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A S R ELAÇÕES I NSTITUCIONAIS , AS P RÁTICAS D OCENTES E A O RGANIZAÇÃO C URRICULAR

III Q UADRO T EÓRICO DE R EFERÊNCIA

A S R ELAÇÕES I NSTITUCIONAIS , AS P RÁTICAS D OCENTES E A O RGANIZAÇÃO C URRICULAR

A realização das entrevistas, a análise dos dados sobre os cursos e a revisão de documentos de ambas as Escolas, permitiram ainda resgatar outras especificidades da área de ensino que valem a pena ser destacadas, pelo que possam ter influenciado as práticas docentes e a conformação de diferentes modelos no âmbito da formação em Saúde Coletiva. Elas se evidenciaram pelo lugar institucional ocupado pelas Escolas, na priorização das linhas de formação, na organização dos currículos, na definição de clientelas e nas práticas pedagógicas desses mesmos cursos, que no Montes Claros o espaço próprio e adequado para desenvolvê-las" (Santos, 1995:36).

interior das Escolas se relacionavam com as conjunturas.

A posição institucional das Escolas no Ministério da Saúde ou na Universidade de São Paulo- USP, parece ter influenciado o desenho das programações e as condições de participação dos docentes em atividades voltadas para a formação dos profissionais dos serviços de saúde.

Na USP, o professor “entrava, tinha tempo para fazer mestrado, doutorado e livre docência.

Entre a entrada e a chegada no topo da carreira eram 5 concursos, depois reduzido para 4...a primeira referência para a organização de cursos e disciplinas é o que existe formalmente na Universidade....a mudança em relação à formação para os serviços começou na segunda metade da década de 80 e se cristaliza em 1990, com o avanço do SUS. Antes, a Faculdade buscava se valorizar diante da Universidade” (Entrevista nº 03 de 07/04/1998).

A dificuldade para o engajamento dos professores nas propostas de formação para os serviços expressa pelo entrevistado parece estar evidenciada na diversidade de disciplinas que compunham os cursos de Saúde Pública, diferenciando-se enquanto obrigatórias gerais e específicas. Suas características pareciam indicar que as primeiras, cumpriam um papel de profissionalização do sanitarista, enquanto as obrigatórias específicas apresentavam características mais aproximadas das linhas de trabalho dos Departamentos, ainda que, no conjunto, tenham agregado densidade e especificidade à formação do profissional dessa Escola.

A implantação da Reforma Universitária na USP colocava um dilema para os docentes da Faculdade de Saúde Pública, que queriam manter uma relação mais próxima com as demandas sociais dessa área, e que assim se expressava: intensificar a formação de recursos humanos para os serviços, ou fortalecer o processo de legitimação da Escola no interior da Universidade. A segunda alternativa requeria do professor uma postura de natureza acadêmica, com uma ampliação permanente de titulação, com vistas aos concursos e a suas promoções e a valorização de outros processos de reconhecimento acadêmico, cujos fatores não estavam ponderados pelos cursos de especialização.

A ENSP tinha também uma regra de convivência estabelecida com o Ministério da Saúde, nesse período, onde estava definido o seu papel de formadora de recursos humanos para outros órgãos de governo, fato que se refletia na definição de cursos e vagas, que eram influenciados também pelas conjunturas ou por definições de governo.

“Tinha cursos para atender às necessidades de promoções de servidores. Tinha também cursos para enfrentar doenças como a tuberculose, como também saúde mental. Eram cursos que as demandas vinham diretamente dos serviços. Eram organizados para responder com um módulo comum geral, de Ciências Sociais, e depois os caras dos serviços complementavam” (Entrevista nº

06 de 09/04/1998).

Os depoimentos revelaram uma relação importante entre o processo de programação de cursos e o cotidiano das Escolas. Expressaram critérios de demandas estabelecidas por profissionais e instituições ligadas à prestação de serviços de saúde (clientelas), que atingiam tanto a ENSP, quanto a Faculdade de Saúde Pública. De uma outra natureza, evidenciaram as necessidades impostas pela carreira universitária da USP, considerados os valores instituídos para o reconhecimento dessa atividade na carreira dos docentes.

Vale ressaltar que a natureza do trabalho escolar, notadamente da pós-graduação, requer que se valorize a formação de grupos e a definição de linhas de pesquisa, que, independente da

exigência institucional, possam representar um caminho de aprofundamento das temáticas que envolvem a problemática dos serviços. Essa dimensão diferencia as Escolas, dos Centros de Desenvolvimento de Recursos Humanos, e favorece a ampliação de sua capacidade de intervenção e de formulação de políticas de saúde, sendo portanto um fator a ser ponderado em qualquer programação de disponibilidade docente.

Na ENSP, o movimento de formação dos servidores de outras instituições públicas, passou a requerer uma resposta formal da Escola, o que também lhe garantiu uma clientela com experiência acumulada pela sua inserção nos serviços. A relação entre os cursos e esses alunos agregou à Escola uma possibilidade de interferência no processo de transformação desses serviços, retornando, como reconhecimento do seu papel, com encaminhamento de novas solicitações.

Um outro fator que mereceu destaque foi a organização curricular e de clientela dos cursos das duas Escolas, refletindo mais uma vez, duas tendências diferentes, que iam se configurando no interior do campo da saúde pública: a formação do sanitarista relacionada à sua profissão de origem, e um outro modelo, em que esse profissional se vinculava a uma nova prática profissional, com identidade própria.

A expressão dessas duas tendências apareceu relacionada aos Cursos de Saúde Pública desde 1970, que na Faculdade de Saúde Pública foram oferecidos com um bloco inicial de disciplinas classificadas como obrigatórias gerais, e um segundo grupo, de obrigatórias específicas, segmentadas por profissões com blocos de conteúdos específicos por categoria profissional, além das optativas (AnexoI, págs. 2, 3 e 4).

Na ENSP, nesse período os cursos foram multiprofissionais reunindo alunos de todas as categorias profissionais num mesmo espaço de aprendizagem, durante todo o curso (AnexoII, pág. 1).

Foi possível observar que as duas formas de organização apresentaram também uma outra dimensão, que estava ligada à formação do sanitarista e à sua profissão de origem. A primeira, ligada à Faculdade de Saúde Pública, estava representada pelo sanitarista cuja formação reforçava a sua profissão de origem, aproximando-a da Saúde Pública através das disciplinas definidas para sua área profissional. E uma segunda tendência, representada pelo modelo da ENSP, que aglutinava profissionais de diferentes áreas numa mesma experiência de aprendizagem, nos seus Cursos de Saúde Pública multiprofissionais.

Essa diferença vai influenciar o debate da formação durante um longo período, a partir de uma concepção organizativa do processo de trabalho. Na primeira tendência, o produto do trabalho do sanitarista se inseria como um complemento à relação do campo profissional respectivo, aperfeiçoando técnicas e práticas inerentes à sua formação original, sem a criação de uma identidade própria. Nesse caso, estabelecia-se um diálogo entre as duas formações, com a possibilidade do desenvolvimento de uma postura renovada daquele profissional no seu campo de origem, à luz das demandas da Saúde Pública e da sua nova habilitação profissional.

A segunda tendência pressupunha um processo de formação em que os profissionais de múltiplas origens, se integravam em todas as etapas, reconhecendo a formação original como atributo para o acompanhamento das noções a serem incorporadas, mas, principalmente, como fator de construção da interdisciplinaridade da Saúde Pública. Essa tendência concebia a organização do trabalho do sanitarista com identidade própria, e se referenciava nessa especificidade, para identificar

as noções que deviam ser atraídas para esse novo campo.

Nesse sentido, a multiprofissionalidade pode ser entendida como um elemento facilitador da construção de abordagens interdisciplinares no campo da saúde coletiva e, por extensão desse processo, como uma base a ser considerada na estruturação de novas formas de organização do trabalho e de exercício profissional do sanitarista.

Esse debate apareceu recorrente na literatura, carecendo de aprofundamento quanto às múltiplas interfaces que ele envolve, e pelo seu grau de importância para a constituição do campo da Saúde Coletiva. Pela relevância do tema, a ABRASCO publicou, em julho de 1983, um Informe sobre Multiprofissionalidade nas Residências em Medicina Preventiva e Social, construído por um grupo de trabalho constituído para esse fim específico. Suas conclusões contextualizaram essa discussão na fronteira entre serviço e ensino, relacionando-a com a noção de “equipe de saúde”, situando-a enquanto locus “onde os profissionais se integram no contato singular, na atenção individual”, prática que para o grupo de trabalho “só pode ocorrer de forma fragmentada” (ABRASCO, 1984:108).

Como forma de superação dessa noção, o documento reconheceu a multiprofissionalidade

“como alternativa organizacional dos serviços” considerando que essa prática deveria contribuir para

romper o “monopólio da prática” e para a definição de um “espaço de afirmação da Saúde Coletiva”. No terreno da produção de conhecimento o mesmo documento sugeriu que “a multiprofissionalidade

deve buscar a produção do conhecimento que torne possível encarar o processo saúde-doença e as estratégias de intervenção enquanto totalidade” (ABRASCO, 1984:108).

Numa outra vertente da organização curricular, foi possível observar que os Cursos de Saúde Pública da ENSP apresentaram especificidades no tratamento da questão metodológica cuja dinâmica, o depoimento de um dos entrevistados procurou recuperar:

“O Curso de Saúde Pública era o embrião cuidado. Esse era o nosso. Fazíamos experimentações, dávamos aulas por temas e não por disciplinas. Nele, a gente desenvolvia a metodologia de ataque e defesa, aproveitando as noções do vírus e do humano. A ligação era grande com o Curso de Saúde Pública. Era o ovo da serpente.” (Entrevista nº 02 de 05/04/1998).

A análise dos relatórios desses cursos da ENSP permitiu visualizar uma dinâmica importante da equipe docente com a questão metodológica, em que pese essa fase corresponder a um período de superação de uma crise vivenciada pela Escola, no final dos anos 60, e que resultou na demissão do Diretor e na redução da equipe, de 60 para 18 professores.13

Apesar das dificuldades de ordem política vividas pela equipe, observou-se que o Curso de Saúde Pública de 1970 adotou uma estratégia de preparação dos docentes através de um planejamento didático pedagógico dinâmico. A organização das disciplinas se fez em torno de uma temática sanitária, iniciando-se com um Seminário sobre “Situação de Saúde” que foi também tema de um documento básico. O Curso se desenvolve em 4 períodos, um dos quais dedicado à discussão de problemas enfocados pelas disciplinas. O último período corresponde a um Seminário sobre Políticas de Saúde (Anexo II, Pág. 1).

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Após a realização da 4ª Conferência Nacional de Saúde, realizada no Rio de Janeiro, onde a ENSP desempenhou um papel relevante, o Governo demitiu o Diretor da Escola criando uma crise interna que levou à demissão de muitos docentes. Os que sobreviveram se auto-denominaram “os dezoito do Forte” (Entrevista nº 02 de 05/04/98).

Seguindo uma tendência que se implantava no interior do Governo, no sentido de formar “administradores de saúde”, os coordenadores desse curso convidaram 9 professores da Fundação Getúlio Vargas, para ministrar os temas de Administração e Planejamento (Relatório SECA-ENSP).

O Curso de 1975 alterou essa forma de organização, estruturando-se em disciplinas, mas manteve um conjunto de palestras sobre temas candentes da área, no interior da disciplina de Introdução à Saúde Pública. Esse curso manteve a tradição de participação de professores externos, contando, nessa oportunidade com 18 convidados, sendo cada disciplina coordenada por um professor da Escola (Relatório SECA-ENSP).