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EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A APLICAÇÃO IMEDIATA DAS

NORMAS CONSTITUCIONAIS DEFINIDORAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

A problemática da eficácia dos direitos fundamentais, já mencionada anteriormente de forma muito sucinta, surge com base na discussão concernente à previsão constitucional do art. 5º, § 1º, da CF/88, dispositivo que concede aplicação imediata às normas definidoras dos direitos e das garantias fundamentais.

Independente das variadas conceituações e dos embates doutrinários, deve ser feita a devida distinção entre vigência e eficácia da norma constitucional, adotando o entendimento de que existe uma “correlação dialética de complementariedade [entre esses termos] (DINIZ, 1989, p. 67 apud SARLET, 2001, p. 213), sendo que o primeiro se vincula à validade da norma e o segundo é relativo à sua aplicabilidade (eficácia jurídica) e efetividade (eficácia social) (SARLET, 2001, p. 213-214).

Pela leitura doutrinária, compreende-se que – apesar da prescrição constitucional supracitada – há variações na eficácia das normas definidoras de direitos fundamentais. Nesse contexto, alguns pontos de vistas de doutrinadores diferentes que, na sua maior parte, parecem concordar nesse ponto serão objeto de estudo.

Esclarecendo a dicotomia acima referida, observa-se que “[as normas em questão] – em razão das distintas funções que exercem e das diferentes técnicas de positivação às quais se submeteram – não são dotadas da mesma carga eficacial” (CUNHA, 2013, p. 626).

Esse mesmo entendimento é adotado por SILVA (2014, p. 182) quando aduz que “a eficácia e aplicabilidade das normas que contém os direitos fundamentais dependem muito de seu enunciado, pois se trata de assunto que está em função do Direito positivo”.

Seguindo esse delineamento, convém esclarecer que as normas interligadas aos direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia contida e aplicabilidade imediata (independem de atuação do legislador), já as que trazem direitos sociais e difusos apresentam uma certa divisão, sendo algumas de eficácia limitada e de aplicabilidade indireta, que – se ampliadas – tornam-se garantias do sistema democrático (SILVA, 2014, p. 182).

Assim, entende-se que as lições de Silva convergem com a doutrina de Ruy Barbosa (concepção clássica de inspiração norte-americana). Essa doutrina é fundada na existência de distinção entre normas auto-aplicáveis e não auto-aplicáveis, conceituando-se as primeiras como “aquelas que estariam aptas a gerar seus efeitos independentemente de qualquer atuação do legislador, já que seu conteúdo se encontra devidamente determinado” (SARLET, 2001, p. 218). Segundo Barbosa (p. 494 apud SARLET, 2001, p. 219), a análise dos elementos de formulação da norma (expressão literal e conteúdo) demonstrariam se ela será objeto de aplicação do judiciário ou se exigirá uma concretização a nível legislativo.

No tocante as normas não auto-aplicáveis, Barbosa (488-489 apud SARLET, 2001, p. 219) continua e “[...] salienta que muitas normas constitucionais requerem uma ação do legislador para tornar efetivos os seus preceitos, visto que 'não revestem dos meios de acção essenciaes ao seu exercício os direitos [...]'”.

Nesse contexto, Mendes; Branco (2012, p. 175) se posiciona em linha de convergência de entendimento ao frisar que “Essa característica [da eficácia imediata] indicada pela própria Constituição, entretanto, não significa que, sempre, de forma automática, os direitos fundamentais geram direitos subjetivos, concretos e definitivos”.

Não obstante a concordância dos doutrinadores no que tange a existência de variação da eficácia das normas constitucionais definidoras dos direitos fundamentais, faz-se uma crítica à concepção clássica (doutrina de Ruy Barbosa) no tocante à terminologia normas auto-aplicáveis e não auto-aplicáveis. Explica Ingo Wolfgang Sarlet, com base em lições de Meireles Teixeira, que o termo norma auto-aplicável transcende a falsa impressão de

impossibilidade de regulamentação da mesma, quando a doutrina majoritária entende serem todas as normas – independentemente de sua eficácia – passíveis de atuação legislativa no sentido de se manterem atualizadas (TEIXEIRA, p. 313-314 apud SARLET, 2001, p. 221).

Em que pese o avanço da doutrina, restou superada a de Ruy Barbosa, pois além de não estar apta a “[...] propiciar uma visão organizada e sistemática acerca dos efeitos jurídicos das normas constitucionais pelo advento de uma nova categoria, que eram as programáticas, oriundas do constitucionalismo social [...]”, verificou-se que o conceito de bipartição (auto ou não auto-aplicáveis) “[...] estava longe de atender ao estágio do constitucionalismo e às exigências formuladas à ciência jurídica, voltadas a tornar cada vez mais operativos os textos constitucionais” (DANTAS, 2009, p. 283).

Ultrapassada a doutrina clássica norte-americana, firma-se gradativamente, com algumas variações entre autores, a teoria clássica reformulada que parte da premissa de que todas das normas constitucionais são dotadas de eficácia, variando conforme uma graduação. Com base nessa ideia, verifica-se que Meirelles Teixeira, um dos autores originais desta tese, classificou as normas em dois grupos de eficácia, plena e limitada ou reduzida, sendo as primeiras aquelas cujos efeitos essenciais se constatam de pronto (por essenciais se entende “todos os objetivos especialmente visados pelo legislador constituinte”), e as segundas aquelas cuja normatividade não se estabeleceu de forma suficiente para produzir os seus efeitos essenciais, cabendo essa tarefa – total ou parcialmente – ao legislador ordinário (TEIXEIRA, p. 317-318 apud SARLET, 2001, p. 223).

Analisando a teoria acima disposta, acrescenta de forma elucidativa Dantas (2009, p. 283-284) que:

[…] a distinção entre uma norma de eficácia plena e a de eficácia reduzida é questão deveras importante, não havendo um critério objetivo definitivo ou unitário, devendo-se perquirir se expressa uma fórmula de compromisso, se abriga um conteúdo ético-social insuscetível de materializar-se objetivamente, além de se analisar o enunciado a fim de verificar a existência, ou não, de remissão ao legislador.

Importante fruto da teoria acima referida, que possibilitou o afloramento de outras teorias até o atual dirigismo constitucional – que procura um modo de tornar efetiva a aplicação imediata (assunto que não será alvo da presente dissertação em razão da ausência de relevância para o tema desta monografia) –, é o aparecimento e consolidação da divisão das normas constitucionais em programáticas e de legislação, resumindo-se as primeiras em programas de ação para o legislador, enquanto as segundas tem um aspecto organizacional da

Constituição, relacionando-se intermitentemente com os direitos fundamentais (DANTAS, 2009, p. 284-285).

O presente estudo não será estendido para versar sobre as pequenas variações e acréscimos à doutrina de Teixeira Meirelles, porém cumpre deixar claro que, alguns doutrinadores são mais garantistas e não fazem distinção entre a eficácia das normas constitucionais definidoras de direitos fundamentais, entendendo que “procurar uma solução intermediária, por força de contingências de menor relevância, é reduzir a grandeza do princípio da aplicação imediata das normas de direitos fundamentais [...]” (CUNHA, 2013, p. 635).

Com base no posicionamento acima citado, entende-se que a crítica tem como fundamento o fato de que vincular a aplicação da norma constitucional à atuação do legislador seria o mesmo que fornecer ao legislador ordinário poderes de legislador constituinte, já que a ausência de regulamentação retiraria a vigência da norma (CUNHA, 2013, p. 636).

Assim, analisadas brevemente a problemática da eficácia das normas constitucionais que tratam dos direitos fundamentais, passa-se ao próximo tópico.

3.2 A RELAÇÃO ENTRE A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O