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Eficácia objetiva dos direitos fundamentais

2.3. MULTIFUNCIONALIDADE E EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.3.2. Eficácia objetiva e subjetiva dos direitos e garantias fundamentais

2.3.2.2. Eficácia objetiva dos direitos fundamentais

Pela perspectiva objetiva, os direitos fundamentais são enxergados sob a ótica de seu significado para a sociedade, para o interesse público, para a vida comunitária.

Nesta perspectiva, os direitos fundamentais passam a serem vistos como um conjunto de valores objetivos básicos e fins diretivos da ação positiva dos poderes públicos, e não apenas como garantias negativas dos interesses individuais82.

Para Sarlet, a faceta objetiva dos direitos fundamentais significa que às normas de direitos subjetivos “é outorgada função autônoma, que transcende esta perspectiva subjetiva, e que, além disso, desemboca no reconhecimento de conteúdos normativos e, portanto, de funções distintas de direitos fundamentais”83.

Realmente, a faceta objetiva dos direitos fundamentais importa reconhecer que estes direitos não se limitam apenas às clássicas garantias negativas individuais e nem aos demais direitos subjetivos, mas também que exercem funções relevantes para a sociedade, na medida em que incorporam e expressam seus valores essenciais84.

Além disso, os direitos fundamentais sob a perspectiva objetiva não se limitam a serem apenas valores ou fins consagrados pela comunidade, mas também consagram uma dimensão estrutural, na medida em que complementam e suplementam a

82 LUÑO, op. cit. p. 20-21. 83 Op. cit., p. 153.

84 ÁVILA, Marília; SAMPAIO, Silva. Aplicação dos Direitos Fundamentais nas Relações entre Particu-

dimensão subjetiva. De acordo com esta ótica estrutural, “a dimensão objectiva, em vez de comprimir, reforça agora a imperatividade dos direitos individuais e alarga a sua influência no ordenamento jurídico e na vida da sociedade”85.

Na mesma linha de Vieira de Andrade, Sarlet acrescenta que sob o prisma objetivo ocorre “uma espécie de mais-valia jurídica, no sentido de um reforço de juridicidade dos direitos fundamentais”86. Além disso, estes direitos produzem uma série de funções e implicações distintas, conforme a sua significação objetiva se dê sob o aspecto axiológico ou de acordo com a sua força objetiva autônoma87.

Sob o aspecto axiológico, como uma de suas primeiras implicações, a perspectiva objetiva “não só legitima restrições aos direitos subjetivos individuais com base no interesse comunitário prevalente, mas também que, de certa forma, contribui para a limitação do conteúdo e do alcance dos direitos fundamentais”88.

O enfoque objetivo, portanto, imprime um caráter relativo à liberdade, o que justifica até a limitação dos direitos fundamentais em prol do próprio indivíduo89.

Exemplifica Barros, então, com a imposição do cinto de segurança onde o livre arbítrio do condutor do veículo perde alcance diante do valor constitucional vida ou integridade física dos indivíduos, cuja proteção é requerida do Estado em cumprimento às suas finalidades, o mesmo ocorrendo com a proibição geral do uso de drogas90.

Uma outra implicação do aspecto valorativo diz respeito à eficácia dirigente que os direitos fundamentais exercem em relação aos órgãos estatais. Assim é que se afirma que estes emitem uma ordem dirigida ao Estado no sentido de concretizá-los e realizá-los permanentemente, sempre no sentido de extrair deles a máxima eficácia.

Em relação às implicações sob o aspecto de uma força objetiva autônoma dos direitos fundamentais, aponta-se, em primeiro lugar, a eficácia irradiante que estes exercem, no sentido de fornecer impulsos e diretrizes para a interpretação do direito

85 VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976.

Coimbra: Almedina, 1987, p. 161.

86 Ibidem, p. 153. 87 Ibidem, p. 153. 88 Ibidem, p. 155-156.

89 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade

das leis restritivas de direitos fundamentais. 2ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 131-132.

infraconstitucional, que “apontaria para a necessidade de uma interpretação conforme aos direitos fundamentais, que, ademais, pode ser considerada – ainda com restrições – como modalidade semelhante à difundida técnica hermenêutica de interpretação conforme a Constituição”91.

Ainda no que tange à força objetiva, encontra-se a eficácia horizontal dos direitos fundamentais no sentido de serem estes aplicáveis também na esfera privada e não constituírem apenas direitos oponíveis ao Estado92. Assim, por exemplo, o direito fundamental ao contraditório e a ampla defesa, sob o ângulo da eficácia horizontal, podem ser aplicados nas relações trabalhistas quando ocorre uma despedida, com justa causa, do trabalhador.

Sob o aspecto da força objetiva, há que se considerar também as garantias institucionais, no sentido de que existem determinadas instituições (direito público) e institutos (direito privado) que, por sua importância, devem ser protegidas contra a ação erosiva do legislador. Neste prisma, as garantias institucionais reforçam a juridicidade dos direitos fundamentais, vez que somente se protegendo determinadas instituições ou institutos é que se protege também os direitos fundamentais93.

Uma outra implicação da força objetiva autônoma se relaciona com chamados deveres de proteção do Estado, no sentido de que a este incumbe zelar pela proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos não somente contra os poderes públicos, mas também contra agressões provindas de particulares e de outros Estados. Incumbe, pois, ao Estado tomar medidas positivas com a finalidade de protegê-los de forma efetiva94.

Por fim, ainda relacionado à força objetiva autônoma, tem-se a função dos direitos fundamentais de servirem como parâmetros para a criação e constituição de organizações ou instituições estatais e para o procedimento. Assim é que se extrai do conteúdo das normas de direitos fundamentais conseqüências para aplicação e interpretação das normas procedimentais, bem como para a formatação de um

91 SARLET, op. cit., p. 157. 92 Ibidem, p. 157.

93 Ibidem, p. 155-156. 94 Ibidem, p.157.

procedimento que auxilie na efetivação da proteção a tais direitos. Um procedimento demorado e ineficiente atenta contra a concretização dos direitos fundamentais95.

Os direitos fundamentais, portanto, na perspectiva objetiva, exercem várias e relevantes funções no ordenamento jurídico. Para além de sua condição de direitos subjetivos, permitem o desenvolvimento de novos conteúdos que, independentemente de uma eventual possibilidade de subjetivação, assumem papel de alta relevância na construção de um sistema eficaz e racional para a sua própria efetivação.

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