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Lopes (2008) argumenta que as definições externas, globais, ao serem apropriadas pelas comunidades locais sofrem um processo de desterritorialização do contexto original e reterritorialização para o contexto local, e durante esse percurso ocorrem processos de tradução e ressignificação dos sentidos originais. Essa autora apoia-se no conceito de recontextualização de Bernstein:

[...] Para Bernstein (1996, 1998), a recontextualização constitui-se a partir da transferência de textos de um contexto a outro, como da academia ao contexto oficial de um Estado nacional, ou do contexto oficial ao escolar. Cada contexto é interpretado como um campo17recontextualizador pedagógico, podendo este campo

ser oficial – quando marcado pelas relações sociais a partir do Estado – ou não oficial – quando marcado pelas relações das agências externas ao Estado. (LOPES, 2008, p.27-28).

Nessa linha de argumentação (LOPES, 2008), o campo oficial guarda relações muito próximas com o campo internacional, constituído pelas agências de fomento e outros Estados Nacionais interessados com o campo produtivo, e, portanto, econômico, e com o campo de controle simbólico, ligado ao setor cultural. O campo recontextualizador não oficial é aquele

17Segundo Lopes, “[...] para a definição de campo, Bernstein se remete à concepção de Bourdieu: conjunto de

relações de força entre agentes e/ou instituições em luta por diferentes formas de poder, seja ele econômico, político ou cultural, que funciona instantaneamente como instância de inculcação e mercado onde as diferentes competências tomam preço [...].” (LOPES, 2008, p.27-28).

responsável pela produção de teorias educacionais, orientadoras das práticas pedagógicas e composto pelas comunidades de pesquisadores da área da educação, pelas universidades, congressos e revistas especializadas na área. Isso permite o estudo da transferência de sentidos de uma definição de um contexto a outro. Segundo a autora, os campos de recontextualização podem ser oficiais, como as agências de fomento, governos, esferas produtivas ou culturais, como a academia. O processo recontextualizador é possível de ser entendido como composto por algumas etapas cujos limites encontram-se parcialmente sobrepostos. A primeira etapa é a descontextualização, um processo de seleção de alguns textos em detrimento de outros, onde ocorre a descoleção dos textos. A segunda etapa é o reposicionamento, quando os textos sofrem deslocamentos de suas condições originais, sendo deslocados para objetivos distintos (questões, práticas e relações sociais). A terceira etapa vem a ser a refocalização, com os textos deslocados sendo redirecionados para focar objetivos distintos dos originais (questões, práticas e relações sociais novamente). As três últimas etapas são a Simplificação, Condensação e Reelaboração, e ocorrem quase que simultaneamente, uma vez que são o resultado dos embates dos diversos interesses que dão sustentação ao campo recontextualizador (LOPES, 2008).

Assim, todos esses processos acabam por gerar o discurso pedagógico. Este, por sua vez, segundo Lopes, apoiando-se em Bernstein, acaba constituindo-se por meio da apropriação de outros discursos, como o instrucional, referente às competências, e o regulativo, referente aos valores e regras sociais (LOPES, 2008). A ideologia insere-se nos processos formativos do discurso pedagógico por meio do discurso regulativo, o qual é hierarquicamente dominante sobre o discurso instrucional.

As relações travadas entre os diversos campos envolvidos nos embates das políticas de recontextualização se organizam segundo princípios de controle e poder dominantes naquele momento histórico. Os meios de controle podem se constituir tanto diretamente, por meio de sistemas de avaliação, por exemplo, quanto indiretamente, pelo campo recontextualizador não oficial, como a formação inicial ou continuada, livros, congressos, revistas especializadas, sempre contando com a presença mediadora do Estado (LOPES, 2008). No caso de haver uma associação entre os campos recontextualizadores oficial e não oficial, Lopes, mais uma vez amparada em Bernstein, afirma que o controle sobre o que se passa nas escolas torna-se mais efetivo e limita a ação recontextualizadora do ambiente escolar. Todavia, caso haja uma relativa liberdade ou independência entre esses campos, surgem as condições para o que a

autora chama de “arena de luta”, permitindo às escolas assumirem uma posição de maior questionamento frente àquilo que lhes é imposto. Contrariamente, quando a ação dominadora do Estado18 é maior sobre as escolas, por meio de processos tais como o controle dos currículos, uso de sistemas de avaliação e inspeção escolar centralizados, a possibilidade da ação dos campos pedagógicos recontextualizadores não oficiais ver-se-á bastante reduzida, restando como uma das alternativas, utilizar a mediação do Estado a fim de que este se aproprie de seus discursos em suas propostas oficiais. Assim, temos uma situação em que há uma multiplicidade de frações sociais, dotadas de variados níveis de poder social, propondo diferentes regimes pedagógicos (LOPES, 2008).

Recapitulando, para Lopes, a recontextualização implica em hibridização, o que faz com que os discursos percam suas marcas originais, assumindo novas formas, as quais são mescladas, permitindo a fusão de matrizes teóricas distintas, por meio do uso de processos de deslizamentos de sentidos e significados. Isso gera um grau de indeterminismo, fluidez e de caráter oblíquo do poder na ressignificação do discurso. Isso se materializa nos mecanismos de privilégios de alguns textos em detrimento de outros. No mesmo sentido, Matos e Paiva afirmam:

[...] A recontextualização por processos híbridos, conforme argumenta Lopes (2005), abre a possibilidade para pensá-la nos termos da lógica cultural da tradução, segundo a análise de Hall (2003), em que ambivalências e antagonismos acompanham o processo de negociar a diferença com o outro. O espaço simbólico da recontextualização passa a ser entendido como um espaço de negociação de sentidos e significados, visando negociar a identidade com a cultura produzida. Trata-se, todavia, de uma negociação marcada por relações assimétricas de poder, uma vez que as instâncias envolvidas têm distintas posições de legitimidade. (MATOS; PAIVA, 2007, p. 95).

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