• Nenhum resultado encontrado

EJA, Mundo do Trabalho e as Tecnologias: a escola como espaço de possibilidades e transformação.

Economia de compartilhamento

3.2.4 EJA, Mundo do Trabalho e as Tecnologias: a escola como espaço de possibilidades e transformação.

Como vimos anteriormente, as tecnologias da comunicação e informação digitais têm afetado profundamente o mundo nas últimas décadas. Embo- ra se constituam como ameaça para o trabalho assalariado, é preciso ter em mente que tais tecnologias fazem parte da sociedade. Trata-se, pois, de instrumentos, ferramentas e máquinas que não são usadas somente nos processos produtivos, mas que fazem parte das atividades do nosso cotidiano, como falar ao celular, realizar pesquisas na internet, interagir com as redes sociais, utilizar a máquina de lavar ou dirigir automóveis, por exemplo.

Tendo isso como pano de fundo é possível que os professores da EJA se perguntem: afinal de contas, qual o papel da escola nesse contexto de uberização e precarização do mundo do trabalho? Antes de buscar- mos respostas para essa pergunta, é preciso que tenhamos em mente que as tecnologias de comunicação e informações digitais são elementos ambivalentes. Por um lado, elas podem ser vistas como instrumentos de segregação e exclusão social; por outro lado, como ferramentas capazes de ampliar contatos, potencializar construções de conhecimento e gerar trabalho e renda. O filósofo brasileiro Ivan Domingues sintetiza do seguinte modo esses paradoxos da tecnologia:

entendo que a tecnologia afeta profundamente nossas vidas, e exige toda a atenção em sua ambivalência: potencializa as forças produtivas e leva ao progresso técnico, porém gera as tecnolo- gias de guerra e se volta contra a humanidade; a máquina poupa o esforço, economiza o trabalho e alforria o ser humano, porém coloniza o tempo livre e avassala o homem. Todavia, o problema não está nem na técnica, nem no objeto técnico, mas em nós e em nossa atitude face a ela. (DOMINGUES, 2004, p. 9).

Em relação ao aspecto potencializador das capacidades humanas presen- te na tecnologia, podemos destacar as novas possibilidades suscitadas

em razão do avanço da pandemia de coronavírus (Covid-19). Além das reuniões de teletrabalho, as/os professores têm nessas ferramentas de informação e comunicação digital novas formas de trabalhar pedagogica- mente e de se aproximar das/os estudantes da Educação de Jovens e Adultos, seja por meio de contatos pessoais mediados pela tecnologia, seja por meio de elaboração de atividades e vídeos com teleaulas.

Em contrapartida, quanto ao aspecto excludente da tecnologia é possível chamar a atenção para o aprofundamento da desigualdade social, cau- sado pela dificuldade de acesso às tecnologias de informação e comuni- cação digital. O isolamento social provocado pela pandemia de Covid-19 evidenciou, por exemplo, a importância das tecnologias digitais para que pessoas em situação de vulnerabilidade social pudessem ter acesso ao auxílio emergencial. Uma parte dos usuários não possuía computador,

tablet ou aparelho celular, enquanto outras pessoas não tinham conhe-

cimento suficiente para instalação de aplicativos – como o app da Caixa Econômica Federal, necessário para o preenchimento de formulários. Por causa disso, houve aglomerações de pessoas em filas gigantescas e mui- tas sequer conseguiram ter acesso aos benefícios.

No entanto, cumpre salientar que a pandemia somente evidenciou uma dinâmica que já se fazia presente na escola. Destacamos aqui uma expe- riência vivida por uma escola da Regional Barreiro, em decorrência da mi- gração de trabalhadores, contratados pelas Caixas Escolares das escolas municipais de Belo Horizonte, para a Minas Gerais Administração e Servi- ços S.A. (MGS). Ao serem contratados pela nova empresa, os trabalhado- res (vigias, porteiros, faxineiros, cantineiras, artífices e auxiliares de apoio ao educando) tiveram a necessidade de lidar com a informatização de sua rotina de trabalho, sendo desafiados a realizar algumas ações como o re- gistro de presença no ponto eletrônico, o envio de e-mail para a solicita- ção de informações, bem como a digitalização de documentos de atestado médico. Além disso, os trabalhadores precisaram acessar a internet para terem acesso ao portal da empresa, que nele apresenta informações rele- vantes para o trabalhador.

Todo esse processo trouxe muita apreensão para os trabalhadores envol- vidos, afinal eles não possuíam muita intimidade com a tecnologia. Ape- sar disso, é possível dizer que todo o decurso de migração/recontratação foi permeado pela busca de novos aprendizados no contexto escolar. Os trabalhadores buscavam ajuda com a direção da escola, com o gestor fi- nanceiro, com os professores e com o agente de informática; buscavam orientações sobre como chegar ao endereço da empresa para entrega de documentos, assim como informações sobre a assinatura do contrato de

trabalho e o recebimento do uniforme e dos EPI’s. Em algumas escolas, mesmo em meio a dificuldades e insatisfações, a solidariedade, o com- panheirismo e o trabalho coletivo se constituíram como “marca” de todo o processo de migração.

Ademais, é importante ressaltar que as camadas populares não são pas- sivas nos processos de mudanças sociais. Até mesmo quando não domi- nam as ferramentas tecnológicas de seu tempo, elas se mobilizam para enfrentar situações adversas. Este é o caso de Dona Maria Raimunda, moradora do Bairro Milionários que se deslocou até uma lan house, no Bairro Bom Sucesso, para participar de uma reunião online da Comissão Local de Assistência Social (CLAS) - Regional Barreiro e nela tirar suas dúvidas a respeito do “Cartão Bolsa Merenda” do seu filho. Como não tinha os conhecimentos e as ferramentas necessárias para acessar de casa a reunião, solicitou a ajuda do atendente da lan house. A situação de Dona Maria Raimunda retrata a de muitas pessoas que, num momento de adversidade, se esforçam para buscar novos caminhos a fim de exercer a cidadania.

Cara professora e caro professor, não podemos, portanto, desconsiderar o potencial mobilizador da escola. Ela é gestora social do conhecimen- to e, por isso, numa perspectiva freiriana, precisa ser capaz de fomentar nos sujeitos novas possibilidades de existência, assim como precisa estar comprometida com a realidade histórica das pessoas. Sendo assim, nos cabe reafirmar o compromisso do verbo educar, no sentido etimológico:

educare, educere, que significa “conduzir para fora” ou “direcionar para

fora” – preparar as pessoas para o mundo e a vida em sociedade, ou seja, conduzi-las para fora de si mesmas, mostrando as diferenças que existem no mundo. Como professoras e professores da EJA, precisamos refletir sobre o sentido da tecnologia, promovendo processos educativos contextualizados com a realidade das/os estudantes, tendo como objetivo principal a emancipação humana e o exercício da cidadania.

Como abordamos anteriormente, a combinação entre a tecnologia e a eco- nomia capitalista pode representar a precarização do mundo do trabalho e o triunfo de uma moral utilitarista e pragmática em busca de lucro. Para evitar os perigosos efeitos da aliança entre a tecnologia e a economia ca- pitalista, uma alternativa é atribuirmos como objetivo da tecnologia a pro- moção da cidadania. Quanto a isso, vale lembrar que o desenvolvimento da tecnologia informática e de telecomunicações foi uma das condições de possibilidade para aquilo que os estudiosos chamam de globalização. Nesse sentido, segundo Gadotti (2008), não é possível conceber a cidada- nia planetária global sem uma efetiva cidadania na esfera local e na esfera

nacional. Assim, a cidadania planetária compreende a proposta de pen- sar e se reconhecer globalmente e agir localmente. A cidadania planetária está ancorada na visão unificadora do planeta e da sociedade mundial, reunindo princípios, valores, atitudes e comportamentos sob a ótica de que a Terra é uma grande e única comunidade. A construção da cidadania planetária compõe um processo de construção de outro mundo possível, ou seja, uma nova forma de desenvolvimento econômico e organização civilizatória.

No relato de experiência que se segue, veremos como uma escola de EJA da Regional Barreiro passou a se valer das tecnologias da comunicação e informações digitais para retomar, em uma perspectiva dialógica e proble- matizadora, seu processo educativo com as/os estudantes.