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Efetividade jurídica da participação pública

3. REGIME JURÍDICO DA PARTICIPAÇÃO PÚBLICA

3.5 Efetividade jurídica da participação pública

Ao se analisar os graus de participação pública619, viu-se que determinados instrumentos participativos delegam ao cidadão um poder de decisão (participação co- constitutiva), enquanto outros apresentam uma feição consultiva (participação dialógica)620. A distinção é relevante, pois permite compreender que a perspectiva da participação efetiva, embora imponha garantias de uma oportunidade adequada à participação cidadã, nem sempre condiciona o resultado final da decisão pública em formação. Assim, uma decisão pública formada a partir de plebiscito ou referendo tem força obrigatória, impondo-se o seu cumprimento.621 Nestes casos, eventual recalcitrância do poder público na observância da decisão popular é mais facilmente identificável e sanável.622 Diferentemente, no contexto de instrumentos consultivos, a efetividade da participação ganha complexidade, porquanto, diversos expedientes formais podem encobrir situações de não participação ou, ainda, de mero simbolismo participatório (tokenism)623. Nestas hipóteses, tem-se nada mais que um simulacro de participação pública, o que justifica uma atenção específica sobre os seus fatores jurídico-operativos de efetividade.624

Neste sentido, (i) consultas públicas sobre determinada política ou programa ambiental, sem informação prévia, adequada e acessível ao público, prejudica a qualidade da participação; (ii) uma audiência pública restrita a determinado projeto, sem

619 V. item 2.4.1, supra. 620

“Participação co-constitutiva” e “participação dialógica” são termos de Sérvulo Correia, cf. nota 239,

supra.

621 Uma pista de investigação – que esta pesquisa, entretanto, não cobre – repousa sobre eventual balizamento teórico para a definição das hipóteses de incidência obrigatória de instrumentos de participação pública decisória direta, como o plebiscito e o referendo, no domínio do ambiente. Ou, na imagem de Bruce Ackerman, tratar-se-ia de investigar as hipóteses de decisões (no nosso caso, ambientais) que instauram um “mundo novo” e que, por isto, invocam necessariamente o suporte político da participação popular direta (ACKERMAN, Bruce A.. We the people..., p. 6 e 307).

622 Ainda assim, criticando o fato de os referendos incidirem sobre “anteprojetos previamente formulados pela elite política” e defendendo, ademais, referendo e plebiscito juridicamente obrigatórios nos casos de rejeição parlamentar de lei de iniciativa popular, v. MÜLLER, Friedrich. A limitação..., p. 217. 623 Cf. nota 236, supra.

624

Cuida-se, pois, de abordar a participação pública “em termos qualitativos” (COGNETTI, Stefano. Partecipazione..., p. 15/16).

possibilidade de discussão do programa ou da política no qual aquele projeto se insere, reduz a alcance da participação a questões meramente locais, afastando a cidadania de decisões sistêmicas; (iii) uma audiência pública sobre determinado projeto já contratado e anunciado publicamente pelo poder público submete o público a um ato inócuo, porque referido a uma questão já decidida e com implementação já iniciada; (iv) uma decisão governamental sobre determinada política, programa ou projeto ambiental, que não se refere e não pondera as críticas e sugestões da cidadania colhidas em audiência pública se traduz numa decisão pública tomada a “portas fechadas”, fazendo da participação um rito protocolar de mera chancela formal; (v) a abertura de prazo, durante festas natalinas e de final de ano, para manifestação do público sobre determinado projeto ambiental prejudica ou até inviabiliza a oportunidade de participação; (vi) a realização de audiência pública em horário de expediente laboral inviabiliza a participação de trabalhadores; (vii) a triagem (screening stage) negativa e consequente dispensa de avaliação de impacto ambiental de determinado projeto, por meio de decisão não fundamentada ou fundamentada de modo genérico e inespecífico, impede a participação do público no processo de tomada de decisão, além de prejudicar o controle social sobre a referida decisão de triagem; (viii) a publicação de editais em periódico, que não circula na área rural onde se pretende implementar determinado projeto, não é idônea a informar o público diretamente interessado acerca da matéria, o que inviabiliza a sua participação oportuna; (ix) a realização de consultas públicas orais, sem registro formal adequado, torna incontrolável (ex post) o conteúdo real da participação, dando ensejo a manipulações por parte de quem coordena o processo de consulta. Todas estas hipóteses – como é fácil perceber – se prestam a ilustrar a importância de se estabelecer um marco de garantias jurídicas à participação pública no domínio do ambiente, descortinando aparências formais de regularidade procedimental.625

A este propósito, discute-se acerca da conveniência de uma lei geral de participação procedimental. De um lado, o estabelecimento de um marco legal exaustivo sobre a temática poderia conferir segurança e fortalecimento da posição jurídica do cidadão participante. De outro lado, entretanto, alude-se aos riscos de engessamento e de burocratização da participação, o que desfavorece tanto as funções

625 Nas palavras de Jorge Miranda: visa-se “inserir no fenómeno decisório garantias formais convenientes para a salvaguarda da imparcialidade, da justiça e da razoabilidade ainda dentro do ciclo de formação da decisão” (MIRANDA, Jorge. O direito de informação..., p. 459).

estatais (oneradas por responsabilidades procedimentais acrescidas) como a própria cidadania (cujo exercício fica em larga medida submetido a formatações institucionais). Como já se viu anteriormente, estas são preocupações recorrentes de autores que se debruçam sobre o tema626. Por outra perspectiva, uma lei que se limitasse a enunciar valores e princípios gerais da participação, sem adentrar na normatividade do seu regime jurídico, teria uma função de “mero recurso teórico, bem intencionado, mas pouco efetivo na prática”627

. Assim, importa verificar aquilo que se articule com garantias mínimas, indeclináveis e concretizáveis, para a afirmação de uma participação efetiva, sem, contudo, paralisar as funções estatais e tampouco sufocar o vigor da cidadania.628 Nas palavras de Sérvulo Correia, cuida-se, portanto, do “estabelecimento de condições de tutela e realização de uma posição subjectiva activa (a participação assegurada)”629

.630,631 A este propósito, a OCDE recomenda que, relativamente a

626

V. nota 425, supra. Referindo-se à tensão entre accountability e efficiency, STEWART, Richard B.. Administrative law..., p. 460. Entendendo que a pretensão de harmonizar o incremento da participação pública com a simplificação do procedimento administrativo é querer fazer do círculo um quadrado, v. BATTINI, Stefano. The crab..., p. 82. Externando a mesma preocupação, especificamente, acerca de uma “lei geral sobre participação no procedimento parlamentar” e entendendo que o enfoque deva ser o estabelecimento de direitos em favor de grupos minoritários, TUDELA ARANDA, José. Participación..., p. 103 e 118.

627

BERMEJO LATRE, José Luis. La información..., p. 408/409. 628

Entendendo ser necessário evitar o excesso de regulamentação do procedimento administrativo, v. SÉRVULO CORREIA, José Manuel. Administrative due..., p. 26. Situando o direito de audiência como o conteúdo mínimo de uma lei de procedimento administrativo, v. CASSESE, Sabino. Functions..., p. 11. Ressaltando a necessidade de uma “estrutura procedimental especialmente clara” relativamente às relações jurídicas multipolares, v. SCHMIDT-AβMANN, Eberhard. La teoría general..., p. 77. Apontando os dois principais modelos de codificação do procedimento administrativo na Europa continental: maximalista (Alemanha, Espanha e Portugal) e minimalista (Itália e “em certo sentido também França”), v. PEREIRA DA SILVA, Vasco. Functions..., p. 73. Referindo-se a um esforço de simplificação do procedimento administrativo italiano (especialmente direcionado para a redução dos impactos da participação pública sobre a atividade econômica), por meio do estabelecimento de um prazo máximo de duração dos procedimentos e, nos casos de baixa significância e de decisão administrativa vinculada, por meio do deferimento tácito de licenciamento de atividades econômicas, à falta de decisão no prazo estabelecido, v. BATTINI, Stefano. The crab... p. 98/101.

629 SÉRVULO CORREIA, José Manuel. Procedimento equitativo..., p. 420.

630 Em Colômbia, vige a Lei Estatutária de Participação Cidadã (Lei 1757, de 2015), com três vertentes: (i) regulamentação de mecanismos de participação; (ii) prestação de contas e controle social (inclui a avaliação da gestão, cf. artigo 48); e (iii) coordenação e promoção de uma política de participação cidadã (cf. artigo 77 e seguintes), inclusive por meio do Fundo para a Participação Cidadã e o Fortalecimento da Democracia (cf. artigo 96). Estão previstos, ademais, direitos e responsabilidades do cidadão (artigos 102 e 103) e deveres da Administração, notadamente os deveres de tomar em consideração as discussões das instâncias de participação e de emitir conceito sobre as sugestões, recomendações e propostas apresentadas pela cidadania (artigo 104). Disponível em

http://participacion.mininterior.gov.co/participacion/ley-estatutaria-de-participacion-ciudadana, última consulta em 07 de março de 2018.

631

Em Espanha, no País Basco, qualquer formulação, revisão ou modificação de qualquer figura de planejamento do solo ou urbanístico deve fazer-se acompanhar de um programa de participação cidadã, com a especificação de metas, estratégias e mecanismos e a aprovação de um plano impõe a formalização do processo de tomada de decisão, do correspondente influxo participativo e da fundamentação acerca da ponderação decisória adotada (Lei 2/2006, de 30 de junho, sobre o Solo e

atividades regulatórias, as políticas de participação não sejam excessivamente prescritivas, para que possam ter uma maior capacidade adaptativa a diferentes tipos de situações; que sejam veiculadas por lei ou por decreto; e que, na sua essência, sejam transparentes e previsíveis sobre, por exemplo, a obrigatoriedade de consulta pública prévia, notificação compulsória, período de comentários e dever de registro e de resumo descritivo das consultas realizadas.632

Na sua essência, pode-se dizer que publicidade, transparência e informação sejam os primeiros fatores que condicionam a efetividade jurídica da participação633, porquanto, à sua falta, resta impossível a formação de uma dialética pública.634 Aqui, importa a publicidade do objeto procedimental, por meio de divulgação geral e de notificação pessoal de pessoas aferidas como diretamente interessadas635; importa a transparência no processamento das etapas procedimentais e das oportunidades de participação; e importa também a ampla informação sobre as questões de fato e de direito necessárias ao debate público e à consequente formação da decisão636.637 Afinal, não se consegue intervir num procedimento que se desconhece; não se consegue acorrer a uma oportunidade não divulgada; e não se consegue contrapor racionalmente um dado fechado ao conhecimento. Sobre o tema, Lorenzo Cotino Hueso sugere um marco legal que garanta (i) a difusão ativa de informação por meio das TICs e mecanismos eficazes para a sua exigência; (ii) a reutilização da informação pública, tal como ocorre com a Diretiva 2003/98/CE638; (iii) um prazo máximo para atendimento de pedidos de informação; (iv) a participação de um ombudsman ou de autoridades de proteção de

Urbanismo do País Basco, artigos 62, 68 e 108); em Estremadura, a Lei 15/2001, de 14 de dezembro, sobre o Solo e Ordenação Territorial de Estremadura, determina, como garantia da participação cidadã, a elaboração de um anexo de documentos acerca do desenvolvimento do processo de participação (art. 7.e), cf. BERMEJO LATRE, José Luis. La información..., p. 425/426.

632

OECD. OECD best practice..., p. 7 e 12/13.

633 Trata-se, conforme David Duarte, de “pressupostos de substancialidade” da participação (DUARTE, David. Procedimentalização..., p. 126/127).

634

Sobre o ponto, v. tb. item 2.3.1. No mesmo sentido: COLAÇO ANTUNES, Luis Felipe. A tutela dos interesses difusos..., p. 1084/1085.

635 Sobre o ponto, v. tb. item 3.4.

636 Sobre precedente do Supremo Tribunal Administrativo da Inglaterra, reputando ilegal consulta pública lastreada por informações “completamente insuficientes para permitir aos consultados um ‘resposta inteligente’”, na medida em que não contemplava duas questões de “importância crítica” acerca da implementação de energia nuclear, v. nota 179, supra.

637 Salientando a necessidade de um cronograma procedimental claro, com prazos e oportunidades suficientes de participação e, ainda, a necessidade de que, sempre no estágio mais prévio possível, sejam prestadas as informações reputadas relevantes pelo próprio público participante, v. OECD. OECD

best practice..., p. 17.

638 Diretiva 2003/98/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Novembro de 2003, relativa à reutilização de informações do sector público. Disponível em http://eur-lex.europa.eu/homepage.html, última consulta em 07 de março de 2018.

dados para tratar de casos de negativa ou de silêncio negativo de acesso à informação, com prazo máximo para resolução da questão; (v) a instituição de órgãos ou de unidades administrativas responsáveis pelo marco legal; (vi) a fixação de sanções a servidores públicos por violação da transparência e do acesso à informação; (vii) o estabelecimento de um ponto na rede virtual institucional, que centralize as informações ao cidadão; (viii) o estabelecimento tipologias de informação e seus respectivos regimes jurídicos, versando sobre os requisitos de acesso, a necessidade de identificação e de demonstração de interesse pessoal, obrigatoriedade de divulgação ativa da informação em rede virtual, classificação de segurança e mecanismos de proteção de dados.639 De outro ângulo, é determinante também a disponibilidade informativa acerca do projeto de decisão que norteia a atuação do poder público640, de modo a que o público possa contrapor argumentos úteis ao debate, com real possibilidade de influência sobre o sentido decisório final.641

Ademais, a participação pública deve ser assegurada o mais antecipadamente possível, ainda em sede legislativa e/ou administrativa, porquanto, perante o poder judiciário, já não se reabrem mais os debates públicos sobre escolhas e valorações políticas ou sobre juízos de conveniência e oportunidade, ante os limites da sindicância judicial frente aos demais poderes. Tem-se, pois, um “âmbito de debate que se reduz no plano jurisdicional”642

. Além disso, no domínio do ambiente, determinadas ações

639 COTINO HUESO, Lorenzo. Derecho y “Gobierno Abierto”..., p. 70/71 e 80.

640 Nos EUA, a atividade regulamentar das agências públicas impõe a obrigação de publicação de uma notícia sobre proposta de edição de regulamento (Notice of Proposed Rulemaking) no registro federal (Federal Register), com a minuta do texto regulatório pretendido, um sumário das questões e ações sob consideração e uma justificação correspondente, além de informações suplementares usadas na conformação daquele projeto. Ademais, impõe-se, na sequência, a publicação de um aviso prévio de proposta de edição de regulamento (Advance Notice of Proposed Rulemaking), a fim de deflagrar o processo de consulta pública, cf. OECD. OECD best practice..., p. 7/8.

641 FREITAS DO AMARAL, Diogo. Fases do procedimento decisório de 1.º grau. In: Direito e Justiça – Revista da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, Vol. VI, 1992, p. 25/35, p. 29/31; PEREIRA DA SILVA, Vasco. Em busca..., p. 428; SÉRVULO CORREIA, José Manuel. O direito à informação..., p. 158; DUARTE, David. Procedimentalização..., p. 392; AROSO DE ALMEIDA, Mário. Teoria geral..., p. 115/116. Salientando que a participação pressupõe “a montante, o acesso dos interessados à informação e à fundamentação ou justificação dos projetos de decisões”, v. OTERO, Paulo. Direito do Procedimento..., p. 576.

642 AMADO GOMES, Carla. Participação pública..., p. 48. No mesmo sentido: CHANCERELLE DE MACHETE, Rui. Algumas reflexões..., p. 587/588; CHANCERELLE DE MACHETE, Rui. A tutela administrativa..., p. 830/831. Ressaltando a “injusticiabilidade das valorações do legislador”, GOMES CANOTILHO, José Joaquim. Constituição dirigente..., p. 221 e 240. No mesmo sentido: CRAIG, Paul P. Administrative law..., p. 367/368. Ressaltando que as garantias do procedimento administrativo servem de “instrumento de compensação para um controlo jurisdicional menos intenso”, v. GOMES CANOTILHO, José Joaquim. Procedimento Administrativo..., n.º 3795, p. 267. No mesmo sentido: DUARTE, David. Procedimentalização..., p. 39, 166 e 169. Afirmando, quanto ao procedimento administrativo, a sua “função de tutela antecipatória dos interesses jurídicos”, v. PAES MARQUES,

públicas ou privadas podem criar situações de “fato consumado” e outras de impossível ou de muito difícil reversão ao status quo ante643,644, esvaziando a utilidade prática de eventual tutela judicial. Portanto, “o momento privilegiado para assegurar a participação consciente, informada e eficaz dos interessados é a fase de discussão pública”645, quando todas as opções ainda estejam em aberto (inclusive a opção de não empreender) e seja ainda possível influir sobre a essência da matéria em questão. Vale dizer: quanto mais a montante (desde a esfera legislativa646)647 e quanto mais cedo (“at the earliest

stage possible”648) se der a participação pública, maior efetividade dela se pode esperar. No contexto de avaliações ambientais estratégicas pertinentes a processos de tomada de decisão acerca de políticas, planos e programas, a participação pública tem a oportunidade de influir sobre as opções fundamentais da sociedade quanto aos riscos toleráveis e intoleráveis e quanto à alocação social desses riscos. Entretanto, se a participação incide apenas sobre decisões acerca de projetos singulares, seu alcance se reduz significativamente e, no mais das vezes, o debate público acaba por se restringir a meras medidas mitigatórias de impacto ambiental, porquanto as “opções fundamentais” na matéria já terão sido feitas em momento anterior de definição da política, plano ou programa subjacente.649 Portanto, verifica-se aqui um vetor do máximo a montante a

Francisco. As relações jurídicas..., p. 142. Advertindo que, por falta de especialização técnica, os Tribunais não podem substituir, por suas próprias, as avaliações de impacto e análises de custo- benefício das agências reguladoras, devendo limitar-se a exigir consistência nas avaliações e análises das agências, v. POSNER, Eric A.. Controlling Agencies..., p. 1192. Na jurisprudência, reconhecendo expressamente esse limite da sindicabilidade judicial, a propósito da participação cidadã em procedimento de elaboração de plano geral de ordenação urbana, v. Sentença do Tribunal Supremo de Espanha, STS 3998/1991, de 9 de julho de 1991, n.º de Recurso: 478/1989, Ponente: Francisco Javier Delgado Barrio. Disponível http://www.poderjudicial.es/cgpj/es/Poder_Judicial, última consulta em 07 de março de 2018.

643 GOMES CANOTILHO, José Joaquim. Relações jurídicas poligonais..., p. 65. 644

Imagine-se, por exemplo, uma autorização de liberação, no ambiente, de elementos químicos sintetizados pelo homem e não existentes na natureza; ou a construção de uma hidroelétrica e a consequente inundação de área que abriga patrimônio arqueológico, como, em Portugal, a querela da Bacia Hidrográfica do rio Côa.

645

Cf. precedente do Supremo Tribunal Administrativo de Portugal (STA), Processo n.º 01159/05, data do Acordão: 21/05/2008, Tribunal: 2 Subsecção do CA, Relator: Políbio Henriques. Disponível em

http://www.dgsi.pt/, última consulta em 07 de março de 2018. 646 V. notas 539/545, supra.

647

Sobre a garantia de participação pública e da possibilidade de influência efetiva no processo de tomada de decisão legislativa, o Tribunal Constitucional de Portugal já teve a oportunidade de declarar a inconstitucionalidade de determinadas normas constantes de decreto-legislativo que, suspendendo dispositivos do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autônoma da Madeira, ocasionavam verdadeira alteração do plano, sem a necessária abertura do “procedimento legislativo à participação dos cidadãos mediante uma fase de participação pública dos interessados” (item 11 do Acórdão n.º 387/12, Processo n.º 500/2012, Plenário, Relator: Conselheiro Vítor Gomes. Disponível em

http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/, última consulta em 07 de março de 2018). 648

OECD. OECD best practice..., p. 26.

expressar que, quanto mais elevada for a estatura da decisão, mais elevada deve ser a incidência da participação pública como elemento democratizante na definição das estratégias fundamentais da sociedade. De outra perspectiva, no contexto das avaliações de impacto ambiental (seja avaliação estratégica, de impacto regulatório, integrada de riscos, análise de custo-benefício ou qualquer outra) importa que a participação pública possa incidir desde as fases de triagem (screening stage) e de escopo (scoping stage), isto é, desde a definição de quais casos devam ser submetidos a uma avaliação de impacto (triagem)650, passando pela própria definição de conteúdo das avaliações de impacto reputadas necessárias (escopo)651.652 Neste sentido, de uma perspectiva endoprocedimental, o vetor do máximo a montante vem significar que a participação pública deva ser assegurada desde o “marco zero” do processo de tomada de decisão, sem embargo da sua incidência em fases subsequentes da atuação pública, como avaliações/fiscalizações de cumprimento de metas de eficiência e de condicionantes ambientais653.

A possibilidade de instruir o procedimento, por meio da juntada de documentos, da formulação de quesitos ou da nomeação de assistente técnico para determinada perícia, também é um fator de efetividade da participação.654 Afinal, a par dos poderes instrutórios da autoridade pública, incumbe ao interessado evidenciar as

650

Sobre a participação na fase de triagem (screening stage), v. OLIVER, Peter. Access to information and to justice in EU environmental law: the Aarhus Convention. In: Fordham International Law Journal. 2013. Vol. 36, p. 1423/1470, p. 1448. No mesmo sentido: Guidance on EIA — Screening, 2001.

Luxembourg: Office for Official Publications of the European Communities, 2001. Disponível em

http://ec.europa.eu/environment/archives/eia/eia-guidelines/g-screening-full-text.pdf, última consulta em 07 de março de 2018. Para o TJUE, “uma decisão pela qual a autoridade nacional competente considera que as características de um projeto não exigem que ele seja submetido a uma avaliação dos seus efeitos no ambiente deve conter ou ser acompanhada de todos os elementos que permitam fiscalizar que a mesma se baseia numa verificação prévia adequada” (processo C-87/02, Comissão v.

Itália, §49; no mesmo sentido: processo C-75/08, Mellor v. Secretary of State for Communities and Local Government, § 59). Disponível em https://curia.europa.eu/jcms/jcms/j_6/pt/, última consulta em 07 de março de 2018.

651

Sobre a participação na fase de escopo (scoping stage), v. nota 403, supra.

652 No caso de leis que aprovam planos territoriais, ambientais ou até licenças construtivas, o Tribunal de Justiça da União Europeia considera que os objetivos legais de avaliação de impacto ambiental devam ser, necessariamente, alcançados por meio do respectivo procedimento legislativo [caso Linster (C- 287/98, n.ºs 51/59) e caso Boxus (C-128/09 a C-131/09, C-134/09 e C-135/09, n. ºs 35/46). Disponíveis em http://curia.europa.eu/juris/recherche.jsf?language=pt, última consulta em 07 de março de 2018], cf.