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Impacto potencial das mudanças climáticas no progresso temporal de epidemias

Os modelos matemáticos mais utilizados para descrever o progresso temporal de epidemias são os modelos exponencial, monomolecular, logístico e de Gompertz. Esses modelos servem de base às pesquisas empírica e teórica

em epidemiologia e a suas aplicações (MADDEN et al., 2007). Todos eles têm

como parâmetros a taxa de progresso da doença (r), o inóculo inicial (y0) e

a quantidade máxima de doença (ymax). A taxa de progresso da doença é o

velocímetro da epidemia e caracteriza-se por ser extremamente sensível aos efeitos do clima no desenvolvimento das doenças em populações (KRANZ, 1978). É, portanto, um valioso parâmetro de comparação entre epidemias que se desenvolvem sob condições ambientais distintas. Foi por meio da comparação das taxas do modelo de Gompertz, ajustado a 90 curvas de progresso de Fusarium oxysporum f. sp. ciceris em grão de bico (Cicer arietinum L.), que Landa et al. (2001) demonstraram, experimentalmente, que a temperatura de 25 °C é significativamente mais favorável ao desenvolvimento da doença do que as temperaturas de 20 °C e de 30 °C. Adicionalmente, os autores constataram uma significativa interação entre a temperatura e a densidade do inóculo inicial no solo em que a cultura foi implantada. Sob temperatura de 25 °C, as epidemias que se desenvolveram a partir de 25 clamidósporos do patógeno por grama de solo foram indistintas daquelas em que a densidade de inóculo era de 1000 clamidósporos/g de solo. Todas as epidemias geradas com diferentes concentrações de inóculo inicial nesse intervalo (25 a 1000 clamidósporos/g de solo) apresentaram taxas de progresso similares e atingiram, ao final das avaliações, índices de doença (escala de 0-1) superiores a 0,95. No entanto, nas temperaturas de 20 °C e de 30 °C, plantas que se desenvolveram nos solos com menores concentrações de inóculo apresentaram epidemias menos explosivas que aquelas que se desenvolveram nos solos com as maiores concentrações. A 20 °C, a quantidade final de doença nas plantas cultivadas em solos com densidades de inóculo de 25 e 50 clamidósporos/g foi 60 % menor do que naquelas cultivadas em solos com 500 ou 1000 clamidósporos/g de solo. Consequentemente, o efeito de medidas de sanitização, que reduzem o inóculo inicial, dependerá do ambiente no qual a cultura será instalada, com grande chance de nada contribuírem quando a temperatura predominante permanecer próxima a 25 °C. Para efeitos práticos, adicionalmente a esse empecilho, há que se considerar que outras podridões radiculares do grão de bico, como as causadas por o Fusarium solani e

Thielaviopsis basicola, respondem à temperatura de forma linearmente positiva,

e não quadrática como a podridão de Fusarium oxysporum. As incidências de podridões de Fusarium solani e Thielaviopsis basicola são tanto maiores quanto maior a temperatura, no intervalo entre 10 °C e 30 °C (BHATTI; KRAFT, 1992). A indicação de formas de manejo de doenças da cultura em cenários futuros é um interessante desafio.

A determinação da influência de variáveis climáticas em epidemias é de difícil execução experimental, pois as parcelas necessárias para gerar epidemias devem ter grandes dimensões, que raramente suportam o controle

de todas as variáveis ambientais. Dessa forma, raros são os trabalhos que tentam simular, experimentalmente, o desenvolvimento de epidemias, considerando possíveis cenários futuros ocasionados pelas mudanças climáticas. Numa tentativa de avaliar o efeito nocivo de doses elevadas de

ozônio e de CO2 combinados ou não à infecção de Puccinia recondita f. sp.

tritici em trigo, Tiedemann e Firsching (2000) conduziram experimentos em

câmaras enriquecidas com ozônio e com CO2. Dentre as diversas variáveis

analisadas no experimento, os autores mediram a área foliar danificada pelo

patógeno combinado ao ozônio em duas concentrações de CO2: 374,1 – 380,2

µl/l, que corresponde à concentração atmosférica atual, e 610,6 – 615,0 µl/l, que representa atmosfera enriquecida do gás. Embora a concentração elevada do dióxido de carbono tenha compensado os efeitos negativos do ozônio na taxa fotossintética e nas variáveis de produção, ela não foi suficiente para compensar os efeitos negativos do patógeno. As curvas de progresso de área foliar de trigo danificada pela combinação ozônio+ferrugem foram similares

nas duas concentrações de CO2 testadas.

Alternativamente aos experimentos conduzidos sob condições controladas, o efeito de variáveis ambientais em epidemias pode ser avaliado em sistemas agrícolas, desde que epidemias naturais sejam monitoradas em ambientes distintos, repetidas vezes. Essa foi a abordagem utilizada por Fargette et al. (1994) para descrever o efeito do ambiente em epidemias do vírus do mosaico da mandioca (Cassava mosaic virus) no continente africano. Os autores mostraram que as taxas de progresso da doença, estimadas pelo modelo de Gompertz, exibiam grande variação entre os plantios realizados ao longo dos anos de monitoramento (de 0,015 a 0,14), porém elas seguiam padrão sazonal. Taxas elevadas (>0,06) foram constatadas em epidemias de plantios realizados entre outubro e abril (primavera/verão) e taxas mais baixas (<0,06) foram frequentes nas epidemias de plantios realizados entre maio e outubro (outono/inverno). Essa variação foi atribuída a variações na temperatura e na radiação incidente, que poderiam influenciar diretamente o progresso da doença, por um aumento da concentração do vírus nas plantas ou pela maior atividade da população dos vetores, ou indiretamente, pela mudança na suscetibilidade da planta à infecção. Por se tratar de levantamento epidemiológico em condições naturais de epidemias, os autores deixam claro que nenhuma variável ambiental poderia ser isoladamente correlacionada às variações observadas nas curvas de progresso da doença, embora a temperatura mostre mais influência que a precipitação. Para se ter uma idéia da magnitude das diferenças observadas nas epidemias do vírus do mosaico da mandioca, a Fig. 1 apresenta curvas do modelo de Gompertz com a taxa mais baixa, uma taxa intermediária e a taxa mais alta relatada no trabalho. Para efeitos comparativos, o inóculo inicial e a quantidade máxima de doença

foram constantes nas três curvas, respectivamente, iguais a 0,001 e 1. A incidência final da doença, estimada aos 60 dias após o aparecimento do primeiro sintoma foi de 6 %, 32 % e 99 %, respectivamente, para as curvas com as taxas baixa (0,015), intermediária (0,04) e elevada (0,14). Assim, se as previsões de elevação de temperaturas se confirmarem no futuro, taxas superiores a 0,06 devem prevalecer e as epidemias deverão tornar-se mais severas.

Contrariamente à escassez de experimentos que avaliam a influência conjunta de variáveis ambientais em epidemias policíclicas, são numerosos os estudos que descrevem o efeito dessas variáveis isoladamente, ou em combinação duas a duas, nos componentes monocíclicos de doenças de plantas, tanto no Brasil (BASSANEZI et al., 1998; VALE; ZAMBOLIM, 1996; MARTINS; AMORIM, 1999; LEITE; AMORIM, 2002; CHRISTIANO et al., 2009) quanto no exterior (HAU, 1990; CHANG et al., 1992; VALLAVIEILLE-POPE et al., 1995; 2002; EDEN et al., 1996; CHONGO; BERNIER, 2000; De WOLF; ISARD, 2007). Esses estudos mostram que há relações significativas entre as variações do ambiente, especificamente entre as variáveis temperatura, umidade relativa, período de molhamento e radiação, e o comportamento dos componentes monocíclicos - períodos de incubação e de latência, frequência de infecção, esporulação e tamanho das lesões. No entanto, na maioria das vezes, o efeito combinado dessas variações do ambiente no monociclo não é transposto ao nível hierárquico superior: a epidemia. Recentemente, Papastamati e van den Bosch (2007) demonstraram estatisticamente como calcular a taxa de progresso da ferrugem-amarela do trigo (Puccinia striiformis) a partir de equações que relacionam variáveis ambientais aos componentes monocíclicos da

Fig. 1. Curvas de progresso de doença estimadas pelo modelo de Gompertz, com três taxas de progresso da doença: 0,015, 0,04 e 0,14. O inóculo inicial (y0) foi fixado em 0,001 e a assíntota (ymax), em 1 para as três curvas.

Tempo (dias)

doença. Os autores conseguiram estimar taxas médias de progresso da doença, de acordo com o modelo exponencial, em função da temperatura, da duração do molhamento foliar e da intensidade da radiação incidente, tendo como base equações que relacionam latência, infecção e esporulação a essas variáveis do ambiente. Assim, sob incidência luminosa baixa (5

mol quanta/m2), as taxas de progresso da doença situaram-se em torno

de 0,05, quando o molhamento foi superior a 10 h e a temperatura média variava entre 12 °C e 16 °C. Já para intensidades luminosas maiores

(40 mol quanta/m2), as taxas de progresso da doença variaram entre

0,05 e 0,15, sendo a mais alta estimada para períodos de molhamento superiores a 14 h no intervalo de temperaturas entre 13 °C e 17 °C. Os autores concluíram que a temperatura foi a variável que exerceu maior influência no progresso da doença.

A análise de epidemias é inerentemente quantitativa e o efeito do impacto potencial das mudanças climáticas nas epidemias também deveria sê-lo. No entanto, em função da necessidade política de prever o futuro, para que ações possam ser tomadas no presente, é comum que textos meramente opinativos e especulativos sejam produzidos sobre o futuro das epidemias. Assim, Boland et al. (2004), imbuídos do senso comum de que os invernos mais curtos e menos rigorosos previstos para a região de Ontário, no Canadá, modificarão o comportamento das epidemias de doenças de plantas, elaboraram uma tabela que antecipa os efeitos das mudanças climáticas na taxa de progresso da doença, no inóculo inicial e na duração das epidemias de 146 doenças de 16 culturas agrícolas e nove espécies vegetais. Foram previstos aumentos no inóculo inicial em 58 % das doenças e aumentos na taxa de progresso das epidemias em 34 % dos casos relatados. As informações que justificaram essas previsões foram as seguintes: (i) invernos menos rigorosos podem diminuir o inóculo de patógenos do solo pela maior competição microbiana; (ii) invernos menos rigorosos devem aumentar o inóculo de patógenos que sobrevivem em restos culturais e em insetos vetores; (iii) as estações de cultivo mais quentes e secas podem aumentar ou reduzir a taxa de progresso da doença, devendo-se verificar, para cada caso, se o patógeno é positiva ou negativamente influenciado por essas variáveis; (iv) as taxas de progresso de doenças transmitidas por insetos vetores devem aumentar, pois haverá mais insetos vindos do sul e sua atividade será aumentada com o clima mais quente; (v) as taxas de progresso de doenças ocasionadas por patógenos que penetram via ferimento deverão aumentar, pois haverá aumento na quantidade de injúrias nas plantas ocasionadas pela maior frequência de eventos climáticos drásticos, como furacões; (vi) as taxas de progresso de doenças ocasionadas por patógenos

dispersos pela água devem diminuir, pois haverá redução na quantidade de chuvas. Apesar de demandar enorme esforço, textos opinativos com a antecipação das implicações das mudanças climáticas em epidemias de doenças de plantas, sem dados experimentais, não têm respaldo científico e deveriam permanecer na esfera política.

Impacto potencial das mudanças climáticas na