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A colisão de direitos fundamentais nas manifestações populares

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A COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS MANIFESTAÇÕES POPULARES

Florianópolis (SC) 2015

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A COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS MANIFESTAÇÕES POPULARES

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel.

Orientador: Prof. Denis de Souza Luiz, Dr.

Florianópolis (SC) 2015

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manifestações populares, oriundas do exercício das liberdades postuladas constitucionalmente e fruto de um conceito mais avançado de cidadania, teve o viés de demonstrar a incapacidade do Estado em gerir de forma apta o seu desenrolar, resultando em descambo para violência e desordem social, o que – por sua vez – ameaça a segurança pública, a vida e a incolumidade dos cidadãos, a propriedade pública e privada e o direito de ir e vir, também direitos fundamentais institucionalizados constitucionalmente. O título reverbera o objetivo geral, que é analisar as colisões entre os direitos fundamentais diretamente envolvidos nas manifestações populares, tais quais as liberdades de expressão e de manifestação que se subdividem em direito de reunião e os demais supracitados. O objetivo secundário é entender a evolução doutrinária que consagrou a forma de solucionar as colisões entre direitos fundamentais, analisando na prática, por meio de estudo da tutela legislativa e do entendimento do tribunal constitucional, como são resolvidas essas colisões. Para compreender a solução final será necessária a realização de pesquisa aplicada, de natureza bibliográfica, tanto para aduzir conceitos necessários ao entendimento do tema em perspectiva geral como para proporcionar o bom entendimento da evolução teórica, bem como a realização de pesquisa, de natureza documental, para propiciar a análise da regulamentação infraconstitucional de cunho restritivo às liberdades do cidadão e a atuação do judiciário diante de situações concretas. Realizado o trabalho braçal, serão descritos os direitos fundamentais envolvidos nas manifestações populares, sua evolução histórica até a consolidação constitucional, suas restrições e limitações. Ademais, estudar-se-á a eficácia das normas definidoras de direitos fundamentais e sua relação com a democracia, passando à diferenciação entre normas e princípios e todos os aspectos que envolvem a colisão dos direitos fundamentais, principalmente a evolução das teorias que visualizaram soluções à harmonização diante do plano de concretização. Por conseguinte, conclui-se que as colisões estudadas acontecem em plano fático e jurídico em bases diárias, cabendo ao legislador e ao tribunal constitucional o papel de aplicarem os instrumentos de ponderação e a hermenêutica constitucional para atingirem a solução mais adequada.

Palavras-chave: Manifestações populares. Colisão entre direitos fundamentais. Ponderação de princípios e interpretação constitucional.

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1 INTRODUÇÃO...8

2 DIREITOS FUNDAMENTAIS ENVOLVIDOS NO EXERCÍCIO DA CIDADANIA 10 2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUA CONSOLIDAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: VISÃO NEOCONSTITUCIONALISTA...10

2.2 LIBERDADE DE EXPRESSÃO...14

2.2.1 Limites do exercício da liberdade de expressão...17

2.3 LIBERDADE DE REUNIÃO...19

2.3.1 Limites do exercício da liberdade de reunião ...21

2.4 DIREITO À VIDA E DIREITO À INTEGRIDADE FÍSICA...24

2.5 DIREITO À SEGURANÇA...26

2.6 LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO...27

2.7 CONCEITO DE ESTADO SOCIAL DEMOCRÁTICO DE DIREITO E O EXERCÍCIO DA CIDADANIA...27

3 COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS E CONFRONTO ENTRE PRINCÍPIOS E NORMAS CONSTITUCIONAIS...34

3.1 EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A APLICAÇÃO IMEDIATA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS DEFINIDORAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS...34

3.2 A RELAÇÃO ENTRE A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O SISTEMA DEMOCRÁTICO: CONFLITO E SOLUÇÕES COM BASE NAS TEORIAS DE ROBERT ALEXY...37

3.3 COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS...40

3.3.1 Distinção entre princípios e regras com base nas teorias de Robert Alexy...43

3.3.2 Solução da colisão entre direitos fundamentais: teorias das regras e teoria dos princípios com base nos ensinamentos de Robert Alexy; estudo da hermenêutica constitucional evolutiva e da interpretação restritiva...46

4 A TUTELA LEGISLATIVA E O ENTENDIMENTO ATUAL DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL...51

4.1 PODER LEGISLATIVO E PROCESSO LEGISLATIVO...51

4.1.1 A tutela legislativa...53

4.1.1.1 Análise do Projeto de Lei do Senado n° 499/2013...54

4.1.1.2 Análise do Projeto de Lei do Senado n° 508/2013...56

4.2 PODER JUDICIÁRIO E SISTEMA DE CONTROLE CONSTITUCIONAL...58

4.2.1 O entendimento atual do tribunal constitucional...60

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1 INTRODUÇÃO

O tema da presente monografia surgiu em razão do interesse do autor por questões políticas vinculadas ao sistema jurídico e, principalmente, levando em consideração as recorrentes e progressivas manifestações populares ocorridas nos anos de 2013-2014, especialmente em junho/2013.

No decorrer dessas manifestações, que implicam no exercício das liberdades de expressão e de manifestação, direitos fundamentais que se expressam pelo direito de reunião nos movimentos populares, esteve visível a inaptidão do Estado em resguardar a segurança e a ordem social, o que culminou em episódios violentos com ocorrência de lesões corporais, restrições do direito de ir e vir e danos ao patrimônio público e privado.

Essa situação fática coloca em rota de colisão direitos fundamentais como liberdade de expressão, de manifestação e direito de reunião, com direito à segurança, direito à vida e direito de livre locomoção.

De um lado, as liberdades que concedem ao cidadão o direito de exercer sua cidadania, aprimorando o sistema democrático pela participação ativa e direta dos rumos políticos do seu país, por meio das manifestações populares. Do outro lado, apresentam-se direitos inerentes à qualidade humana do indivíduo e que dizem respeito à manutenção da ordem social, da incolumidade física dos cidadãos e dos patrimônios público e privado.

Nesse contexto, a intenção é fornecer elementos para entender as nuances desses direitos fundamentais e suas relações no plano jurídico-constitucional, passando pela evolução histórica e pela classificação dimensional, bem como estudar as diferentes teorias que nos levam ao encontro da compreensão e do desfecho das colisões entre esses direitos.

Nessa parte teórica, pretende-se demonstrar a problemática da eficácia imediata das normas que regem os direitos fundamentais, o que possibilita o posterior entendimento sobre a vinculação existente entre o sistema democrático e a eficácia dos direitos fundamentais.

Diante da colisão entre normas definidoras de direitos fundamentais, que será devidamente conceituada, destaca-se a solução encontrada por Robert Alexy com base na diferenciação entre normas e princípios. Assim, a distinção existente deve ser objeto de estudo, bem como as nuances do status hierárquico das normas e os diferentes pesos abstratos

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dos princípios. Além disso, necessário observar o grau de interferência causado pela sobreposição de um direito fundamental sobre o outro.

Sobre essa teoria, será alvo de pesquisa a evolução doutrinária que culminou no atual entendimento solucionador da colisão entre direitos fundamentais e na fonte de uma interpretação constitucional harmonizadora, estudos que se revelam preponderantes para a posterior compreensão da tutela legislativa e do entendimento do tribunal constitucional.

Em relação aos casos estudados, a análise tem por objetivo proporcionar, inicialmente, um pouco de conhecimento sobre a sistemática de funcionamento dos Poderes Legislativo e Judiciário, com fulcro nas atuações que envolvem a colisão de direitos fundamentais, sendo apresentadas as suas particularidades para propiciar um entendimento completo do assunto.

Além de explanar sobre as liberdades dos manifestantes e suas restrições já dispostas constitucionalmente, computa-se a possibilidade de criação legislativa criminalizadora de certas condutas como um dos fatores de geração de novas restrições, mesmo que visem proporcionar um ambiente com mais segurança pública e ordem social. A análise da tutela legislativa e do entendimento do tribunal constitucional demonstram a aplicação das soluções relativas às colisões entre direitos fundamentais no âmbito de atividade do legislador.

Por fim, após a análise da atividade do legislador, será objeto de estudo o entendimento do tribunal constitucional, com objetivo de demonstrar empiricamente como se dá a resolução da colisão de direitos fundamentais e de que forma é realizada a análise de constitucionalidade das possíveis normas infraconstitucionais.

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2 DIREITOS FUNDAMENTAIS ENVOLVIDOS NO EXERCÍCIO DA CIDADANIA

Esse capítulo tem por fulcro aduzir os conceitos dos direitos fundamentais que permitem a participação democrática direta dos indivíduos no uso das suas prerrogativas de cidadão, especificamente o exercício da liberdade de expressão e suas formas vinculadas relativas ao exercício dos direitos de manifestação e de reunião. Em contrapartida, analisar-se-á os direitos e garantias fundamentais que, na pranalisar-se-ática, podem restringir o excesso no exercício dos direitos anteriormente citados, como direito à vida, à integridade física, à segurança e à liberdade de locomoção.

Em consonância à conceituação dos direitos fundamentais envolvidos será feita uma breve análise da evolução histórica desses direitos, do surgimento à consolidação constitucional, finalizando com o ponto de vista neoconstitucionalista.

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUA

CONSOLIDAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: VISÃO NEOCONSTITUCIONALISTA

O surgimento dos direitos fundamentais tem origem na percepção naturalista do direito, entendimento este fulcrado na diferenciação entre o homem e os outros seres e na designação de uma qualidade intrínseca à natureza humana, que é a dignidade do ser humano. Essa ideia tem impulso no cristianismo e nas suas doutrinas, que assemelhavam o homem à imagem de Deus, imprimindo um valor inerente a natureza humana (MENDES; BRANCO, 2012, p. 154).

Posteriormente, ainda diante da organização política antiquada da monarquia, surge a ideia de que os cidadãos – neste caso apenas a classe dominante – deveriam ter seus direitos concatenados formalmente em uma espécie de garantia contra os abusos do Estado (Magna Carta de 1215-1225). Embora primitiva e sem eficácia naquela ocasião, essa demanda dos nobres serviu, mais tarde, como embasamento para obtenção de garantias de liberdade para o povo (Petition of Rights de 1628) e, para a consequente, formação da monarquia constitucional (SILVA, 2012, p. 150-153).

Esse pensamento, de que alguns direitos são naturais e preexistem ao próprio Estado, teve importante influência à positivação desses direitos e à evolução do entendimento

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de que, além de reivindicações políticas e filosóficas, os direitos seriam normas jurídicas obrigatórias e exigíveis judicialmente (MENDES; BRANCO, 2012, p. 154).

Seguindo a ordem cronológica, ainda mais importante do que a positivação dos direitos fundamentais, registradas na Declaração de Direitos de Virgínia de 1776 e na Declaração Norte-americana de 1787, foi a Declaração dos Direitos do Homem em 1789, resultado da Revolução Francesa ocorrida nesta época, que consignou os princípios da liberdade, igualdade e fraternidade em um conjunto de direitos voltados a universalidade, ou seja, com fulcro de atingir a todos os cidadãos e não apenas a classe dominante (SILVA, 2012, p. 154-155).

Nesse meandro, reconhecida a existência de direitos do indivíduo e da coletividade em relação ao Estado, principalmente após o advento da declaração dos direitos do homem universal – aprovada pela Assembleia da Organização das Nações Unidas em 1948 –, indispensável sua institucionalização em texto constitucional para assegurar aos cidadãos sua garantia, situação esta que vem designar a expressão direitos fundamentais (MAZZUOLI, 2008, p. 736).

Especialmente em relação à liberdade de reunião e de manifestação não houve previsão na Declaração supracitada, porém – posteriormente – um Decreto garantiu a reunião pacífica e sem armas, sendo esse direito fundamental incluído na Constituição Francesa de 1791, o que demonstra, desde lá, uma necessidade de garantir o Estado de Direito pela fiscalização e atuação do próprio povo (SOUZA, 2011, p. 17).

Passadas as fases de afirmação dos direitos naturais do homem e de sua concretização pela positivação, somente a partir do reconhecimento e da consagração dos direitos fundamentais pelas primeiras Constituições é que se pode visualizar a evolução geracional ou dimensional desses direitos. Até porque, estão intimamente ligados à evolução da sociedade para atingir o sistema organizacional do Estado Social Democrático de Direito que, por sua vez, conecta-se às novidades trazidas pelos processos de industrialização, descolonização e aumento populacional (SARLET, 2001, p. 39).

Assim, revela-se que a primeira geração de direitos fundamentais, oriundos das Revoluções americana e francesa, tem cunho eminentemente libertário, civil e político, bem como um viés negativo, uma obrigação de não fazer do Estado, de não intervir nas escolhas e na vida pessoal dos cidadãos (MENDES; BRANCO, 2012, p. 155).

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Ainda, partindo do enfoque histórico supracitado, nas palavras do mestre Sarlet (2001, p. 50), tem-se que os direitos fundamentais de primeira dimensão são:

[…] o produto peculiar (ressalvado certo conteúdo social característico do constitucionalismo francês), do pensamento liberal-burguês do século XVIII, de marcado cunho individualista, surgindo e afirmando-se como direitos do indivíduo frente ao Estado, mais especificamente como direitos de defesa, demarcando uma zona de não intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face do seu poder.

As liberdades de expressão e de reunião estão incluídas no rol de direitos fundamentais de primeira geração, embora – nessa época – a preocupação em manter a propriedade servisse de critério e de baliza aos outros direitos (MENDES; BRANCO, 2012, p. 155).

Justamente esse pensamento individualista, culminado com a desigualdade e a segregação social existente, acabou por fomentar as doutrinas socialistas no período posterior à primeira guerra mundial, ainda mais diante da constatação de que a constitucionalização de direitos de liberdade e igualdade não garantia a efetividade universal prometida. Assim, passou-se a exigir do Estado um comportamento ativo na promulgação da justiça social e na busca do bem-estar coletivo e da igualdade material (e não apenas formal), o que deu origem aos direitos fundamentais de dimensão positiva e de cunho social, posteriormente inseridos nas Constituições, como os direitos à saúde, à educação, ao trabalho, etc. (SARLET, 2001, 51).

Já nessa época, as reivindicações sociais foram fator de extrema importância à inclusão dos direitos sociais nas Constituições, pois foi por meio do uso das liberdades de reunião e de manifestação que as classes desfavorecidas assumiram a exigência de igualdade social frente ao regime liberal vigente (SOUZA, 2008, p. 17-18).

Posteriormente, na metade final do século XX, completando o lema da Revolução Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade), observa-se o surgimento de um novo aspecto dos direitos fundamentais, atinentes à proteção do gênero humano, visando resguardar bens de titularidade difusa ou coletiva, como o meio ambiente, o patrimônio comum da humanidade, os direitos de livre comunicação (comunicar e ser comunicado), o desenvolvimento sustentável e a manutenção da paz (BONAVIDES, 2012, p. 587-588).

Alguns doutrinadores arrolam direitos de quarta e até quinta dimensão, mas para efeitos deste estudo será adotada posição em consonância com a percepção do mestre Sarlet (2001, p. 56), que entende essa nova classificação como resultado de uma revitalização e

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atualização da importância dos clássicos direitos, oriunda da necessidade de adequação perante as novas formas de ofensa aos valores tradicionais já incorporados juridicamente pela humanidade, tais quais liberdade, igualdade, dignidade da pessoa humana, etc.

Findada a breve evolução histórica e apontados os direitos fundamentais que a este estudo interessam, passa-se a versar sobre a evolução da interpretação constitucional e, consequentemente, sobre a consolidação dos direitos fundamentais e sua efetividade no cenário jurídico brasileiro.

A Constituição Federal da República Brasileira de 1988, resultado do processo de redemocratização do país após duas décadas de ditadura, trouxe em seu bojo a consolidação dos direitos fundamentais e o objetivo de implantar uma nova ordem constitucional, embasada na garantia da liberdade (reação aos regimes aniquiladores de liberdades fundamentais) e na busca pela igualdade material e pelo bem-estar coletivo (SARLET, 2001, p. 67-70).

Para constatar a asserção supra, veja-se o artigo 3º da CF/88, in verbis:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (BRASIL, 1988).

Como não poderia ser diferente, o ilustre doutrinador Mendes (1999), lembra ainda que “[…] os direitos fundamentais são elementos integrantes da identidade e da continuidade da Constituição, considerando [o constituinte], por isso, ilegítima qualquer reforma constitucional tendente a suprimi-los (art. 60, § 4º)”.

Outro aspecto principal da CF/88 é a aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais (art. 5º, § 1º). Essa inovação se revela fruto de uma mudança de entendimento ocorrida ao longo do século XX, na qual se passou de um ponto de vista em que a constituição era meramente um documento político – ficando sua concretização adstrita à convencionalidade do legislador ou do administrador –, para a compreensão de que as normas constitucionais são dotadas de imperatividade, bem como dos meios e instrumentos adequados a sua efetivação forçada (BARROSO, 2007, p. 18-19).

A própria criação do Supremo Tribunal Federal, embasada no princípio da separação e do balanço dos três poderes, tem por finalidade o controle constitucional jurisdicional, garantindo efetividade às normas e manutenção da integridade da Constituição.

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Por exemplo, na tentativa de vedar manifestações populares com utilização de equipamentos sonoros de comunicação o Governador de Minas Gerais, em 1999, editou o Decreto-lei nº 20.007. Por meio da utilização do instrumento constitucional apropriado (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.969-4/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 28/06/2007), o Partido dos Trabalhadores conseguiu obter a procedência e a, consequente, declaração de inconstitucionalidade do referido Decreto, pois o ordenamento infraconstitucional restringiu desproporcionalmente a liberdade constitucional de reunião pacífica e a liberdade de expressão (FUX, 2013, p. 192-193). Importante observar que o entendimento do STF será detalhadamente estudado no último capítulo.

Essas transformações do direito constitucional, acima citadas, ocorreram simultaneamente à evolução da interpretação constitucional, que passou do método clássico – o subsuntivo1, para um método embasado na visão neoconstitucionalista, o qual parte da

premissa de que as cláusulas constitucionais possuem um conteúdo aberto, necessitando de interpretação em relação aos aspectos do caso concreto, sempre observando os princípios e os objetivos maiores buscados pela Constituição (BARROSO, 2008, p. 345-346).

Essa nova hermenêutica constitucional (entendido aqui como um conjunto de teorias voltadas à interpretação constitucional), que se desenvolveu sobre as premissas teóricas de Dworkin e Alexy, integra a realização do processo de ponderação entre direitos fundamentais e entre princípios e valores constitucionais, como será visto posteriormente em capítulo específico. Porém, antes de adentrar nesse assunto, mostra-se necessário definir o conceito e as limitações dos direitos fundamentais e das garantias constitucionais envolvidas na temática desta monografia, o que se faz a seguir.

2.2 LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Para conceituar liberdade, em sentido genérico, recomendável relembrar da Declaração dos Direitos do Homem de 1789, que tanta expressão e importância obteve na época, um verdadeiro marco histórico para os direitos fundamentais. Segundo esse documento

(FRANÇA, 1789):

1 Nessa perspectiva, a interpretação jurídica consiste em um processo silogístico de subsunção dos fatos à norma: a lei é premissa maior, os fatos são a premissa menor e a sentença é a conclusão. O papel do juiz consiste em revelar a vontade da norma, desempenhando uma atividade de mero conhecimento, sem envolver qualquer parcela de criação do Direito para o caso concreto.

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Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei.

Art. 5º. A lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade. Tudo que não é vedado pela lei não pode ser obstado e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene.

Já nessa acepção se percebe a presença da noção de ponderação entre os direitos individuais, colocando-se limites na liberdade do cidadão, assunto a ser abordado ulteriormente no tópico relativo à colisão de direitos fundamentais.

Exacerbando o conceito supracitado, Silva (2014, p. 235) entende que “[...] a liberdade consiste na possibilidade de coordenação consciente dos meios necessários à realização da felicidade pessoal”.

Essa concepção é capaz de englobar todos os elementos objetivos e subjetivos inerentes à ideia de liberdade, desde a capacidade de atuação sem deixar de resistir à tirania, até o direcionamento no sentido de perseguir a felicidade pessoal, que é particular a cada indivíduo e depende de suas percepções, bem como procura harmonizar esse lado subjetivo com o interesse do agente ou da autoridade (SILVA, 2014, p. 235).

De outro modo, para Fernandes (2014, p. 367), com base em análise da doutrina filosófica Kantiana e compreendendo a liberdade como autonomia (prerrogativa de escolher a partir da razão) limitada pelo conceito de legalidade, “a liberdade constitui o maior direito do ser humano, sendo o único direito inato daquele”.

Quanto às normas constitucionais que definem os direitos relativos à garantia de liberdade, revelam-se que, em regra, são de eficácia plena e de aplicabilidade direta e imediata, ou seja, independem de regulamentação do legislador ou de providência do Poder Público para se sejam aplicadas (SILVA, 2014, p. 270-271).

Uma vez destacado o conceito genérico, adentra-se às modalidades específicas de liberdade, entre elas a liberdade de expressão, direito constitucional descrito especificamente no artigo 5º, IV, da CF/88, que incluí a liberdade de comunicação de pensamentos, de ideias, de informações e de expressões verbais (MENDES; BRANCO, 2012, p. 298). Nessa toada, observa-se que o inciso IX, deste mesmo artigo, prescreve a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença, e o inciso XIV assegura a todos o acesso à informação.

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De forma prática, Cunha (2013, p. 671) define a liberdade de expressão como “o direito de exprimir o que se pensa. […] a liberdade de expressar juízos, conceitos, convicções e conclusões sobre alguma coisa”.

Ainda, o art. 220 dispõe que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, ficarão livres de restrição, bem como, em seu § 2º, veda novamente toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

As garantias supracitadas vêm no sentido de permitir a expressão de todos os tipos de ideias, inclusive as minoritárias ou isoladas (mesmo que consideradas erradas pela sociedade), fomentando a discussão de diferentes pontos de vista – o que é importante para o funcionamento do sistema democrático –, sem que o Estado possa intervir de forma a conceber prévia aceitação ou validação, pois essa atuação seria imposição de censura (MENDES; BRANCO, 2012, p. 300).

Assim, com base nas asserções supracitadas, entende-se que esse viés político da liberdade de expressão, o qual garante a possibilidade de livre exposição pública de ideias e argumentos e atende a uma função de autogoverno, concede ao cidadão o poder de proteger o processo democrático.

Sobre essa temática e envolvendo o pluralismo político, Maquiavel (2000, p. 76) já dissertava que:

Deve-se considerar como um bem a possibilidade de cada um propor o que considera útil ao público, e é igualmente bom que se permita a cada um expressar livremente o seu pensamento sobre o que é proposto, de modo que o povo, esclarecido pela discussão, adote o partido que achar melhor.

Nesta linha de raciocínio, Silva (2009, p. 114), em sua tese de doutorado, faz primorosa e complexa ilação sobre a garantia do processo democrático pela manutenção da liberdade de expressão, nestes termos:

A tendência de valorização da expressão política e da troca pública de argumentos entre os autores republicanos e democráticos – entre os defensores do “governo popular” - torna-se ainda mais evidente quando contatada pelo seu avesso: sua imagem invertida – a tradição política vinculada à defesa da soberania forte ou mesmo ilimitada – olha com visível má vontade e pouca paciência, para dizer o mínimo, a deliberação política e a liberdade de apresentar-se munido de argumentos no foro público.

O doutorando finaliza com espantosa argúcia, aduzindo que “Não se trata de um problema apenas teórico, claro. Como nos lembra Bernard Manin, uma das características

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mais arraigadas dos despotismos é evitar que os sujeitos se comuniquem entre si” (MANIN, 1997, p. 171 apud SILVA, 2009, p. 114-115).

Apesar da importância adquirida pela liberdade de expressão, evidente que não se trata de um direito absoluto, a se sobressair sobre os demais direitos fundamentais e instrumentos organizadores da Constituição. Por isso, importante que se estude as limitações desse direito, assunto que será visto na sequência.

2.2.1 Limites do exercício da liberdade de expressão

Adentrando-se diretamente no assunto, observa-se que, no ordenamento jurídico brasileiro, não existem direitos absolutos, devendo o sistema estrutural e principiológico se sobressair para que se mantenham íntegras as diretrizes constitucionais. Assim, especificamente no que diz respeito à liberdade de expressão, esse direito será limitado pela própria dicção do constituinte como também pelo resultado da colisão com direitos de semelhante preponderância (MENDES; BRANCO, 2012, p. 306).

Em outros termos, clarificando e exemplificando as limitações ao direito de expressão ou de pensamento, vem se somar os dizeres do mestre Fernandes (2014, p. 369-370):

[…] falar em direito de expressão ou de pensamento não é falar em um direito absoluto de dizer tudo aquilo ou fazer tudo aquilo que se quer. De modo lógico-implícito a proteção constitucional não se estende à ação violenta [por exemplo]. Nesse sentido, para a corrente majoritária de viés axiológico, a liberdade de manifestação é limitada por outros direitos e garantias fundamentais como a vida, a igualdade, a integridade física, a liberdade de locomoção. Assim sendo, embora haja liberdade de manifestação, essa não pode ser usada para manifestações que venham a desenvolver atividades ou práticas ilícitas (antissemitismo, apologia ao crime, etc).

Ao visualizar as limitações de forma ampliada, o Ministro Fux (2013, p. 189-190) nos mostra, com base em um caso prático, que elas também não são absolutas, pois o STF ao julgar a ADI nº 4.274/DF, que debatia a possibilidade de manifestantes expressarem publicamente sua opinião em prol da legalização das drogas sem que houvesse criminalização dessa conduta, entendeu pela preponderância dos direitos fundamentais de liberdade de expressão e de reunião.

Sem aprofundar em questões exegéticas, por ora, dando sequência no estudo das limitações, verifica-se que a própria dicção do constituinte vedou o anonimato no exercício da liberdade de expressão. O objetivo dessa vedação é trazer à luz o autor da manifestação para

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que, caso incorra em ilícito civil ou penal, possa responder pelos eventuais danos a que deu causa, o que se consagra em uma proteção ao direto de personalidade, bem como trata de garantir eficácia ao direito de privacidade (SILVA, 2014, p. 247).

Em uma interpretação dilatada da vedação constitucional de anonimato, que se considera extensiva – e com perigosa aplicação prática –, Dantas Junior (2014, p. 3, grifo nosso) opina que:

A Constituição Federal consagra a liberdade de pensamento, mas veda o anonimato. Desta forma, não é razoável, nem conforme o Direito, a utilização de máscaras, pelos manifestantes, com a finalidade de obstar suas identificações. [...] Assim sendo, embora haja liberdade de manifestação, esta não pode ser usada para manifestações que venham a desenvolver atividades ou práticas ilícitas.

Ainda, interessante destacar o entendimento da doutrina constitucional norte-americana, fonte fundamental quando se trata do assunto liberdade, que admite a vedação de mensagens que possam incitar o rompimento da ordem social, por ausência do uso regular do direito de liberdade de expressão, como é o caso – dando um exemplo simples – do grito de “PERIGO!” ou “FOGO!” dentro de um recinto fechado (FERNANDES, 2014, p. 372-373).

Dessa doutrina também se extrai que, dependendo do contexto em que são manifestadas (excetuam-se as discussões políticas “em que a linguagem contundente se insere no próprio fervor da refrega eleitoral”), determinadas expressões consideradas “belicosas” – fighting words –, como chamar policiais de fascistas ou fazer uso de palavras obscenas, também não se enquadrariam no âmbito do exercício da liberdade de expressão, por incitarem retaliações muitas vezes violentas (MENDES; BRANCO, 2012, p. 310).

Além dessas hipóteses de limitação supracitadas, o discurso utilizado para desqualificar determinados grupos da sociedade civil e que acaba por desmotivar a participação política desses grupos, ou manifestado com objetivo de discriminar determinada raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, além de ficar sujeito às possíveis imputações penais (Lei nº 7.716/89), afasta-se do regular exercício da liberdade de expressão, sendo expressamente combatido pelo STF por afrontar contra os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica, como se viu no paradigmático caso em que um editor de obras antissemitas foi processado e condenado por conduta tipificada na legislação supracitada (MENDES; BRANCO, 2012, p. 310-311).

Para finalizar, Dantas Junior (2014, p. 6-9) esclarece os termos gerais em que o Estado poderá intervir na liberdade de expressão, in verbis:

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[...] a limitação estatal à liberdade de expressão é medida de máxima excepcionalidade, devendo ser aplicada somente em caso de grave abuso no exercício da liberdade de pensamento. Manifestações exacerbadamente agressivas, fisicamente lesivas ao patrimônio público e privado ou que exponham pessoas a situações de intenso risco, devem encontrar limites nos demais direitos fundamentais.

Assim, remata-se que excepcionais são as situações autorizadoras de restrição da liberdade de expressão, devendo ser feita a ponderação de normas, bens e valores, mediante observação dos objetivos primordiais da constituição, aplicando-se o princípio da proporcionalidade para fins de preservar o direito fundamental ao máximo no caso concreto (BARROSO, 2007, p. 11). Sobre esse método de solução de colisão entre direitos fundamentais será feito todo um estudo aprofundado no capítulo posterior.

2.3 LIBERDADE DE REUNIÃO

A liberdade de reunião está inserida na categoria dos direitos coletivos, sendo uma das espécies de liberdade individual que se expressa coletivamente. Esse direito é assim enquadrado, pois propicia aos indivíduos, agrupados em função da pluralidade – tendo como fator de ligação um pensamento ou ideal em comum –, o exercício dos seus direitos individuais dentro de uma coletividade (SILVA, 2014, p. 261).

Ainda, essa liberdade concede eficácia à livre opinião pública, responsável muitas vezes pelo controle de poder estatal, afigurando-se “como um dos elementos essenciais à manutenção do adequado funcionamento das instituições democráticas” (FUX, 2013, p. 170), podendo ser vista – nas palavras de Mello Junior (1997, p. 163) – como “instrumento de livre manifestação de pensamento, aí incluído o direito de protestar”.

Enfatizando o resguardado dado pela constituição à liberdade de reunião (art. 5º, XVI), expõe o Ministro Fux (2013, p. 170-171) que:

Com efeito, ao salvaguardar o livre exercício do direito de reunião, faculta-se aos indivíduos a possibilidade de vocalizar, por meio da comunhão de esforços, seus anseios, opiniões e reivindicações acerca dos mais variados assuntos postos na ordem do dia, fazendo-se ouvir pelas autoridades públicas e contribuindo diretamente para a melhoria do debate público.

A doutrina prevê o preenchimento de alguns elementos para que a proteção constitucional supracitada seja aplicada ao exercício coletivo de liberdade de expressão, devendo se tratar de agrupamento de caráter pacífico, transitório, consciente e coordenado de

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pessoas com uma finalidade ou posicionamento unitário e que não venha a frustrar reunião previamente agendada no mesmo local (MENDES; BRANCO, 2012, p. 337-339).

Imprescindível, para o correto entendimento das inferências feitas posteriormente nesta dissertação, destacar o conceito de reunião pacífica, pois muitas das legislações infraconstitucionais mitigadoras dessa liberdade estão embasadas nas diferentes exegeses desse singelo, porém condicionante, detalhe disposto na CF/88 (vide art. 5º, XVI, primeira parte). Sobre esse conceito, esclarece Mendes; Branco (2012, p. 338, grifo nosso):

Reunião pacífica é aquela que não se devota à conflagração física. A reunião não pacífica é 'aquela na qual todos os participantes ou a grande maioria deles põem, com seus atos, em perigo pessoas e bens alheios'. Isso pressupõe condutas dolosas, voltadas a romper a paz social. Não é violenta a reunião que atraia reação violenta de outrem. O direito de reunião não se descaracteriza se a violência que vem a ocorrer lhe é externa, sendo deflagrada por pessoas estranhas ao agrupamento.

Ratificando o entendimento acima exposto, define-se o caráter pacífico como um estado de tranquilidade ou de inexistência de desordem e de perturbação social em graus acima dos aceitáveis para um agrupamento de pessoas (grau que varia de acordo com a quantidade de pessoas), de forma a não representar perigo à ordem e à segurança pública, possibilitando o regular exercício da liberdade de expressão coletiva (SOUZA, 2012, p. 31).

Retornando ao conceito da liberdade de reunião dentro de uma sociedade democrática, já que as limitações desse direito serão detalhadamente tratadas no item seguinte, revela-se que engloba as passeatas e as manifestações populares em ambientes públicos, típicos movimentos populares que visam explicitar uma opinião política ou celebrar um acontecido (SILVA, 2014, p. 267).

Além do seu caráter negativo, que se constitui na abstenção dos Poderes Públicos em efetuar controle ou interferir no exercício do direito de reunião, este direito fundamental possui, de outra parte, um aspecto positivo, que prevê a prestação do Estado, no sentido de assegurar a viabilidade da fruição do direito, protegendo os manifestantes e precavendo a ocorrência de distúrbios (MENDES; BRANCO, 2012, p. 342).

Essa norma constitucional que dispõe sobre o direito de reunião tem eficácia direta e imediata vertical (exercida contra o Estado no caso de coibição – por meio de Mandado de Segurança ou Habeas Corpus), mas também tem um certo grau de eficácia horizontal, ou seja, na dicção do autor supracitado, “o grupo que se reúne tem o direito de impedir que pessoas que não comungam do ideário que anima a reunião dela participem” (MENDES; BRANCO, 2012, p. 343).

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Por fim, asseverando a importância desse instrumento de participação popular, preleciona de forma honorável Fux (2013, p. 188):

O direito de reunião, ao lado da liberdade de manifestação do pensamento, deve ser utilizado como veículo por meio do qual se exterioriza a insatisfação popular com as questões centrais da vida pública, potencializando as vozes, antes ocultas, para que possam ser percebidas com clareza pelos seus alvos, mercê de contribuírem para a edificação de um ambiente patriótico de reflexão sobre os rumos da nação.

Assim, conclui-se que a liberdade de expressão, exposta de forma coletiva através do exercício do direito de reunião, afigura-se essencial à manutenção e ao regular seguimento do processo democrático, uma vez que garante aos cidadãos o livre acesso ao debate político e a possibilidade de controlar os atos estatais (exercício do pluralismo e da cidadania). Por esses motivos, o administrador deve ter muito cuidado ao interpretar as limitações constitucionais desse direito e, também, o legislador ao criar limitações infraconstitucionais, como se verá no tópico posterior.

2.3.1 Limites do exercício da liberdade de reunião

A CF/88 traz duas condicionantes cumulativas e de aplicação imediata ao exercício do direito de reunião: a) que não frustre outra reunião anteriormente marcada (para o caso das públicas); e b) que a autoridade competente seja previamente avisada da ocorrência da reunião.

A explicação para a primeira condicionante é óbvia e quase autoexplicativa. Ora, quis o constituinte, nas palavras de Mendes; Branco (2012, p. 338) que “não se impossibilitasse materialmente o direito de reunião pelo fato de duas manifestações estarem marcadas simultaneamente para o mesmo lugar”.

Já a segunda condicionante é a exigência de simples comunicação à autoridade, no caso de uma reunião em logrador público de um município será notificada a Polícia Militar responsável pela circunscrição do local. Ressalta-se que não se trata de um pedido de autorização já que o exercício desse direito independe da concordância ou do consentimento do Poder Público (SILVA, 2014, p. 268).

A notificação prévia tem por objetivo registrar a ordem de antecedência das reuniões agendadas para um mesmo local, bem como – ainda mais importante – identificar o(s) organizador(es) da reunião para fins de possibilitar posterior responsabilização no caso de danos patrimoniais e, também, possibilitar às autoridades responsáveis a manutenção da

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ordem social e da segurança pública diante do agrupamento de pessoas, protegendo outros bens constitucionalmente importantes como o direito de livre locomoção e de segurança pública (MENDES; BRANCO, 2012, p. 340-341).

Além das condicionantes supracitadas, tem-se que – por dicção expressa da CF/88 – o direito de reunião só pode ser exercido em caráter pacífico e sem armas. A restrição quanto ao uso de armas tem por condão evitar a hostilidade e a periculosidade abstrata implícita no seu porte. Por essa razão, se amplia além do conceito de simples arma de fogo, abrangendo qualquer objeto com potencial de causar dano a bens e/ou pessoas (SOUZA, 2011, p. 48).

A respeito do caráter pacífico das reuniões já foram destacados, anteriormente, os pontos mais relevantes, porém em razão da preponderância do assunto para o desenvolvimento desta monografia, complementa-se o conceito para abranger novas nuances – com fulcro no dever do Estado de garantir a ordem social, a integridade física dos transeuntes e dos próprios participantes, e a preservação do patrimônio público e privado.

Ocorrendo embate físico envolvendo os participantes ou terceiros, manifestado risco à integridade física ou potencial de dilapidação patrimonial, bem como despontando nível de violência superior às capacidades das autoridades públicas de assegurarem o livre exercício da manifestação, sujeitando os direitos dos demais cidadãos a considerável lesão ou ameaça de lesão, a reunião perde o status de pacífica, o que atrai – inexoravelmente – a legitimidade da autoridade competente para dissolvê-la (MELLO FILHO, 1978, p. 21 apud FUX, 2013, p. 183).

Com base na redação constitucional, a segurança é também um direito fundamental a ser protegido (art. 5º, caput, da CF/88). Por ter caráter positivo, cabe ao Estado o dever de garantir a segurança pública, visando preservar a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio (art. 144, CF/88). Assim, os participantes de uma reunião podem exigir do Estado que lhes garanta segurança para o regular exercício do seu direito de expressão, bem como os demais cidadãos podem – na iminência ou na ocorrência de lesão – exigir a mesma segurança contra uma manifestação que exceda os limites da normalidade (SOUZA, 2011, p. 66-67).

Parte da doutrina entende que, diante de manifesta ameaça a direito fundamental, é possível que ocorra uma proteção preventiva para evitar lesões, em vez de compor posteriormente com indenização por dano moral. Seguindo essa orientação, dispõe Mendes

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(1998, p. 86) que evidentemente “[...] o constituinte não pretendeu assegurar apenas eventual direito de reparação ao eventual atingido”, destacando o esvaziamento da efetiva proteção judicial caso “[...] a intervenção somente pudesse se dar após a configuração da lesão”.

Esses excessos muitas vezes se convertem em vandalismo, figura típica de manifestação mais fervorosa, causadora de um efeito de insegurança pública e desordem social. O vandalismo, atuação que visa destruir propriedades significativas para o bem comum, como monumentos, instituições bancárias, instituições públicas, veículos do poder público, entre outros, caracteriza-se pela conduta que visa transmitir mensagem ou ideia através da violência ou – de uma forma anarquista – tem por objetivo simplesmente fomentar a baderna e a insegurança social (DANTAS JUNIOR, 2014, p. 17).

Sobre o limite tênue entre manifestação regular e a caracterização de excesso, disserta o Ministro Fux (2013, p. 188):

A liberdade de expressão [...] deve ser protegida apenas enquanto meio para a comunicação de ideias – a palavra não é acobertada pela garantia constitucional para veicular, por exemplo, um discurso de ódio. Mais ainda, não se pode admitir a barbárie a pretexto de transmitir uma mensagem ou proposta. Assim, ainda que alguém atire um tijolo contra uma vidraça para expressar que não concorda com certo ponto de vista ou atitude do proprietário do bem, e por mais clara que seja a mensagem retratada em tal ação, não é possível invocar a liberdade de expressão para excluir a prevenção e a repressão, civil e penal, contra o vandalismo.

No entanto, os agentes – caso venham a desempenhar a prerrogativa de manter a ordem social – devem tomar as cautelas necessárias para não exaurir o conteúdo do direito fundamental de reunião (FUX, 2013, p. 183). Do contrário, sobrepondo-se constantemente o dever estatal de proteção do cidadão sobre o direito de reunião, ergue-se aquele direito à condição de 'garantia supraconstitucional', ultrapassando o valor dos demais princípios e garantias constitucionais, o que enseja a formação de um Estado de Segurança e o derruimento do Estado de Direito (DIAS NETO, 2005, p. 93).

Ou seja, mesmo os limites dos direitos fundamentais têm limites, com fulcro na “teoria dos limites dos limites”, que aponta a “[...] necessidade de respeito ao núcleo essencial desses direitos e a obrigatoriedade de adequação ao princípio da proporcionalidade” (CAVALCANTE FILHO, p. 24).

Sobre a teoria supracitada, o autor esclarece:

De acordo com essa teoria, muito difundida na Alemanha, o legislador, ao restringir os direitos fundamentais, não pode ultrapassar uma determinada fronteira, isto é, não pode esvaziá-los. Em outras palavras: o legislador é autorizado a restringir os

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direitos fundamentais; não pode, contudo, restringi-los tanto que os torne inócuos ou vazios (CAVALCANTE FILHO, p. 24).

Ademais, cabível ressalvar, ao final, que o direito constitucional de reunião, como instrumento de exercício da liberdade de expressão, deve ser capaz de se ampliar e viabilizar manifestações de qualquer cunho político, até mesmo em afronta a normas de direito penal, uma vez que a manutenção da democracia depende do não sufocamento das mensagens dos cidadãos, mesmo que contrárias ao ordenamento vigente (FUX, 2013, p. 186). Nesse ponto, ressalva-se que, no último capítulo, será trazido um exemplo específico compatível com o entendimento acima exposto.

2.4 DIREITO À VIDA E DIREITO À INTEGRIDADE FÍSICA

A vida, como direito fundamental prescrito no art. 5º da CF/88, tem um conceito amplo que envolve uma infinidade de situações. No entanto, o tema proposto por esta monografia não abrangerá todos, ficando restrito ao estudo deste direito fundamental e do seu desdobrando (direito à integridade física) em relação aos casos que reverberam nos direitos fundamentais anteriormente tratados, dando enfoque ao seu caráter positivo (prestação estatal).

Expõe Silva (2014, p. 200) que a vida “constitui fonte primária de todos os outros bens jurídicos”. Destaca-se, então, que os demais direitos têm como limitador de aplicação a vida de cada indivíduo, já que – obviamente – seria ilógico garantir qualquer outro direito sem que o indivíduo estivesse vivo para dele usufruir (MENDES; BRANCO, 2012, p. 289).

Ainda, colhe-se dos ensinamentos de Cunha Junior (2013, p. 663) que “O direito à vida é o direito legítimo de defender a própria existência e de existir com dignidade, a salvo de qualquer violação, tortura ou tratamento desumano ou degradante”.

Extraindo o conteúdo da citação supra, pode-se interpretar o direito à vida de forma dupla, pela ótica biológica, a qual se expressa no direito de estar vivo, e por uma ótica metafísica que se desenrola no direito de ter uma vida digna, sendo este último enfoque adotado pelas atuais doutrinas constitucionais, uma vez que compreende a concepção de vida conectada à de dignidade humana (FERNANDES, 2014, p 358).

Evoluindo no assunto visado neste tópico, entende-se que, por ser um direito e não uma liberdade, o direito à vida não fica à mercê da conveniência de cada um, cabendo ao

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Estado proporcionar a segurança necessária à preservação desse bem, tomando as medidas cabíveis caso a caso para atingir o fim colimado (MENDES; BRANCO, 2012, p. 294).

Assim, o direito à vida revela ter caráter negativo e positivo, negativo quando prevê a não intervenção na continuidade da vida e positivo quando consigna a atuação do Estado à prestação de condições sociais dignas e à garantia de incolumidade por meio da concessão de segurança aos cidadãos.

O autor supracitado vai além em sua interpretação acerca da obrigação positiva oriunda da garantia do direito à vida, lecionando que:

[...] se a autoridade pública sabe da existência concreta de um risco iminente para a vida humana em determinada circunstância e se omite na adoção de providências preventivas de proteção das pessoas ameaçadas, o Estado falha no dever decorrente da proclamação do direito à vida (MENDES; BRANCO, 2012, p. 295).

De forma correlata e até mesmo dependente do direito à vida está a figura da proteção constitucional à integridade física do indivíduo (FERNANDES, 2014, p. 363). Até porque, agredir a integridade física-corporal de uma pessoa representa uma afronta à vida, devendo o Estado punir as lesões corporais e coibir sua ameaça, pois o corpo é o receptáculo material que permite a existência do ser humano (SILVA, 2014, p. 201).

Nesse âmbito, tratou a CF/88 de vedar a prática da tortura (art. 5º, III e XLIII), a qual para fins de definição é tratada pela Organização das Nações Unidas (Resolução nº 39/46 de 1984) como:

[…] qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de Ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam conseqüência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram (BRASIL, 1988).

Sendo assim, é possível afirmar – sem pudor de errar – que, na aplicação prática, um dos definidores de limites ao exercício dos direitos de reunião e de manifestação é a garantia de proteção ao bem da vida e ao seu desdobramento, a integridade física dos indivíduos, seja os próprios participantes ou os demais envolvidos. Esse ponto se revela importante para o estudo do próximo item, já que a obrigação positiva do Estado em garantir o bem da vida se transmuda em direito à segurança.

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2.5 DIREITO À SEGURANÇA

A Segurança Pública, disciplinada na Constituição Federal de 1988, no Capítulo III do Título V, mais especificamente no art. 144 e seus incisos e parágrafos, expressa-se como dever do Estado, direito e responsabilidade de todos.

Observando o artigo supracitado, verifica-se a estruturação organizacional dos órgãos de segurança pública em suas respectivas competências de atuação, o que – levando em conta o tema da presente monografia – não demanda maiores observações.

Como já foi mencionado anteriormente, o direito à segurança é direito fundamental de caráter positivo (art. 5º, caput, CF/88), sendo efetivado pela prestação do serviço de segurança pública por parte do Estado, o qual é titular dos órgãos referidos acima. Ou seja, esse direito – embora enquadrado no conceito de norma fundamental com força principiológica –, não tem a mesma eficácia imediata e direta que outros anteriormente citados (como os direitos de liberdade), vinculando-se às políticas públicas do Poder Executivo e aos regramentos oriundos do Congresso em relação à organização e ao funcionamento (SANTIN, 2004, p. 81).

À guisa desses elementos, independente da classificação dimensional que se der ao direito fundamental em questão – discussão teórica que não interessa à presente dissertação –, o autor supracitado faz excelente explanação sobre a segurança pública e os bens e valores por ela protegidos:

Pela complexidade dos valores protegidos pela segurança pública (ordem pública e incolumidade das pessoas e do patrimônio) pode ser notada a presença de características comuns a várias das classificações jurídicas dos direitos ou interesses, porque pode dizer respeito a direito individual (patrimônio pessoal e incolumidade própria) ou a interesse coletivo (patrimônio de um grupo de pessoas, como os poupadores ou mutuários do Banco do Brasil, e incolumidade de uma classe ou grupo de pessoas, como os policiais) ou a interesse difuso (a manutenção da ordem pública, a proteção da propriedade privada dos proprietários de bens em geral e a incolumidade do cidadão) (SANTIN (2004, p. 129, grifo nosso).

Assim, pode-se afirmar que o direito fundamental à segurança, a qual se traduz em proteção – por parte do Estado – de bens e valores que, esporadicamente, acabam dilapidados e vilipendiados diante da ocorrência de excessos praticados no exercício dos direitos de reunião e de manifestação (vide conceito de vandalismo), constitui-se em um ponto limitador destes direitos.

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2.6 LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO

Apesar de ser tratada por último nesta monografia, a liberdade da pessoa física é, historicamente, anterior às demais liberdades, sendo desperta por ocasião da luta dos escravos romanos (revolta de Espártaco) e depois em tantas outras ocasiões até a efetiva abolição da escravatura (SILVA, 2014, p. 238-239).

De acordo com o entendimento do autor supracitado, a liberdade em questão se desdobra expressamente na liberdade de locomoção e na liberdade de circulação, as quais serão tratadas separadamente abaixo. Outros doutrinadores, como Dirley da Cunha Junior e Bernardo Gonçalves Fernandes, preferem tratar esse direito fundamental de forma unitária, concentrando ambos os conceitos no chamado “direito de ir e vir”.

Atenta-se para a redação inovadora da CF/88 que trouxe, pela primeira vez na história das constituições brasileiras, entre os seus direitos fundamentais de primeira geração, a liberdade de locomoção no território nacional (art. 5º, XV).

Para Cunha Junior (2013, p. 671) “É uma das liberdades públicas fundamentais que de há muito integra a consciência geral da sociedade e que repele qualquer atividade não autorizada pela Constituição de cercear o trânsito das pessoas”.

Cumpre-nos assinalar que, da mesma forma que os demais direitos fundamentais, esse direito não pode ser entendido como absoluto, sendo limitado pelo poder de polícia, exercido pelo Estado, que cuida de controlar o fluxo de veículos [e situações que colocam em risco a segurança pública e a paz social] (FERNANDES, 2014, p. 382).

Mais uma vez, encontramo-nos diante de conflito de normas definidoras de direitos fundamentais, já que a ocorrência de uma manifestação popular (exercício do direito de reunião) pode restringir o fluxo de circulação de pessoas ou veículos (exercício do direito de locomoção). Assim, remete-se o leitor aos capítulos seguintes, no qual serão estudadas as formas de resolução desses conflitos, analisando-se a tutela legislativa e o entendimento do tribunal constitucional.

2.7 CONCEITO DE ESTADO SOCIAL DEMOCRÁTICO DE DIREITO E O

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Prefacialmente, para assegurar o entendimento acerca do funcionamento dos institutos constitucionais garantidores do exercício da cidadania, mais especificamente da participação popular direta na política de Estado, necessário se mostra captar o conceito de Estado Social Democrático de Direito (e sua evolução), o qual é oriundo de ideais republicanos e liberais provenientes principalmente dos Estados Unidos da América e da América do Sul, sendo este o modelo de formação estatal que atualmente impera na Carta Magna e, somado aos princípios e objetivos nela descritos, que fornece direcionamento às políticas públicas.

Esses ideais republicanos, declarados em inúmeras manifestações separatistas que se voltaram contra o Império, motivaram a proclamação da República Federativa do Brasil em 1889, bem como influenciaram o teor da Constituição da República de 1891, que firmou a participação democrática pela primeira vez e garantiu a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade (FERNANDES, 2014, p. 255-257).

Sobre a influência dos ideais republicanos, advindos do século XVIII, na democratização do Estado é valido consignar que:

[…] desencadeia um processo de democratização do Estado, implicando a submissão da lei à vontade geral, garantindo a participação do povo no exercício do poder político. Soma-se, dessa forma, às demais características do Estado, a presença de direitos políticos, tornando-se os cidadãos titulares desses direitos (MANDELLI JUNIOR apud SIQUEIRA JUNIOR; OLIVEIRA, 2007, p. 124).

A ordem constitucional se formou sobre primorosa estrutura formal, porém – por se tratar de texto retirado da Constituição norte-americana suplementada com algumas disposições das Constituições suíça e argentina, não teve aplicação prática e restou ineficaz no cenário brasileiro (SILVA, 2014, p. 81).

Embora positivados os ideais republicanos e democráticos na Constituição de 1891, permitindo a participação popular com universalização de votos, a prática mostrou que as instituições e a própria população brasileira, seja por falta de educação e ausência de familiaridade com o processo democrático, seja em razão do voto não secreto, não estava apta para exercer a cidadania, o que resultou na unificação do poder na pessoa do Presidente da República e, consequentemente, proporcionou o surgimento de um modelo oligárquico de governar (BONAVIDES; ANDRADE, 2004, p. 257).

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Nessa toada, a despeito do regramento constitucional, esclarece Silva (2014, p. 82) como ocorreu a formação do modelo de governar supracitado:

O sistema constitucional implantado enfraquecera o poder central e reacendera os poderes regionais e locais, adormecidos sob o guante do mecanismo unitário e centralizador do Império. […] O poder dos governadores, por sua vez, sustenta-se no coronelismo, fenômeno em que se transmudaram a fragmentação e a disseminação do poder durante a colônia, contido no Império pelo Poder Moderador.

E, dispondo sobre o coronelismo, acrescenta em seguida que esse fenômeno “[...] tem suas leis próprias e funciona na base da coerção da força e da lei oral, bem como de favores e obrigações” (CARONE, p. 103 apud SILVA, 2014, p. 82). Assim, nas palavras do autor, “a relação de forças dos coronéis elegia os governadores, os deputados e senadores [e por sua vez] os governadores impunham o Presidente da República” (SILVA, 2014, p. 82).

Feita essa pequena digressão, o que nos interessa é o período de consolidação do Estado Social Democrático de Direito, que só veio a ocorrer com a promulgação da Constituição Federal da República do Brasil em 1988. A história prévia da CF/88 é marcada por eventos que tiveram o condão de aumentar e amadurecer a participação popular, principalmente, “o importante movimento das 'diretas já', de 1983-84, que produziu intensa mobilização nacional em grandes comícios pelo país explicitando a cara de uma sociedade civil que clamava por mudanças” (FERNANDES, 2014, p. 272).

O sistema organizacional do Estado brasileiro, com a promulgação da CF/88 – resultado dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte entre fevereiro de 1987 e outubro de 1988 –, passa a apresentar as características do típico Estado Democrático de Direito, instituído com base na teoria da tripartição dos poderes e no ordenamento constitucional rígido ou semirrígido que garante a eficácia dos direitos fundamentais em ordem de manter a titularidade do poder político nas mãos do povo, as quais se dividem em:

[…] (a) criado e regulado por uma Constituição; (b) os agentes públicos fundamentais são eleitos e renovados periodicamente pelo povo e respondem pelo cumprimento de seus deveres; (c) o poder político é exercido, em parte diretamente pelo povo, em parte por órgãos estatais independentes e harmônicos, que controlam uns aos outros; (d) a lei produzida pelo Legislativo é necessariamente observada pelos demais Poderes; (e) os cidadãos, sendo titulares de direitos, inclusive políticos, podem opô-los ao próprio Estado (SUNDFELD apud SIQUEIRA JUNIOR; OLIVEIRA, 2007, p. 125).

Inclui-se nesse conceito a atuação positiva do Estado com finalidade de implementação do estado de bem-estar social e conceber-se-á a definição de Estado Social

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Democrático de Direito, modelo vigente no Brasil, como se percebe da leitura dos artigos 6º a 11 da CF/88 (SILVA, 2014, p. 117).

Para que não restem mais dúvidas, observe-se a disposição do preâmbulo da nossa Carta Magna, a qual traduz os fundamentos e os objetivos constitucionais:

Nós representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988).

Ainda, com base no conceito de modelo de formação e organização estatal democrático de direito, o princípio da liberdade se revela um dos seus preceitos fundamentais, pois essa forma de organização se subordina à Constituição e se funda no princípio da legalidade, estabelecendo, por meio da produção legislativa, os limites de atuação do cidadão e dando diretrizes e formas de atuação à Administração Pública, o que – justamente – inibe a opressão do mais forte sobre o mais fraco e possibilita a existência da liberdade (SIQUEIRA JUNIOR; OLIVEIRA, 2007, p. 22).

Considerando o acima exposto, atenta-se para o fato de que o princípio da liberdade, no Estado Democrático de Direito, tem ampla ligação com o princípio da legalidade, que impõe um limite instrumental ao Estado, previsto na Constituição Federal, conforme art. 5º, II: "Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" (BRASIL, 1988).

Sendo assim, pelo conceito de Silva (1999, p. 236), tem-se que a liberdade humana é "[...] um poder de atuação do homem em busca de sua realização pessoal, de sua felicidade". No entanto, com limites impostos pela arbitrariedade legal, criada em sede legislativa democrática, porém que nem sempre observam a constitucionalidade das redações. Mutatis mutandis, o sistema democrático, por si só, não representa concessão de liberdade, pois como já dizia Aristóteles, em uma análise possível de ser considerada minimalista: "A democracia ilimitada, assim como a oligarquia, é uma tirania espalhada por um grande número de pessoas". Por isso foram estabelecidos princípios e direitos fundamentais na Constituição, na forma de cláusulas pétreas (art. 64, § 4º, CF/88), os quais devem ser observados tanto pelo particular como pelo Estado. Ademais, sobre o conceito de democracia clarifica Bobbio (1994, p. 133):

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A democracia não é, em si mesma, um valor absoluto, como a justiça a liberdade, a felicidade, mas é um método, um conjunto de regras de convivência, as chamadas "regras do jogo". O único método até agora inventado e aplaudido para obter o acordo numa sociedade de seres desiguais e dominados por paixões, instintos associativos, interesses egoístas, e para alcançar o máximo de justiça, de liberdade e de felicidade entre os homens.

Por sua vez, Silva (2014, p. 127-128) conceitua democracia da seguinte forma:

A democracia é conceito histórico. Não sendo por si um valor-fim, mas meio e instrumento de realização de valores essenciais de convivência humana, que se traduzem basicamente nos direitos fundamentais do homem, compreende-se que a historicidade destes a envolva na medida, enriquecendo-lhe o conteúdo a cada etapa do evolver social, mantido sempre o princípio básico de que ela revela um regime político em que o poder repousa na vontade do povo.

Assim, quando se fala em democracia é preciso observar dois elementos essenciais: a) a soberania popular, que dita ser o povo a única fonte de poder; e b) a participação popular direta ou indireta, que seriam os instrumentos de materialização da soberania, ou seja, uma forma de emanar o poder, escolhendo os representantes que tomarão as decisões em prol do interesse geral e manifestando ativamente sobre as decisões tomadas (SILVA, 2014, p. 132-133).

Nesse ponto, importante fazer uma ressalva e trazer o conceito de movimento popular ou manifestações populares, fruto direto do exercício dos direitos de reunião e de manifestação, o qual pode ser encarado como “[...] ações sociais coletivas de caráter sociopolítico e cultural que viabilizam formas distintas de a população se organizar e expressar suas demandas” (GOHN, 2011, p. 335).

E por serem resultado da manifestação ativa dos cidadãos, complementa a autora que:

Os movimentos realizam diagnósticos sobre a realidade social, constroem propostas. Atuando em redes, constroem ações coletivas que agem como resistência à exclusão e lutam pela inclusão social. Constituem e desenvolvem o chamado empowerment de atores da sociedade civil organizada à medida que criam sujeitos sociais para essa atuação em rede. Tanto os movimentos sociais dos anos 1980 como os atuais têm construído representações simbólicas afirmativas por meio de discursos e práticas. Criam identidades para grupos antes dispersos e desorganizados, como bem acentuou Melucci (1996). Ao realizar essas ações, projetam em seus participantes sentimentos de pertencimento social. Aqueles que eram excluídos passam a se sentir incluídos em algum tipo de ação de um grupo ativo (GOHN, 2011, p. 336).

Com base no ponto de vista acima explanado, define-se a liberdade de expressão e a prerrogativa de exercê-la por meio do direito de reunião e de manifestação como institutos fiscalizadores e reguladores das normas infraconstitucionais e da própria atuação do poder

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