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Entrevistas têm sido utilizadas em pesquisas visando a compreensão de temas complexos e de significados subjetivos como opiniões, sentimentos, valores, condutas atuais ou do passado.

Os dados, desta forma, podem ser divididos em fatos “objetivos”, que podem ser verificados por outros meios, e fatos “subjetivos”, que só podem ser conhecidos com a cooperação dos envolvidos, sendo difíceis de apreender com instrumentais quantitativos fechados ou padronizados, como questionários ou entrevistas estruturadas (BANISTER, 1994; LAKATOS, 1993; MANAYO, 1996 apud SZYMANSKI, 2004, p. 10)28.

Segundo Szymanski (2004, p. 11-12,16), dado o caráter de interação social da entrevista, em que estão em ação percepções, interpretações, sentimentos, preconceitos e atitudes de um sobre o outro, as relações entre pesquisado e pesquisador influenciam as informações que serão lembradas, esquecidas, omitidas ou criadas, e a própria condução geral do encontro, com um ininterrupto ajustar de atitudes e sentimentos.

Todas estas questões, aliadas ao reconhecimento de uma relação de poder e desigualdade entre entrevistador e entrevistado, levou alguns autores a elaborar a proposta de entrevista reflexiva, em que se pretende um momento de construção conjunta do conhecimento e uma condição de maior horizontalidade nesse vínculo.

As entrevistas seriam reflexivas em dois sentidos: o de submeter ao próprio entrevistado a compreensão do entrevistador, visando uma maior confiabilidade das informações; e o de garantir o direito ao entrevistado de discordar e modificar suas colocações anteriores (SZYMANSKI, 2004, p. 14-15,18-19).

28 BANISTER, P. et al. Qualitative methods in psychology: a research guide. Buckingham: Open University Press, 1994; LAKATOS, A.M; MARCONI, M.A. Fundamentos de metodologia científica. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1993; MINAYO, M.C.S. O desafio do conhecimento. 4. ed. São Paulo: Hucitec, 1996.

Desta forma, para a realização deste trabalho, após a explicação dos objetivos e do fornecimento de dados pessoais aos entrevistados, deu-se a realização de entrevistas abertas, sem um roteiro fechado, buscando-se apenas a clareza dos objetivos e das informações que se queria alcançar. Para cada um dos grupos estudados buscou-se captar os pontos de vista quanto aos seguintes temas-chave:

a. De onde acreditam que a água surge? Qual a relação entre nascente, rio, bacia, etc?

b. O que pode contaminar ou comprometer a quantidade de água de nascentes e rios? Quais os indicadores que utilizam para definir quantidade e qualidade de água?

c. O que acham que deve ser feito para que a água exista e se perpetue com qualidade e quantidade? Quais as áreas e as práticas mais significativas para a produção de água na bacia?

d. Qual a lógica de uso do espaço, dos recursos, da força de trabalho, das relações comerciais? Como se organizam estes grupos e seus representantes? A que grupos sociais pertencem?

e. Como se organizava este grupo no passado?

f. Qual a concepção sobre natureza e meio ambiente? Como seus pensamentos e práticas vêm se transformando?

g. Como representam a bacia e suas áreas prioritárias para a conservação? h. Qual a relação entre o discurso e prática deste grupo e o discurso e prática dos

outros grupos abordados?

Assim, reservou-se uma parte do tempo (às vezes mais de uma entrevista) para o entendimento da proposta e a realização de questionamentos por parte dos entrevistados, para se fazer um posterior pedido de autorização de gravação, assegurando-se o seu anonimato.

As conversas puderam ser mais aprofundadas em relação às opiniões do grupo de sitiantes e moradores à medida que aqueles já contactados foram indicando seus parentes para uma nova entrevista. A forma de apresentação, deste modo, fazia muita

diferença com relação à imagem que se tinha frente aos interlocutores, o que provocava uma grande alteração na qualidade dos dados obtidos29.

Durante as entrevistas, conforme sugerido por Szymanski (2004, p. 41,43,52) buscou-se fazer sínteses com os termos usados pelos entrevistados, com a finalidade de mostrar como sua fala estava sendo acompanhada pelo entrevistador e de possibilitar a evidência, no momento de análise, de indicadores de momentos de contradições, superficialidade, confusões, entre outras situações.

Para uma parte dos entrevistados (Cf. Tabela 8 e Anexo A), realizou-se a devolução das transcrições, conforme proposto por Szymanski (2004, p. 55-56). Neste sentido, a autora comenta que o fato de se deparar com suas idéias organizadas de outro modo pode ajudar os participantes a sistematizarem suas próprias concepções sobre o assunto.

Uma segunda característica relevante deste tipo de atividade foi que a própria pesquisadora pôde perceber sua forma de atuação nas entrevistas, podendo, assim, corrigir falhas na forma de perguntar e de se expressar. Com isso, foi possível evitar novas imposições, induções, incompreensões, entre outros processos que costumam distorcer os dados obtidos.

Outro aspecto interessante desta prática foi o registro dos pensamentos, valores e trajetórias de vida dos entrevistados. Esta foi a característica que mais interessou aos participantes desta pesquisa, já que as histórias de família contadas de geração a geração podiam, então, ser mostradas a filhos e netos. De forma geral, também se procurou registrar as entrevistas com fotos, sendo posteriormente devolvidas aos interessados como mais uma forma de auto-reconhecimento por parte deles e de agradecimento por parte da pesquisadora.

Esta prática, aliada à convivência nas atividades da terceira idade e à própria mudança e amadurecimento na forma de ouvi-los ao longo do tempo - tentando não deixar que as próprias idéias e preconceitos interferissem nas conversas -, provavelmente mostrou a eles que esta pesquisa não objetivava fiscalizá-los ou impor uma opinião já delineada, mas que havia, sim, disposição em escutá-los.

O próprio compartilhar dos resultados que iam sendo obtidos sobre as diferenças entre os três grupos estudados, também permitiu que entendessem melhor os objetivos e intenções deste trabalho. Assim, com o decorrer do tempo, acredita-se que se sentiram mais tranqüilos e confiantes, já que passaram a partilhar idéias e opiniões mais aprofundadas e pessoais sobre as questões colocadas.

Isso indica que sempre é necessário muito mais do que uma entrevista, uma conversa ou uma única visita para que pesquisadores e entrevistados possam se compreender e empreender um esforço no sentido do diálogo.

Okamura (2004, p. 37-38), por sua vez, indica que a realização de trilhas ou visitas orientadas pelos entrevistados e o registro fotográfico são importantes instrumentos que permitem uma aproximação do olhar do sujeito, já que acompanhar, conhecer e reconhecer o olhar do outro exige o envolvimento do pesquisador ao meio que lhe é mostrado. Na visita, o entrevistado se torna guia e o pesquisador aceita ser por ele conduzido, “lembrando que esse percurso não é apenas um deslocamento pelo território do sujeito, mas sim um deslocamento sobre o universo de referência do outro”. Segundo a autora, este outro não é apenas um testemunho que nos informa ou confirma nossas hipóteses, mas é aquele que detém o seu universo cultural. Quando transmitido, acaba por desestabilizar nossos hábitos, nossas referências e análises.

Neste trabalho, buscou-se realizar visitas aos sítios dos entrevistados para que pudessem mostrar todos os locais e práticas relacionados à água e seus usos, tanto no presente como no passado. Entretanto, nem todos os entrevistados se mostraram disponíveis. Com aqueles com os quais foi possível realizar a visita, procurou-se gravar e fotografar todos os lugares relacionados ao tema por eles indicados (Cf. Tabela 8).

De acordo com Bittencourt (1998, p. 200-208) os meios visuais e as imagens, em trabalhos de natureza antropológica, tornam mais amplas e efetivas as possibilidades de se estabelecer um diálogo com outros universos culturais. No trabalho de campo, a autora chama a atenção para que não se restrinja o uso destes recursos apenas aos aspectos de documentação e de análise de conteúdo, mas principalmente ao processo de atribuição de significados realizado pelos atores sociais.

Pensando nisso, foram escolhidas cinco fotos de microbacias em condições diversas, a partir das aulas de hidrologia florestal. Pediu-se aos entrevistados do grupo

técnico e do grupo dos sitiantes que dessem nomes e explicassem o porquê das denominações escolhidas, explicitando a atribuição de significados a cada imagem. Esta técnica, aqui chamada de nominação de fotos-referência, objetivou a comparação entre distintas visões sobre as microbacias e suas condições.

Neste sentido, desenhos e croquis também são importantes instrumentos que facilitam a expressão do olhar destes atores, sobretudo em relação aos espaços geográficos, seus atributos e as atividades realizadas em cada um deles, uma vez que os indivíduos normalmente não conseguem formular em palavras seus sentimentos, conceitos e valores associados à execução de suas tarefas cotidianas.

No caso dos sitiantes, pediu-se que desenhassem o sítio onde moravam e trabalhavam no passado, colocando os elementos que achassem importantes. Depois, que desenhassem como este lugar se encontrava hoje.