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A fim de melhor compreender a dinâmica da Análise de Discurso, há a necessidade de conhecer melhor suas definições e pressupostos, assim como sua forma de analisar a linguagem.

Ao enxergar no Homem um ser simbólico, a Análise de Discurso considera que ele tem a necessidade de apreender a realidade à sua volta como forma de situar-se no mundo. Para isso, é necessário que ele dê significado às coisas. Isso é feito com o uso da linguagem. Aceitando a linha de argumentação de Orlandi (2002), temos, então, que a linguagem é o elemento mediador entre o Homem e a realidade que o cerca, natural e social, e, sendo assim, não pode haver comunicação sem interpretação nem interpretação sem sujeito (ORLANDI, 2001, 2002). No processo comunicativo, um sujeito emissor deseja, por alguma razão e forma, transmitir uma mensagem, uma informação, a qual está codificada por meio de símbolos, a um sujeito receptor, o qual pode estar presente ou não, ser individual ou coletivo. Como mencionado anteriormente, o próprio ato comunicativo, durante sua formulação, é fruto de um contexto, pois acaba por ser influenciado pelas condições que envolvem seus autores. Nesse ponto, entram em jogo as relações de força, de poder socialmente estabelecidas, determinando que o lugar a partir de onde o sujeito fala, constitui-se a partir do que ele próprio diz. Durante o processo comunicativo, o sujeito coloca-se no lugar do interlocutor, objetivando “ouvir” suas palavras a fim de regular sua argumentação (ORLANDI, 2002), utilizando o que se chama de mecanismo de antecipação. Isso ocorre porque o Homem, sendo um ser simultaneamente histórico e socialmente determinado, age influenciado por esses condicionantes com relação a todas as suas criações, sendo a comunicação uma delas. Assim, todas as formas de manifestação da comunicação humana são eivadas de significados, os quais nem sempre se apresentam de forma direta, explícita e de fácil apreensão (ORLANDI, 2002), isto é, para possibilitar a compreensão dos significados de um determinado discurso, há a necessidade de efetuar todo um trabalho de interpretação dos significantes implicados quando da produção da manifestação comunicativa.

A Análise de Discurso de linha francesa pechetiana que utilizamos para essa pesquisa, baseia-se nos trabalhos de Pêcheux, o qual foi responsável por desenvolver a ideia de que o discurso é um produto da ação da ideologia sobre o sujeito ao interpretar a realidade (ORLANDI, 2002). A ideologia, na interpretação da Análise de Discurso, sofre um deslocamento da formulação sociológica para a linguística (ORLANDI, 2001) e é entendida

como condição para a constituição do sujeito e dos sentidos, relação significante entre o sujeito, a língua e a realidade (ORLANDI, 2002), atuando no imaginário, permitindo a aderência das palavras às coisas, dando sentido ao mundo simbólico que envolve o sujeito, ou seja, ela condiciona a forma pela qual o sujeito identifica, apreende e interpreta a existência, criando sua realidade; é a interpretação de sentido em certa direção, determinada pela relação da linguagem com a história, a qual se dá por meio de mecanismos imaginários (ORLANDI, 2001a).

A Análise de Discurso assume, também, que o discurso é a interação entre língua e história, determinando a impressão de realidade, constituído pelos “[...] efeitos de sentidos entre locutores [...]” (ORLANDI, 2001a, p.42). É um processo contínuo e inesgotável, um

continuum que se remete a discursos anteriores (o fenômeno de memória discursiva ou interdiscurso, a relação entre o discurso atual e os anteriores) e permitirá discursos futuros. Os sentidos também não são rigidamente delimitados, pois são o resultado de processos de deslizamentos, ou seja, de ressignificação, em relação aos sentidos gerados pelo interdiscurso. Tais processos referem-se às formas pelas quais os discursos atuais referenciam-se a discursos anteriores, o interdiscurso, e efetuam processos de esquecimentos, os apagamentos de sentidos anteriores, da memória ou do que a Análise de Discurso chama de arquivo, e efetuam alterações (os deslizamentos) nos significados, nos sentidos dos símbolos empregados anteriormente. O sujeito discursivo interpreta o discurso a partir das condições que lhe são dadas, o contexto, utilizando o que em Análise de Discurso é chamado de dispositivo ideológico, um instrumento psicológico inconsciente a partir do qual o sujeito interpreta, significa os símbolos com os quais se depara, e cria sua visão do real (ORLANDI, 2001a,p.84). Segundo Pêcheux, inconsciente e ideologia estão materialmente interligados (PÊCHEUX, apud ORLANDI, 2001a, p.47). Ante um símbolo, o Homem é levado a significá-lo (ORLANDI, 2001a), significando sua própria existência como decorrência. Negar a comunicação equivale a negar-se a significar, e, por consequência, a isolar-se da realidade.

Em decorrência das características mencionadas, a Análise de Discurso efetua análises individuais e particularizadas, como já havia sido adiantado, uma vez que a ideologia do próprio analista interfere na análise (ORLANDI, 2002), pois, segundo essa autora, todo gesto de interpretação é caracterizado pela inscrição do sujeito “[...] em uma posição ideológica [...]” (ORLANDI, 2001a, p.100), ou seja, a partir de qual posição (ou contexto) o sujeito fala. Isso cria a exigência de um afastamento do analista durante sua análise. O analista deve ver o

texto sob análise como “[...] um fato, não como um dado [...]” (ORLANDI, 2001a, p.58), como lugar de jogo de sentidos, de trabalho da linguagem (ORLANDI, 2001a). A ação interpretativa do analista se faz entre a memória formal, o que é chamado na Análise de Discurso de arquivo, e os efeitos de memória, ou seja, os interdiscursos (ORLANDI, 2001a). Ele deve contemplar, fazer uso da mediação teórica permanente, deve compreender como o discurso se textualiza, razão pela qual as condições de produção do discurso devem ser bem explicitadas. Para isso, o analista deve diferenciar-se do sujeito. Isso é possível pela construção de um dispositivo analítico pelo próprio analista, a partir do qual este poderá apoiar-se para efetuar seu trabalho, o qual vai se constituindo durante o planejamento do trabalho de análise. Tal dispositivo, ou seja, a escuta discursiva, deve explicitar os gestos de interpretação, os quais surgem em dois momentos da análise. Um deles é o momento da interpretação, que é parte integrante do objeto de análise, onde o sujeito interpreta e o analista descreve a interpretação do sujeito que constitui o sentido sob análise. O outro é o momento da descrição, pois não há descrição sem a respectiva interpretação, o que envolve o próprio analista, gerando a necessidade de o mesmo deslocar-se, afastar-se do sujeito e trabalhar na interface descrição/interpretação interferindo o mínimo possível.

Para tal, segundo Orlandi, o analista deve decidir sobre o corpus analítico, ou seja, o recorte discursivo a ser trabalhado, o que já é decidir sobre propriedades discursivas. O

corpus resulta de uma construção do próprio analista e é afetado por sua ideologia. A sua análise deve ser a menos subjetiva possível, explicitando o modo de produção de sentidos do objeto, como forma de reduzir a interferência da ideologia do analista e permitir a generalização das conclusões obtidas. A própria forma de recorte do discurso determina o modo de análise e o dispositivo teórico de interpretação produzido.

O discurso a ser analisado não deve ser confundido com a fala. A fala (ou superfície linguística) é constituída pela manifestação comunicativa direta e superficial, pelo dito e pelo não dito, pois o silêncio é um elemento importante dentro da Análise de Discurso, e o discurso, sendo uma dispersão de textos (ORLANDI, 2002), é uma prática, constituído pelas relações de sentidos geradas pela fala do sujeito, algo retirado a partir de mecanismos de análise. Para essa mesma autora, como o objeto discursivo não é diretamente acessível, pois apenas a fala o é, há a necessidade de prepará-lo para acessá-lo, o que é feito pelo processo de de-superficialização, momento em que ocorre a análise preliminar, identificando quem diz, como diz, a quem se dirige, de qual posição fala, sob que circunstâncias, entre outros.

Todas essas características citadas determinam o que se chama de “as condições de produção do discurso”, e são de grande importância para o analista. As condições de produção atuam relacionando o discurso ao contexto sócio histórico, um jogo imaginário que preside a troca de palavras.

Na sequência da análise, há uma série de procedimentos que devem ser efetuados. Primeiramente, deve se proceder da superfície linguística para o texto, gerando o objeto discursivo. Em seguida, deve se passar do objeto discursivo para a formação discursiva para, finalmente, fazer a passagem da formação discursiva para a ideológica.

Num primeiro momento, funda-se o trabalho de análise sobre os usos da paráfrase, sinonímia, do dizer e não-dizer, identificando as formações discursivas. Em seguida, deve-se relacionar as formações discursivas distintas com a formação ideológica que as rege. Deve-se atentar ao efeito metafórico, ao deslizamento de sentidos, aos mecanismos de esquecimentos, cabendo aí a interpretação do analista.

Assim, as formações ideológicas determinam as formações discursivas, o que pode e o que não pode ser dito, a partir de uma posição em dada conjuntura (ORLANDI, 2008).

A metáfora está na base de constituição dos sentidos e dos sujeitos, e é vital para os mecanismos de ressignificação (ORLANDI, 2001a). Como já mencionado, a fala é constituída pelo dito e pelo não dito; assim, há o sentido do silêncio, do não dizer, pois há sempre no dizer um não-dizer necessário. Isso decorre, entre outras coisas, das relações de poder entre os agentes discursivos. Essas relações de força são socialmente determinadas a partir da posição ocupada pelos interlocutores (ORLANDI, 2008), as quais determinam mecanismos de censura, estabelecendo silêncios que acompanham as palavras, significando- as. Isso equivale a dizer que, entre o dizer e o não-dizer, o sujeito encontra um vasto campo de atuação (ORLANDI, 2002). Assim, o analista deve reconhecer os indícios dos processos de significação e deve centrar-se não nas marcas formais, mas no modo como elas estão no texto (ORLANDI, 2002).

Todo discurso se dá em meio a um jogo de forças entre os processos parafrásicos e polissêmicos (ORLANDI, 2008). Ambos são componentes importantes do discurso, pois, enquanto o processo parafrásico responde por aquilo que se mantém, pela estabilização dos significados, a memória ou arquivo da Análise de Discurso, a polissemia atua na ruptura dos processos de significação, no apagamento da memória, nos esquecimentos e deslizamentos

necessários aos processos de ressignificação. Polissemia e paráfrase constituem dois eixos que permitem a delimitação, ainda que tênue, da significação do simbólico (ORLANDI, 2001a) e ambos processos determinam a incompletude como uma condição da linguagem (ORLANDI, 2002), e esta incompletude viabiliza o lugar do possível no discurso (ORLANDI, 2001a).

Embora não haja tipos “puros” de discursos, eles podem ser agrupados em três grandes categorias (ORLANDI, 2008): o autoritário, o polissêmico e o lúdico. Segundo essa autora, no discurso autoritário, há uma ausência do referente e inexistência de interlocutores, com um único e exclusivo agente, com polissemia contida e o sujeito assumindo a função de agente de comando, com predomínio do uso da paráfrase, na tentativa de impor um só sentido (por meio de uma contenção da polissemia); no discurso polissêmico, há um objeto presente, exposto, com participantes não expostos e que buscam o controle do referente, caracterizado por um equilíbrio entre paráfrase e polissemia, permitindo uma disputa entre os interlocutores pela possibilidade de haver mais de um sentido; e o discurso lúdico é aquele em que o objeto e os interlocutores mantém-se presentes o tempo todo, caracterizado por uma grande polissemia, permitindo uma grande variedade de sentidos.

Fizemos uso da Análise de Discurso para analisar recortes de entrevistas concedidas pelos professores e também para as falas proferidas por autoridades da SEE-SP constantes em sites oficiais e nos próprios Cadernos do Professor e do Aluno.

4 CURRÍCULO

A implantação dos Cadernos do Aluno e do Professor veio em simultaneidade com a apresentação de uma Proposta Curricular, a qual posteriormente tornou-se o Currículo Estadual das escolas públicas paulistas. Dessa forma, entendemos que os Cadernos apresentam-se como uma das decorrências do próprio currículo. Assim, consideramos ser necessário definir o que entendemos por currículo nesta pesquisa e, para tanto, lançamos mão de aportes que pesquisaram sobre o tema, a fim de obtermos condições de elaborar um entendimento com melhor embasamento relativo aos condicionantes que levaram aos Cadernos.

Currículo é um daqueles termos que frequentemente é empregado sem, todavia, uma adequada explicitação de seu significado, o que tem permitido seu entendimento sob vários enfoques e conotações, conforme mencionam Moreira e Candau:

[...] À palavra currículo associam-se distintas concepções, que derivam dos diversos modos de como a educação é concebida historicamente, bem como das influências teóricas que a afetam e se fazem hegemônicas em um dado momento. (MOREIRA; CANDAU, 2007, p.17).

Esses autores identificaram cinco formas mais frequentes de entender o termo currículo:

• os conteúdos a serem ensinados e aprendidos;

• as experiências de aprendizagem escolares a serem vivenciadas pelos alunos; • os planos pedagógicos elaborados por professores, escolas e sistemas

educacionais;

• os objetivos a serem alcançados por meio do processo de ensino;

• os processos de avaliação que terminam por influir nos conteúdos e nos procedimentos selecionados nos diferentes graus da escolarização. (MOREIRA; CANDAU, 2007, p.18).

Assim, torna-se evidente que a definição, tanto de currículo, como de políticas curriculares, por consequência, não é algo fácil. Concordamos com o ponto de vista desses autores quando afirmam que “O currículo, nessa perspectiva, constitui um dispositivo em que se concentram as relações entre a sociedade e a escola, entre os saberes e as práticas socialmente construídos e os conhecimentos escolares” (MOREIRA; CANDAU, 2007, p.22). Concordamos, também, com a concepção de currículo apresentada por Macedo, de que “[...] o

currículo como espaço-tempo de fronteira13, permeado por relações interculturais e por um poder oblíquo e contingente” (MACEDO, 2006, p.106), e também que “[...] o currículo seria um espaço-tempo de interação entre culturas” (MACEDO, 2006, p.106), pois “[...] as culturas são vistas como repertórios partilhados de sentidos [...]” (MACEDO, 2006, p.106).

Como a sociedade é, por si mesma, um elemento dinâmico, o currículo e as políticas curriculares também acabam por sê-lo, em razão de serem ambas um produto dessa mesma sociedade. Macedo (2006), estudando sobre esse tema, lembra-nos de que, apesar do fato de Dewey já falar sobre as complexas relações entre as experiências curriculares planejadas e seus documentos delineadores, foi somente a partir da década de 1960 que surgiu o que a autora chama de “[...] um movimento que buscava dar conta do ‘hiato entre os planos curriculares e a sua aplicação’” (Jackson, 1996, p.9)14.

O currículo é, então, compreendido como o elemento que delineia o que deve ser “ensinado” pela escola à nova geração. Todavia, o termo “ensinado”, propositalmente entre aspas, deve ultrapassar essa “barreira” dos conteúdos escolares, pois a educação escolar deve ir além; ao invés de simplesmente informar, deve propiciar o desenvolvimento daquele que será o futuro cidadão, pois, como afirma Lopes “[...] a educação, ao fornecer o conhecimento, é responsável pela preparação dos indivíduos” (LOPES, 2008, p.119-120).

Assim, o tipo de educação delineado pelo currículo reflete aquilo que os representantes da sociedade creem ser necessário fornecer aos educandos para que estes desenvolvam seus papéis sociais, esboçando um perfil de cultura predefinido pelos responsáveis pela gênese curricular. Concordamos com Macedo (2006) quando ela afirma que “[...] Nessa formulação, a cultura é vista como um repertório de sentidos partilhados, produzidos em espaços externos à escola” (MACEDO, 2006, p.101).

Esses sentidos surgem como produtos das relações que ocorrem no interior da sociedade, determinadas pelos embates, pelos jogos de interesse e pelas relações de poder dos diversos grupos sociais que se envolvem (oficialmente ou não) na elaboração das políticas curriculares que determinam os currículos, como mencionado por Matos e Paiva (2007):

13A noção de fronteira tem sido utilizada pelo pós-colonialismo para designar um espaço-tempo em que sujeitos,

eles mesmos híbridos em seus pertencimentos culturais, interagem produzindo novos híbridos que não podem ser entendidos como um simples somatório de culturas de pertencimentos.” (MACEDO, 2006, p.106).

É interessante perceber esse processo sob a ótica de alguns autores, entre os quais Ball (1998), Ball e Bowe (1998), Lopes (2004, 2005) ao analisarem como as políticas de currículo passam por processos de recontextualização em diferentes instâncias, pelas quais transitam, desde o nível em que são produzidas até à instância da prática, trânsito esse permeado pela interpretação de diferentes agências e grupos disciplinares, inclusive de pesquisadores de diferentes áreas.(MATOS e PAIVA, 2007, p.192).

[...] as políticas curriculares precisam ser interpretadas como redes de poder, discursos e tecnologias que se desenvolvem em todo corpo social da educação. Nos diferentes níveis e contextos pelos quais transitam os textos das definições e diretrizes curriculares, essas políticas passam por processos de recontextualização; são interpretadas e reinterpretadas continuamente. (MATOS e PAIVA, 2007, p.193).

Também para Lopes “[...] o currículo é fruto de uma seleção da cultura e é um campo conflituoso de produção de cultura, de embate entre sujeitos, concepções de conhecimento, formas de entender e construir o mundo” (LOPES, 2004, p.111).

Mas como ocorre esse processo? A pesquisa na área das políticas curriculares tem dedicado grande atenção ao tema, como mostrado por Macedo (2007), Lopes (2004, 2006, 2006a, 2008, 2012, 2013) e outros autores que têm estudos buscando compreender a dinâmica pertinente às políticas curriculares. Lopes reconhece que também as agências internacionais de fomento dedicam sua atenção ao assunto:

[...] me reportando à afirmação de uma das publicações do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID): o currículo é o coração de um empreendimento educacional e nenhuma política ou reforma educacional pode ter sucesso se não colocar o currículo no seu centro (Jallade, 2000). Pelas mudanças curriculares, o poder central de um país constrói a positividade de uma reforma muito mais ampla que a dos currículos, visando sua legitimação. (LOPES, 2004, p.110).

O fenômeno da globalização, tornando-se quase que onipresente em todas as áreas da sociedade, é entendido como fundamental para essa linha de pesquisa. Nesse sentido, Lopes (2008) discute que, na atualidade, há uma subordinação dos estados nacionais em relação às agências de fomento internacionais, o que acaba por determinar uma globalização tanto política como cultural. Como decorrência da ação dessas agências de fomento, há um discurso homogêneo e uma convergência de ações políticas impostas aos países pertencentes à periferia econômica mundial (LOPES, 2004; 2008; 2013).

Em razão dessa situação, para Lopes “[...] Toda política curricular é, assim, uma política de constituição do conhecimento escolar: um conhecimento construído simultaneamente para a escola (em ações externas à escola) e pela escola (em suas práticas institucionais cotidianas). Ao mesmo tempo, toda política curricular é uma política cultural [...]” (LOPES, 2004, p.111) e também defende que “[...] os textos das políticas de currículo só podem representar a política se forem compreendidos como parte de uma dada articulação

hegemônica, inseridos em um discurso que tenta fixar, ainda que provisoriamente, determinadas significações” (LOPES, 2012, p.706).

Essa articulação hegemônica mencionada pela autora, composta por parte da sociedade, organiza-se de forma a atuar como se representasse a totalidade social, como sendo mais do que realmente é, de certa forma impondo as concepções de um extrato social em particular a essa mesma totalidade, como está em Lopes (2012):

Toda e qualquer representação provisória da sociedade ou de qualquer outro fenômeno social é um processo metonímico, em que uma parte – uma fixação parcial – é tomada como sendo o todo a ser significado. Por isso uma representação é obrigatoriamente ideológica, uma vez que tenta expressar uma plenitude ausente e torna-se um conteúdo particular que se apresenta como mais do que a si própria (LOPES, 2012, p.708).

Ainda, segundo Lopes,“[...] Toda decisão é política e realizada em detrimento de inúmeras outras possibilidades [...]” (LOPES, 2012, p.710), de forma que “[...] Produzir um documento curricular, assim como escrever um texto educacional, desenvolver uma dada prática curricular ou defender uma tese, é se engajar em uma luta por hegemonia, lutar por uma dada fixação, uma dada representação” (LOPES, 2012, p. 712).

Concordamos com o entendimento dessa autora, segundo o qual a ideologia assume caráter de grande importância, via ação política de parte dos representantes da sociedade em defesa de seus posicionamentos. Todavia, ao invés da situação configurar-se como um campo de batalhas entre grupos de representantes sociais defendendo suas visões, a situação se encaminha para uma configuração de acomodação de interesses, como discute Lopes (2012) no trecho a seguir:

[...] Toda vez que sentidos da política de currículo são produzidos na tentativa de garantir supostos consensos a priori – cultura comum, projeto de nação, cidadania, currículo único, qualidade da educação – em vez de oportunizar dissensos, ampliar a esfera pública para que os conflitos e as diferenças se multipliquem, opera-se como se existisse um particular que definitivamente pudesse (e devesse) se hegemonizar como universal. (LOPES, 2012,p.712).

E, assim, podemos aceitar a afirmação dessa autora, segundo a qual, “[...] Tal perspectiva concebe a política de currículo como a forma de fixar um dado projeto de

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