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CAPÍTULO 4 – TÍTULOS EM EVIDÊNCIA: O ESTILO ACADÊMICO

4.3 ESTILOS DE ESTRUTURAÇÃO GLOBAL E RELAÇÕES DIALÓGICAS

4.3.1 Elementos recorrentes e nuances de sentido

Gostaríamos neste momento de destacar outros aspectos com relação aos recursos linguísticos que caracterizam escolhas estilísticas nos textos acadêmicos. Dois deles chamam a atenção, o de títulos de trabalhos iniciados com determinantes e o de títulos de trabalhos iniciados com nomes:

Quadro 38 - Títulos iniciados com artigo ou substantivo TÍTULOS

INICIADOS COM DETERMINANTES

INICIADOS COM NOMES

Total de 18 TCCS Total de 19 TCCS DETERMINANTES a, o, as, os NOMES Entremeio; Identidade; Ficção; Guerra; Aspectos; Bilinguismo; Reflexões; Diálogo; Violência; Currículo; Alterações; Gênero; Atuação; Representação; (re)leituras; Hominização; Atividades; Imaginário; Diversidade; Fonte: Elaborado pelo autor.

Essa proeminência, as regularidades estilísticas na construção dos títulos, corroborando para o efeito “título-de-gênero-científico” se produz por meio dos já diversos elementos citados, incluindo a forma como são iniciadas essas construções, elementos que reiterados nuançam cada título com o matiz do estilo acadêmico. Graças a essas recorrências tornam-se imediatamente reconhecíveis os enunciados como pertencentes a esses gêneros: Artigo, Monografia, Ensaio e as suas respectivas esferas discursivas.

As especificidades dessas enunciações são tais que não correriam o risco de ser confundidas com outras relativas a outros gêneros discursivos, mesmo se descolados de seu contexto de uso. Tal não ocorreria com gêneros que apresentassem maior plasticidade dos recursos linguísticos e composicionais. É, sobretudo, perceptível o diálogo nos mais diversos

recortes – discursivo, estilístico, temático, composicional, enunciativo etc – com elementos estilísticos caracterizadores de enunciados congêneres a esses, pertencentes aos gêneros discursivos da esfera acadêmica, principalmente os estudados no presente trabalho. Ou pelo menos esses diálogos que os títulos estabelecem no recorte estilístico (quanto à cientificidade, por exemplo, dentre outros aspectos) refletem aquilo que se tem como representação do que seja o texto acadêmico dos gêneros artigo/monografia/ensaio.

O primeiro elemento apresentado nos títulos, precedido ou não de artigo, costuma indicar o objeto de estudo do trabalho, ou alguma relação com este objeto. A partir já das primeiras palavras o leitor tem a oportunidade de entrar em contato com o que há de mais fundamental no trabalho, “nós aprendemos a moldar o nosso discurso em forma de gênero e, quando ouvimos o discurso alheio, já adivinhamos o seu gênero pelas primeiras palavras.” (BAKHTIN, 1997, p. 283, grifo nosso).

Apesar de autores como Camargo et al. (s/d) sugerirem que “As palavras a, um e o, sempre que possível, também devem ser evitadas, pois pouco acrescentam ao título do artigo, além de serem desnecessárias no momento de indexá-lo (p. 02, grifo dos autores)79, acredito que alguns sentidos não seriam possíveis sem o uso do artigo. Enquanto que em alguns títulos a ausência do determinante alteraria o sentido gerado pelo enunciado, em outros, sua presença, por mais que admissível, seria prejudicial para os sentidos pretendidos.

Vejamos os títulos nº 03 e nº 04 deste corpus, para ilustrar a questão. Em ambos se admite tanto a presença quanto a ausência do artigo, no entanto, a presença ou não do artigo, não nos parece gratuita nem dispensável na constituição do enunciado. A ausência da determinação operada pelo artigo pode ser pretendida ou vice-versa; a determinação é que pode ser visada. As gramáticas em geral postulam que o artigo definido denota determinação dos nomes, dando-lhes indicação precisa, individuando um nome, além de lhe caracterizarem o gênero e o número. Todavia, o que notamos sobre o uso dos artigos nesses títulos é um acento marcadamente enunciativo.

No título nº 03, a determinação é fator fundamental na produção de sentidos dessa enunciação:

79

CAMARGO, M, F, A et al. Caminhos para publicação. ABLimno. Disponível em

nº 3

A RELEVÂNCIA DO PIBID NA EDUCAÇÃO BÁSICA: REFLEXOS A PARTIR DA EXPERIÊNCIA NO CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS-FRANCÊS DA UEPG

Sem o artigo definido “a”, o vocábulo “relevância” ficaria suspenso no ar. Opera-se então uma especificação, já que “Relevância” poderia soar muito genérico sem o artigo, e isso não seria interessante destoando dos objetivos do trabalho. A presença do artigo faz com que relevância assuma uma conotação mais definida e precisa, com contornos claros e bem tangíveis, dando-lhe concretude. Por isso, a utilização dessas partículas não tem meramente papel acessório ou normativo, mas função argumentativa e persuasiva, com papel fundamental na construção da argumentação em torno da tese central do trabalho como um todo.

Por outro lado, se em um enunciado a determinação é importante e até pretendida, em outro poderá ser negativa. É o que ocorre no título nº 04.

nº 4

DIVERSIDADE LINGUÍSTICA NO ESTADO DO PARANÁ: UM LEVANTAMENTO E ANÁLISE DE ESTUDOS ACADÊMICOS REALIZADOS

É interessante apresentar o termo “Diversidade” com imprecisão, pois a presença do artigo tornaria unívoco o sentido de algo que se pretende heterogêneo e múltiplo. De cunho enunciativo a indeterminação do termo é justamente um dos efeitos de sentido operados pela ausência do artigo, sendo a mesma não aleatória, mas possivelmente pretendida.

As outras ocorrências no início dos títulos são bastante irrisórias se comparadas àquelas de determinantes e nomes, são elas, advérbios, verbo no infinitivo, no gerúndio e no particípio, preposição, advérbio interrogativo, pronome interrogativo. Os títulos do nosso corpus não apresentam pronomes em nenhum caso, não há elementos dêiticos. Isso se explica pelo fato de os títulos tenderem ser “autorreferenciais” e suficientes, bastando a si próprios mesmo que necessariamente se encontrem em constante diálogo com outros enunciados. Já vimos como essa característica autorreferencial dos títulos é apenas aparente, visto a heterogeneidade constitutiva inerente ao enunciado.

Segundo Braga; Pereira (2016, p. 1509), “Ao tentar adequar seu discurso às práticas acadêmicas, o aluno procura aderir aos Discursos Dominantes legitimados pela universidade”, ele

vê a necessidade de utilizar um “repertório linguístico adequado a cada departamento, disciplina e áreas temáticas, como uma das principais características das práticas de letramento acadêmico.”. Os elementos que vêm sendo destacados com relação aos títulos, parecem ser fundamentais para a composição estilística desses títulos, pois os torna reconhecíveis como pertencentes a determinada esfera, impregnando-lhes os sentidos de um “ar” caracteristicamente pertencente à esfera acadêmica.

Outro processo recorrente é a nominalização que se opera nos trabalhos. Observe-se os dados da tabela abaixo:

Quadro 39 – A ausência de verbos nos títulos TÍTULOS

COM VERBO SEM VERBO

06 Ficando Está Queerezando Ser São/é Realizado 40

Fonte: Elaborado pelo autor.

O que se pode depreender desses dados é a quase completa ausência de verbos nos títulos, assim como de sujeito. Com exceção de parcos casos de construções com sujeitos indeterminados e inexistentes – de acordo com as prescrições da gramática tradicional – cerca de 90% não o apresenta. Percebe-se que a ausência de sujeito é um fator quase que intrínseco aos enunciados-títulos dos trabalhos acadêmicos distribuídos entre textos dos gêneros Artigo, Monografia, Ensaio. Os títulos, quando apresentam verbo, ainda têm a característica de não aparecerem flexionados em nenhuma pessoa ou tempo do modo indicativo, sendo todos impessoais, consoantes à tendência já indicada de nominalização nos títulos acadêmicos. O uso de nominalizações permite ao acadêmico apresentar os resultados e os métodos, assim como os objetivos do trabalho, “sem se colocar no fluxo informacional do texto, dando à linguagem um caráter mais abstrato e mais elaborado.” (BARBARA; MORAIS, 2018).

No entanto, as estratégias de nominalização não se restringem ao título, sendo praticamente onipresentes em diversos momentos dos textos analisados, em seus diversos constituintes composicionais, como nos resumos, nas introduções, títulos e seções de metodologia e análise, e nas conclusões. Como uma constante nesses textos, refletem os

discursos que evidenciam a necessidade de impessoalidade, objetividade e neutralidade nos textos acadêmicos.

Esta investigação não se propõe a observar as tendências de processos nominalizacionais em cada componente das construções composicionais dos trabalhos, todavia, pude observar estratégias de nominalização em praticamente todos os resumos, com exceção de alguns que optam pela pessoalização e onde existe a opção de o enunciador se introduzir em sua enunciação, como poderemos observar no capítulo em que analiso os resumos.

Devo destacar que não significa que onde preponderem as estratégias de impessoalidade, e despersonalização do discurso, não haja marcas de posicionamentos dos sujeitos, ressonâncias dialógicas de acentos apreciativos diversos. O fato de o texto apresentar essas estratégias não o exime das marcas de subjetividade, índices de acentos axiológicos, interpelações ideológicas, sociais, culturais e históricas, elementos que dialogam com aspectos referentes a produção de sentidos, autoridade, poder e identidade.

Defendo a impossibilidade da neutralidade, univocidade e homogeneidade no discurso, pois, sempre haverão de sulcar o enunciado nuances variadas de acentos apreciativos diversos, oriundos das mais diversas esferas discursivas, bem como diferentes aspectos estreitamente vinculados a questões de subjetividade e identidade. Tomo, tanto a pessoalização quanto a impessoalização, como estratégias discursivas, elementos estilísticos e marcas dos gêneros discursivos, bem como elementos indissociáveis de questões de poder e autoridade, isto é, regimes de autoridade que legitimam formas tidas como formas de cientificidade.

As regularidades encontradas indicam que seria impossível realizar uma distinção apenas por meio dos títulos, de modo que não se pode falar em títulos característicos de apenas um dos três gêneros analisados.80

Os dados nos indicam algumas nuances identificáveis nos títulos dos Ensaios, quais sejam, um desprendimento um pouco mais acentuado, certa flexibilidade e liberdades estilísticas em comparação aos títulos dos dois outros gêneros, nuances essas encontradas também em títulos de trabalhos da área de literatura, independentemente do gênero a que pertençam, de modo que ensaiar, ou escrever um texto do gênero Ensaio parece se confundir com o aspecto de um fazer literário. Isso não está muito longe da observação de Lazzarini (2016, p. 27), no manual o Ensaio

80 Talvez - cogitamos a hipótese - seja possível realizar essa consideração no que tange aos títulos de ensaios acadêmicos.

seria “um texto situado nas fronteiras entre o filosófico e o literário, expondo ideias, especulações, críticas reflexões sobre uma determinada temática.”.

O fato de a maioria dos títulos iniciar com artigo ou substantivo, de não possuírem verbos, faz com que todos ressoem estilisticamente conformes. Acresça-se a isso a questão da bi- estruturação, construção em dois tempos, subtitulada: o que é válido para os títulos principais é também válido para os subtítulos todos iniciam ou com artigo adjunto a um substantivo ou com o substantivo, somente. A estrutura do título principal se replica no subtítulo, com especial preferência para o artigo indefinido no início (diferentemente do título principal em que não há ocorrência de artigo definido), conferindo-lhes uma entonação comum bastante peculiar.

Devemos dar ênfase ao uso dos dois pontos no caso das construções subtituladas, o qual é, majoritariamente, utilizado para introduzir o subtítulo, segundo Dahlet (2006):

qualquer que seja o lugar de ocorrência desse sinal, intracláusula, intercláusula ou interfrásico, sua função é única e constante. Ele divide, de ambos os lados, o tema e o rema. O tema corresponde ao ‘dado’ [...] ao passo que o rema corresponde ao ‘novo’. Nessa perspectiva, os /:/ constituem um operador do ‘dinamismo comunicativo’. (DAHLET, 2006, p.174)

Outra das regularidades entre os títulos é a quase onipresente ocorrência da conjunção “e” no interior dos títulos estabelecendo uma bipartição na enunciação dispondo lado a lado pares em oposição e/ou relação de dualidade, funcionando como um elemento mais coordenativo do que aditivo. Uma vez que o segundo elemento do segmento não é mera adição de informação, ambas as informações, tanto precedentes quanto posteriores à conjunção, possuem status semelhantes postos em coordenação.

Em 26 títulos do nosso corpus, a conjunção “e” foi encontrada com efeitos de sentido idênticos ou semelhantes para todas as 26 ocorrências. Destas 26, três faziam parte da composição dos títulos de obras citadas no título, portanto não constituintes dos títulos, em sentido estrito. Do restante, dois títulos apresentam duas ocorrências da conjunção, uma no título principal outra no subtítulo. De acordo com Bechara (2009, p. 578), a conjunção “e” “por ser mero conector das orações, tem por missão semântica apenas adicionar um conteúdo de pensamento a outro. Por isso, é denominada conjunção (= conector) aditiva.”.

Não foi exatamente o que observamos no corpus deste estudo. Das 23 ocorrências funcionais da conjunção, 11 não apresentam a função descrita pelo gramático, trata-se dos títulos

nº 02, nº 09, nº 17, nº 18, nº 19, nº 22, nº 34, nº 37, nº 43, nº 44, nº 4681, nos quais se percebe que a conjunção não adiciona mais um elemento ao enunciado e, sim, estabelece efeito de contraste, onde aparecem justapostos pares contrários, como em “entre o morro e o asfalto”, “sentidos produzidos pelos sujeitos favelados e os sujeitos fardados”, “menas intolerância e menos preconceito”, “entre ditos e não-ditos”, “o método científico e o preconceito linguístico”. De comparação como em “o diálogo entre jonquet e almodóvar”, “uma comparação entre malévola e sol, lua e tália”, “entre a literatura e o cinema”, ou de relação entre dois elementos em que um altera o outro “a humanização e a linguagem”, “ficção, história e protagonismo feminino”, “violência e infância”, “gênero e narrativa”, “ponte entre o ensino e a inclusão escolar”.

As outras 12 ocorrências da conjunção se dão nos títulos nº 04, nº 05, nº10, nº 30, nº 31, nº 32, nº 38, nº 41, nº 4582, nas quais o “e” surge com funções mais próximas à aditiva, onde se imbricam nuances de sentido diversas, como em “subjacente à série de vídeos não seja burro e aos comentários dos interlocutores na rede social”, “a definição de texto e sua importância na formação”, “os Sapatinhos Vermelhos de Andersen e suas simbologias”, “currículo, diversidades

81 nº 2 “O ENSINO DE GRAMÁTICA COMO CIÊNCIA UMA REFLEXÃO SOBRE O MÉTODO CIENTÍFICO E O PRECONCEITO LINGUÍSTICO”; nº9 “DA LITERATURA PARA O CINEMA: O DIÁLOGO ENTRE JONQUET E ALMODÓVAR”; nº17 “A OUTRA FACE DA HISTÓRIA: UMA COMPARAÇÃO ENTRE

MALÉVOLA E SOL, LUA E TÁLIA”; nº 18 “ENTRE DITOS E NÃO-DITOS: A LEITURA DE NOTÍCIAS À LUZ

DA ANÁLISE DO DISCURSO”; nº 19 “MENAS INTOLERÂNCIA E MENOS PRECONCEITO LINGUÍSTICO: UM ESTUDO DAS ATITUDES LINGUÍSTICAS DOS ALUNOS DOS CURSOS DE LETRAS”; nº 22 “ATUAÇÃO DA LÍNGUA FRANCESA COMO PONTE ENTRE O ENSINO E A INCLUSÃO ESCOLAR”; nº 34 “VIOLÊNCIA E INFÂNCIA EM “GAVIÃO VEIO DO SUL E PUM!”, DE BOAVENTURA CARDOSO”; nº 37 “DIÁLOGO ENTRE A LITERATURA E O CINEMA A PARTIR DA OBRA LARANJA MECÂNICA”; nº 43 “GUERRA ÀS DROGAS – ENTRE O MORRO E O ASFALTO: ANÁLISE DOS SENTIDOS PRODUZIDOS PELOS SUJEITOS FAVELADOS E OS SUJEITOS FARDADOS”; nº 44 “FICÇÃO, HISTÓRIA E PROTAGONISMO FEMININO NA OBRA ‘AS ESPIÃS DO DIA D’” ; nº 46 “A HUMANIZAÇÃO E A

LINGUAGEM”.

82 nº 4 “DIVERSIDADE LINGUÍSTICA NO ESTADO DO PARANÁ: UM LEVANTAMENTO E ANÁLISE DE

ESTUDOS ACADÊMICOS REALIZADOS”; nº 5 “IMAGINÁRIO LINGUÍSTICO NO FACEBOOK: UMA ANÁLISE DA NOÇÃO DE LÍNGUA SUBJACENTE À SÉRIE DE VÍDEOS NÃO SEJA BURRO E AOS COMENTÁRIOS DOS INTERLOCUTORES NA REDE SOCIAL”; nº 10 “A JORNADA DO HERÓI NA SAGA

TRONO DE VIDRO: UMA DISCUSSÃO SOBRE O ESTRANHO E O GROTESCO NA NARRATIVA DE

SARAH J. M”; nº 30 “O DISCURSO DO ACADÊMICO SOBRE A DEFINIÇÃO DE TEXTO E SUA IMPORTÂNCIA NA FORMAÇÃO DO FUTURO PROFESSOR”; nº 31 “OS SAPATINHOS VERMELHOS DE ANDERSEN E SUAS SIMBOLOGIAS”; nº 32 “CURRÍCULO, DIVERSIDADES DE GÊNERO E SEXO: A HISTÓRIA DOS CURRÍCULOS DE LETRAS DA UEPG (1952-2015)”; nº 38 “ONDE ESTÁ A POLIDEZ? ANÁLISE DOS LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO FUNDAMENTAL (6º E 7º ANOS) DA REDE PÚBLICA DO ESTADO DO PARANÁ”; nº 41 “BILINGUISMO E EDUCAÇÃO BILÍNGUE: CONCEPÇÕES E IMPLEMENTAÇÃO DE UMA ESCOLA BILÍNGUE EM PONTA GROSSA”; nº 45 “IDENTIDADE NEGRA E SUAS RELAÇÕES SEMIÓTICAS DE PERTENCIMENTO A PARTIR DE ENCARTES PUBLICITÁRIOS”.

de gênero e sexo”, “6º e 7º anos”, “concepções e implementação de uma escola bilíngue”, “identidade negra e suas relações semióticas”. Juntamente com esse papel caracteristicamente aditivo, nos exemplos citados, a conjunção parece apresentar uma característica de recorte, restrição, relação e especificação.

Outro recurso linguístico utilizado pelos acadêmicos que chama a atenção é o número considerável, e não aleatório, de ocorrências do conector “Entre”. São seis em seis títulos, todas cumprindo o mesmo papel, que é justapor duas situações, duas instâncias, dois pares antitéticos. Estabelecer comparações, como por exemplo: dois autores representantes de áreas distintas “entre Jonquet e Almodovar”, um de literatura outro cinema; duas versões de uma mesma obra literária “entre Malévola e Sol, lua e tália”; duas noções opostas “entre ditos e não-ditos” ; pontes de contato entre duas instâncias separadas ou distantes “entre o ensino e a educação escolar” ; a intercomunicabilidade de gêneros artísticos diversos “entre a literatura e o cinema” ; duas realidades diferentes “entre o morro e o asfalto”.

As ideias predominantes são as de diálogo, comparação, ponte entre duas instâncias distintas, intermediação entre instâncias antagônicas, entre duas esferas conflituosas, em embate, choque ou mesmo confrontadas, o que demonstrou ser bem usual nos títulos. Estabelecer duas situações em contraste, oposição, relação, comparação, diálogo, embate, confronto, conflito, antagonismo, distanciadas, ou aproximar, estabelecer semelhanças e diferenças, esses recursos de bipartição, de dicotomização, produção de binômios, antinômios é um recurso largamente utilizado na estruturação dos títulos, se não pelo uso da preposição, por meio do uso de conjunções coordenativas83 “e” e “ou”, que, como vimos, em um número notável de casos produz sentidos de contraposição/justaposição de dois termos, duas instâncias, duas situações, duas realidades. Esses processos de justaposição ou contraposição são, acima de tudo, processos enunciativos e discursivos.

Tais processos incidem em, praticamente, 90% dos títulos, demonstrando ser um recurso bastante adotado pelos acadêmicos e acadêmicas. A “coordenação” parece ser um elemento estilístico e mesmo enunciativo de construção predominante dos enunciados dos títulos dos

83 Entendo que considerar esses elementos como meramente coordenativos pode apagar, ou camuflar os diversos efeitos de sentido (muitos deles aqui expostos), sobretudo, com respeito a relações antagônicas, com forte acento valorativo, ideológico tais como “violência” sendo justaposta à “infância”, como se houvesse alguma inocência nessa junção por meio de elementos “meramente” aditivos e coordenativos. Mais do que isso, a utilização desses recursos vem marcada por um uso enunciativo, e é a partir desse ângulo que se podem reconhecer essas diversas nuances de sentido, fundamentalmente, valorativas, com vínculos ideológicos.

trabalhos acadêmicos que compõem nosso corpus de análise. Outros elementos lexicais são bem recorrentes nesses títulos, os quais evidenciam outros ângulos da construção desses títulos. Vejamos no quadro abaixo quais são:

Quadro 40 – Elementos sintático-lexicais recorrentes nos títulos

CONECTIVOS Nº DE OCORRÊNCIAS Entre 06 A partir de/a/o 06 Sobre 06 Para 06 No 09 Na 11 Em 11 Do 41 Da 23 De 47

Fonte: Elaborado pelo autor.

Todas as seis ocorrências do elemento lexical “a partir de/a/o” apresentam a locução produzindo sentidos “idênticos”, expressando lugar de partida, um sentido espacial de local de onde se parte. Nenhuma ocorrência dessa locução no corpus se deu com sentido temporal, porém, de cujo lugar se parte para empreender uma análise e/ou reflexão, apontando para o embasamento teórico, ou onde se quer destacar algum elemento a partir de uma obra (as mãos de preto, Laranja mecânica), a partir de um documento (currículo do curso de Letras, Pacto de San Juan), a partir de um corpus de análise (encartes publicitários), a partir de observações de campo (experiência no curso de Licenciatura). Trata-se, portanto, sempre de uma discussão, uma problematização, algum aspecto que merece ser abordado a partir de um lugar específico e legítimo, onde a questão, o problema, o assunto, a discussão, algum elemento levantado no título esteja presente, de forma explícita ou não. A locução, como se pode verificar, está estreitamente vinculada, sobretudo, à ideia de corpus, de materialidade, de objeto de estudo. O que sugere que as discussões não se restringem a uma mera reflexão, mas estará circunscrita a um espaço concreto, real e efetivo de prática, conferindo-lhe concretude, legitimidade, realidade.

Ademais, há sentidos diversos vinculados a esse componente – o nome da obra x, y, z, do documento a ou b, do corpus x ou z ou de determinada experiência pessoal –, cada um desses elementos é produtor de sentido no título, reverberam processos interlocutivos específicos, dialogam com discursos diferentes, de diferentes esferas. Além disso, participam imbuídos na

produção de sentido aspectos pertinentes à autoridade, ressonâncias e tonalidades incidindo no enunciado, ligadas ao poder, ao endosso que uma obra, um documento, um determinado corpus, ou a experiência pessoal comportam, nos quais se depreende a não homogeneidade dos processos interlocutivos sob a aparente homogeneidade das áreas e das esferas discursivas, demonstrando a heterogeneidade de que estas se constituem, conforme verificado quando foram agrupados os trabalhos em três esferas discursivas e observou-se que essas mesmas eram constituídas por uma gama bastante heterogênea de (sub)áreas. Esses lugares discursivos têm tonalidades dialógicas particulares específicas para cada esfera, ressoam, também, diferentemente em esferas diferentes,

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