2006].

Existem alguns estudos que procuram estabelecer uma relação entre o teor de nitrato/nitrito e o cancro humano. Este papel ainda não está completamente esclarecido, mas as propriedades tóxicas do NO (óxido nítrico) e seus metabolitos (por exemplo o peroxinitrito) podem ter efeitos adversos. Por este motivo considera-se que a avaliação destes elementos no sangue, em pacientes com processos cancerígenos, pode ser recomendado para determinar uma estratégia óptima de terapia anti-tumoral individual depois do diagnóstico proposto [Timoshenko e outros, 2002].

Segundo outros estudos, as espécies reactivas de azoto (NO e peroxinitrito) podem ter funções benéficas para o organismo. No entanto, se se verificar uma produção desregulada destas espécies podem ocorrer efeitos adversos (por exemplo, erro celular ou até morte celular). Esta situação pode conduzir a condições de erro patológico tal como cancro e inflamação [Rassaf e outros, 2002; Yen e outros, 2003]. Recentemente, a atenção tem sido focada na associação entre a inflamação crónica e o risco de cancro [Yen e outros, 2003].

Estão descritos teores de nitrato/nitrito mais elevados em tumores mais avançados. Concentrações elevadas de nitritos em leucócitos são suspeitas de causar erros de alquilação por indução de nitrosaminas, ou seja, as nitrosaminas, como muitos carcinogénicos químicos, promovem mutagénese e carcinogénese devido a erros de alquilação [Saygili e outros, 2006].

Doses elevadas de nitratos (500 mg/dia) podem provocar inflamação nas mucosas intestinais de adultos. A dose máxima recomendada de nitratos é, portanto, aproximadamente 250 mg/dia, nos adultos [Mendes e outros, 2004].

Depois de estabelecida uma possível relação entre o nível de nitrato/nitrito e tumores, é de todo o interesse procurar perceber se esta relação apresenta alguma diferença em tumores malignos e benignos. O teor de nitratos e nitritos, como já foi referido em alguns estudos, está aumentado no soro e tecidos de pacientes com cancros malignos, quando comparado com pacientes com doença benigna. A avaliação do teor de nitrito e nitrato tem sido usada como um indicador de produção endógena de NO em sistemas biológicos, em vários processos patológicos. Estas espécies têm sido propostas como facilitadoras da carcinogénese. Estes resultados sugerem que a malignidade está associada com um nível aumentado de NO [Gonens e outros, 2006].

Foram efectuados estudos para investigar o efeito da supressão da glândula parótida no metabolismo dinâmico do nitrato e nitrito em porcos anões. A disfunção temporária das glândulas parótidas fez aumentar o nível sistémico do nitrato, sugerindo portanto que estas glândulas têm um papel importante no balanço de nitrato e nitrito em ambos, saliva e corpo. O nitrato salivar é rapidamente reduzido para nitrito pelo sistema enzimático nitrato redutase da bactéria comensal que vive na fenda epitelial da língua [Xia e outros, 2003; Gladwin, 2004]. Foram utilizados porcos anões como modelo para este estudo, devido à morfologia das suas glândulas salivares muito semelhante à dos humanos. O nitrito é um precursor de compostos N-nitroso, que podem estar relacionados com a carcinogénese gástrica/intestinal, ao reagirem com amidas e aminas no estômago para formar compostos carcinogénicos, como já foi referido anteriormente. No entanto, é de notar que o nitrato/nitrito salivar pode contribuir para a defesa dos humanos e animais contra agentes patogénicos orais e intestinais [Xia e outros, 2003]. A figura 3 mostra a possível ligação entre a ingestão de nitratos e o aparecimento de cancro gástrico.

Devido a todos estes riscos já referidos anteriormente, a OMS (Organização Mundial de Saúde), através da FAO (Organização para a Alimentação e Agricultura), recomenda que os nitratos e os nitritos não sejam adicionados à alimentação infantil [Turra, 1998]. Os nitritos podem ser detectados a partir de uma análise à urina. A prova para a detecção de nitritos é útil para o diagnóstico precoce das infecções da bexiga (cistite) [Strasinger, 2000].

A determinação dos teores de nitratos e nitritos pode também ser feita em eritrócitos e em soro [Karagozler e outros, 2002].

Figura 3 – Esquema da possivel ligação entre nitratos e cancro gástrico [Miranda, 1993].

A toxicidade dos nitritos é directa, pois são os responsáveis pela ocorrência da metahemoglobinémia. Os nitratos apresentam uma toxicidade específica muito inferior à dos nitritos, mas também são considerados tóxicos indirectos, pela sua conversão no

Dieta PerniciosaAnemia Gastroenterostomia

Gastrite crónica AtróficaGastrite Metaplasia Intestinal

Elevação do pH gástrico (>5)

Nitrito (Presente nos alimentos e utilizado como conservante)

Composto Nitrogenado Inibição pelo ácido

ascórbico Composto N-Nitroso Toxicidade, Mutagenicidade, carcinogenicidade Aumento da população bacteriana

organismo em nitritos e quando ingeridos em doses excessivas [Pinho e outros, 1998; Mendes e outros, 2004; Thomson e outros, 2007].

A exposição em excesso aos nitritos representa um potencial risco para os Humanos. Os indivíduos com taxa elevada de conversão de nitrato para nitrito estão mais sujeitos aos efeitos adversos da exposição aos nitritos [Thomson e outros, 2007].