Todas as modalidades de controle de doenças de plantas são, de alguma forma, afetadas pelas condições climáticas. As mudanças climáticas causarão alterações na distribuição geográfica e época de ocorrência de doenças e, como consequência, os métodos de controle deverão acompanhar essa nova realidade. Poucos trabalhos discutem como o controle químico será afetado, apesar da importância desses impactos. Mudanças na temperatura e precipitação pluviométrica poderão alterar a dinâmica de resíduos de fungicidas na parte aérea das plantas e a degradação dos produtos poderá ser modificada. Alterações na morfologia ou fisiologia das plantas
resultantes do crescimento em atmosfera com maior concentração de CO2
ou diferentes condições de temperatura e precipitação poderão afetar a absorção, o translocamento e o metabolismo de fungicidas sistêmicos. Além disso, as mudanças no crescimento das plantas poderão alterar o período de maior suscetibilidade das plantas aos patógenos, o que poderá determinar um novo calendário de aplicação de fungicidas (COAKLEY et al., 1999; CHAKRABORTY; PANGGA, 2004; PRITCHARD; AMTHOR, 2005).
O mercado de fungicidas certamente sofrerá alterações. Chen e McCarl (2001) realizaram uma análise de regressão entre o uso de agrotóxicos, fornecidos pelo United States Department of Agriculture (USDA) e as variações do clima em diversas localidades dos Estados Unidos, a partir
de dados climáticos disponibilizados pelo National Oceanic Atmospheric Administration (NOAA). A intenção foi quantificar as alterações no gasto com agrotóxicos no clima futuro, por meio de uma avaliação econômica, tendo como premissa o fato do aumento da incidência de um determinado problema fitossanitário resultar em maiores gastos com o controle químico e vice-versa.
Entretanto, o principal impacto das mudanças climáticas sobre o controle químico deverá ser de ordem cultural. O fato de toda a humanidade estar sofrendo as consequências das atividades antrópicas na exploração do planeta despertará a conscientização de que tal atividade deve ser rigorosamente realizada de forma sustentável. Certamente, aumentarão as pressões da sociedade pelo uso de métodos não químicos para o controle de doenças de plantas.
Uma consequência direta das modificações causadas pelas mudanças climáticas nas relações patógeno-hospedeiro é na resistência genética de plantas às doenças. Muitas modificações na fisiologia das plantas poderão alterar os mecanismos de resistência de cultivares obtidas por métodos tradicionais ou por engenharia genética. Vários trabalhos comprovam tais alterações, como aumentos significativos das taxas de fotossíntese, produção de papilas, acúmulo de silício em locais de penetração dos apressórios, maior acúmulo de carboidratos nas folhas, mais cera, camadas adicionais de células epidermais, aumento da quantidade de fibras, redução da concentração de nutrientes e alteração na produção de enzimas relacionadas com a resistência (HIBBERD et al., 1996; CHAKRABORTY et al., 2000a; OSSWALD et al. 2006). Um dos poucos trabalhos realizados com o objetivo de verificar os efeitos
do aumento da concentração de CO2 no controle de doenças, por meio do
uso de variedades resistentes, foi desenvolvido por Paoletti e Lonardo (2001). Os autores verificaram que um clone de cipreste, Cupressus sempervirens, resistente ao cancro causado por Seiridium cardinale, não perdeu a resistência
genética quando cultivado em ambiente com elevado teor de CO2. Quanto
aos efeitos da temperatura e outras variáveis climáticas, há uma quantidade maior de trabalhos realizados (HUANG et al., 2006).
Os cenários climáticos futuros, de modo geral, indicam um aumento da temperatura, o qual, certamente, alterará a resposta das plantas às doenças, seja devido à própria composição genética do hospedeiro, seja por alterações causadas na comunidade de organismos que induzem resistência. Mayama et al. (1975) verificaram que cultivares de trigo com o alelo Sr6 para resistência a Puccinia graminis exibem alta resistência a 20 °C, porém apresentam suscetibilidade ao patógeno a 25 °C. Em estudos sobre o efeito da temperatura sobre a ferrugem do cafeeiro, Ribeiro et al. (1978) verificaram
que houve redução do desenvolvimento de urediniosporos em folhas de cultivar suscetível de café inoculadas com Hemileia vastatrix e tratadas por 4 h a 40 °C, durante quatro dias consecutivos. Para o mesmo patossistema, Rodrigues Junior (1984) também discute as alterações na resistência e na suscetibilidade de cafeeiros submetidos a diferentes temperaturas. Além do aspecto da funcionalidade dos genes relacionados com a resistência do hospedeiro e da agressividade do patógeno, precisa ser considerada a alteração da funcionalidade dos genes dos antagonistas. Assim, possivelmente os organismos que têm a ação relacionada com a produção de alguma substância poderão sofrer maiores consequências do que aqueles que agem por predação e competição.
Algumas formas de resistência poderão ser mais afetadas do que outras. Entretanto, a maior ameaça à resistência genética é a aceleração dos ciclos dos
patógenos que, com o aumento da concentração de CO2 atmosférico, poderão
sofrer alterações em todos os estádios de vida. Alguns trabalhos verificaram que, apesar de haver um atraso no desenvolvimento inicial e redução na penetração no hospedeiro, as colônias estabelecidas se desenvolvem em maior velocidade e há aumento da multiplicação do patógeno nos tecidos da planta (HIBBERD et al., 1996; CHAKRABORTY et al., 2000a). A multiplicação mais intensa do patógeno, associada a um microclima propício, devido ao maior desenvolvimento das plantas, favorece a ocorrência de epidemias.
Não há praticamente informações sobre os impactos das mudanças climáticas sobre o controle biológico de doenças de plantas. Os poucos resultados relacionados com o assunto tratam de impactos das mudanças climáticas sobre a composição e a dinâmica da comunidade microbiana da filosfera e do solo, as quais podem ser de grande importância para a saúde das plantas. Mendes (2009) avaliou o efeito do aumento da concentração de
CO2 atmosférico sobre o controle biológico da ferrugem do cafeeiro por meio
da esporulação do patógeno e da severidade da doença em discos foliares. Os agentes de biocontrole Bacillus subtilis, Bacillus pumilus e Lecanicillium
longisporum foram aplicados 24 h antes e após, e simultaneamente à inoculação
do patógeno (Hemileia vastatrix); e mantidos em caixas vedadas nas condições de fotoperíodo de 12 h, a 22 °C e 100 % de umidade relativa em diferentes
concentrações de CO2. Os antagonistas Bacillus subtilis, Bacillus pumilus e
Lecanicillium longisporum não foram afetados pelo aumento da concentração
de CO2. Bacillus subtilis foi mais efetivo no controle da doença quando aplicado
antes e simultaneamente à inoculação do patógeno.
Aspectos fundamentais do solo para a atividade microbiana sofrerão modificações, como a disponibilidade de nutrientes, o aumento da temperatura e, dependendo da região, a redução na umidade do solo. Além
disso, a quantidade de nitrogênio que é introduzida nos sistemas naturais e no agroecossistema por meio de fertilizantes e poluentes pode causar significativos impactos na microbiota (NOSENGO, 2003). Grüter et al. (2006) concluíram que a exposição do ambiente à concentração de 600 ppm
de CO2 não alterou quantitativamente a comunidade de bactérias do solo.
Entretanto, os mesmos autores concluíram que um dos possíveis efeitos das mudanças climáticas é sobre a diversidade de plantas, o que resulta em alterações da composição bacteriana do solo (tipos de bactérias e frequência de ocorrência). Para avaliar os efeitos sobre fungos saprófitas, Rezácová et al. (2005) verificaram que Clonostachys rosea, importante agente de controle biológico de Botrytis e outros patógenos, e Metarhizium anisopliae, um dos mais importantes entomopatógenos usados para o controle de insetos-praga, mostraram-se fortemente associados com a cultura de trevo em ambiente com
alta concentração de CO2. Os autores sugeriram que a abundância dessas
espécies de fungos pode indicar aumento da supressividade do solo a fungos fitopatogênicos e outras pragas.
Um dos poucos trabalhos sobre o efeito de condições climáticas sobre a eficiência de agentes de controle biológico foi realizado por Warwick (2001), que demonstrou os efeitos do regime de chuva e da hora do dia de aplicação de Acremonium vittelinum e Acremonium persicinum para o controle da lixa- do-coqueiro, causada por Catacauma torrendiella e Cocostroma palmicola. Porém, para a maioria dos antagonistas, não há informações. Trabalhos nessa área serão importantes para a manutenção da eficiência do controle biológico. Além disso, é necessário conhecer quais serão as respostas das doenças de plantas a essas mudanças. Essas respostas permitirão concluir sobre o que poderá acontecer ao biocontrole, tanto natural, quanto pela introdução de bioagentes.
Predizer os efeitos das mudanças climáticas sobre o controle biológico de doenças de plantas é problemático e atualmente baseado em observações indiretas. Entretanto, com certeza, a vulnerabilidade dos agentes de biocontrole será maior com as mudanças climáticas, pois esse é um dos problemas da aplicabilidade dos antagonistas (GARRETT et al., 2006).
Bradshaw e Holzapfel (2006) afirmam que os efeitos do rápido aquecimento climático chegaram ao nível de genes em diversos grupos de organismos. Essas alterações nas populações afetam os ciclos dos principais eventos da vida, isto é: desenvolvimento, reprodução, dormência e migração. Os microrganismos que apresentam curtos ciclos de vida e grandes populações, provavelmente, se adaptarão rapidamente. Entretanto, não se tem conhecimento da forma que será a nova estrutura e funcionamento das interações entre hospedeiro-patógeno-agentes de biocontrole-ambiente.
A plasticidade de alguns sistemas agrícolas poderá ajudar a minimizar os impactos negativos das mudanças climáticas com a adoção de novas cultivares ou outras práticas. Porém, os países em desenvolvimento provavelmente terão maiores dificuldades de adaptação às mudanças climáticas, devido ao menor desenvolvimento tecnológico e aos poucos recursos disponíveis para a adoção de medidas.
Bettiol e Ghini (2009) discutem que, de modo geral, as mudanças climáticas serão benéficas para o controle biológico, tanto natural, quanto o introduzido, pois as atenções da sociedade para os problemas ambientais exigirão medidas que minimizem o lançamento de poluentes. Com isso, o equilíbrio biológico dos sistemas agrícolas será beneficiado levando a um aumento da complexidade do sistema, e consequentemente, ao controle biológico.