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4.3 Conservação x degradação na bacia do Campestre

4.3.3 Efetividade das ações de conservação

E é a partir de todos estes fatores que se buscou refletir também sobre a baixa efetividade das ações de conservação, apesar de toda a formação de recursos humanos e técnicos e da aplicação de recursos financeiros em programas de recuperação.

O trabalho de Vieira (2005, p. 151-154) traz alguns resultados que esclarecem alguns aspectos relacionados a esta questão. A autora procurava saber se os instrumentos legais de licenciamento de portos de areia vinham contribuindo para a recuperação das APPs na bacia do Corumbataí – SP, que também faz parte das bacias do PCJ. Para isso, além de verificar os processos de licenciamento e avaliar os plantios efetuados, a autora ainda buscou analisar as visões provenientes do grupo de empreendedores e de funcionários das instituições envolvidas.

Verificou, desta forma, que por um lado, muitas das irregularidades são resultados, dentre outros fatores, da carência de recursos humanos e materiais e de preparo por parte das instituições licenciadoras, por outro, da falta de informação e negligência por parte dos empreendedores, além da demora e dos elevados custos dos processos de regularização. Também destaca a contradição entre estes custos e o pequeno investimento necessário para a obtenção dos equipamentos de extração de areia.

A autora atribui, ainda, a falta de informações verificada, à transferência da responsabilidade deste conhecimento para as empresas terceirizadas, que elaboram os projetos de recuperação por meio de serviços de consultoria. Assim, os plantios não atendem aos critérios mínimos para restabelecimento da estrutura e função de uma floresta. Primeiro, por que não são efetivados de maneira adequada por parte dos empreendedores; e segundo, porque muitos deles apresentam listagem florística idêntica a de outros projetos. Segundo o levantamento, 63% dos plantios e 43% dos projetos não atenderiam às exigências da Resolução SMA n°21/01 quanto ao número mínimo de espécies. Os plantios realizados, por sua vez, foram avaliados como sendo 52% ruins, 38% regulares, e apenas 10% como bons e ótimos.

As APPs reflorestadas dentro destes procedimentos, portanto, não vêm contribuindo para a função esperada de proteção física dos corpos d´água, já que o uso do solo na bacia também não foi alterado, assim como não estão cumprindo a função biológica, por causa de seus baixos índices de diversidade, não sendo suficientes para o restabelecimento de interações e processos ecológicos. A autora constatou, desta forma, que os instrumentos legais de licenciamento ambiental dos portos de areia não vêm contribuindo para a recuperação de APPs na bacia. Foram eficientes apenas com relação à conservação de fragmentos remanescentes nestas áreas.

Transportando esta análise para as condições da bacia do Campestre, já foi verificado que a visão dos sitiantes não se coaduna com a visão técnica e esta, por sua vez, com a concepção dos estudiosos da hidrologia florestal. Para estes, apesar de se implantarem as matas ciliares nas áreas de APP, conforme preconiza a legislação, não se estarão restabelecendo os processos hidrológicos locais caso não se modifique o uso do solo e se protejam as áreas ripárias. As matas ciliares, assim, estariam apenas cumprindo funções biológicas.

Porém, do ponto de vista dos sitiantes, se percebeu, assim como no caso estudado por Malagodi, que as ações de conservação efetivadas foram permitidas e/ou realizadas mais por conta do clima de apreensão estabelecido, para que eles não fossem considerados como “pessoas fora da lei” – evitando assim possíveis sanções, que além de serem pesadas financeiramente, também são sentidas como fatores de desonra para as famílias - do que por se sentirem efetivamente responsáveis ou entusiasmados por tal ação.

É preciso pensar, desta forma, se, além de possivelmente não se estar atendendo a todos os critérios de efetividade ambiental, também não se estaria, conforme colocado anteriormente por Faladori e Taks e por Brandão, implantando um modelo que - em nome da reabilitação de uma re-harmonia com a natureza - reforça as desigualdades de direitos entre os segmentos sociais envolvidos.

Estes exemplos demonstram, desta forma, que existe uma necessidade de se fazer e pensar novas formas quanto às práticas técnico-científicas, dentre elas as já citadas por Santos (2001) e Velho (2001, p. 1-8) quanto à atual e necessária síntese

entre as ciências naturais e sociais e à diminuição das distâncias entre o saber técnico- acadêmico e o popular.

A necessidade de aproximação entre os conhecimentos das ciências naturais e sociais vem sendo reconhecida, inclusive, por renomadas revistas relacionadas à conservação ambiental (Cf. DREW; HENNE, 2006, p. 1-9; MASCIA et al. 2003, p. 649- 650). Tanto estes autores, quanto Funtowicz e Ravetz (1977, p. 119-223) falam explicitamente da falta de efetividade das ações técnico-científicas, porque ainda muito centradas em aspectos ambientais. Os primeiros ressaltando que, “para preservar o patrimônio natural do planeta, as ciências sociais devem tornar-se centrais na ciência e na prática da conservação”; e o segundo, que é necessário ampliar a composição dos pares na discussão e avaliação de problemas complexos, como é o caso da questão ambiental.

Assim, é preciso pensar, a partir destas colocações, na composição das equipes que produzem e implementam projetos, sejam elas do meio acadêmico ou técnico. Nestas instituições e em seus projetos de educação ambiental ou extensão encontram- se prioritariamente profissionais ligados às ciências naturais e exatas, como agrônomos, florestais, engenheiros etc, sendo menos freqüente encontrarem-se profissionais ligados às ciências sociais e humanas, como educadores, antropólogos, filósofos, historiadores, entre outros.

De forma geral, os profissionais ligados às ciências naturais não têm uma formação aprofundada sobre aspectos humanos, e percebe-se um distanciamento e um desconhecimento dos mesmos em relação aos temas debatidos pelas ciências sociais, mesmo dentro das universidades. Torna-se premente, portanto, que a composição das equipes possibilitem o acesso a conhecimentos voltados à realidade socioambiental e não apenas ambiental.

Entretanto, sabe-se, como já colocado anteriormente, que entre estas duas grandes áreas do conhecimento existem profundas diferenças entre categorias de pensamento e análise, perspectivas, linguagem, pressupostos, e que resultam em olhares e métodos distintos de trabalho. Isso gera dificuldades na elaboração e implementação de projetos interdisciplinares, fortalecendo a necessidade da realização de esforços em termos de tempo e de incentivos para que isso venha a acontecer.

Para finalizar esta discussão, é preciso deixar claro que o fato de este trabalho enfocar que a área ripária não coincide necessariamente com a APP ou que talvez a grama possa contribuir tanto quanto as árvores em termos de contenção de solo, ou mesmo que talvez existam outras formas de conservação não reconhecidas ainda pelo segmento técnico-científico ou pela legislação, não significa que se esteja prescindindo de normas ou se negando a contribuição política de todo o movimento ambientalista, dos avanços da pesquisas científicas e de todas as transformações já alcançadas em direção à construção de sociedades mais sustentáveis.

Não é objetivo deste trabalho subsidiar aqueles que têm intenção de realizar ou ampliar suas ações de degradação. Não está se afirmando aqui que a mata ciliar não é importante e que, portanto, cada um pode fazer o que deseja em seus domínios, mas que é necessário pensar em novas formas mais integradas de olhar a conservação, sobretudo com os aspectos sociais e em um longo prazo, para que se tenha maior efetividade nestas ações, uma vez que todos os grupos estudados percebem a degradação, todos sonham com rios limpos e com um ambiente saudável para se produzir, viver e ter lazer.