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elissandra toscano barreto nogueira verard

INTRODUÇÃO

A angústia aflorava nas visitas, em 2015 e 2016, ao Centro Socioeducativo de Internação (Cesein), único centro de cumprimento da medida socio- educativa  de internação no estado do Amapá, localizado na capital, Macapá. Essa instituição abriga socioeducandos, adolescentes e jovens até os 21 anos de idade em cumprimento de medida socioeducativa de internação  de todos os municípios do estado, vindos de cidades como Oiapoque, 574 quilômetros distante do Macapá, e Vitória do Jari, a 166,3 quilômetros, além de outros 14 municípios, incluindo a capital.

O sentimento descrito advém dos alojamentos estruturados como celas, da falta de atividades adequadas, da ausência de perspectiva dos adolescentes lá internados e de outras mazelas observadas nos aspec- tos estrutural e humano dessa instituição. Não há recursos suficientes para abarcar todos os direitos e deveres descritos no Estatuto da Criança e do Adolescente (Ecriad) de 1990, evidenciando-se apenas o cercea- mento de liberdade dos jovens nos moldes da prisão. (BRASIL, 2014, p. 10) Questiona-se se em todos os estados e no Distrito Federal a mesma defici- ência se apresenta, e como os jovens internos lidam com as deficiências já relatadas, e se o sistema, tal como se apresenta, atende a finalidade peda- gógica da medida aplicada.

Remontam ao século XIX os debates quanto à finalidade das penas impostas aos chamados criminosos, incluindo o modo de funcionamento das instituições prisionais, as quais encarceravam também adolescen- tes. (PADOVANI; RISTUM, 2016) Diante da situação degradante e cruel, os direitos humanos ganharam força em diversos países e instituições internacionais, originando diversos tratados para supostamente humani- zar o sistema penal e o viria a ser o sistema socioeducativo. (PADOVANI; RISTUM, 2016) Isso pode ser verificado, por exemplo, nas Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade (1990) e Regras de Mandela. (BRASIL, 2016)

O Ecriad, em 13 de julho de 1990, trouxe grandes inovações ao Código de Menores 1979. Ressaltou-se, no estatuto em vigor, a intenção protetora dos princípios e garantias que o regem e instalou-se a dicotomia entre as crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade pessoal e social e aqueles autores de atos infracionais, transformando-os de objetos a sujei- tos de direitos. No primeiro caso, entendem-se aqueles que sofreram ame- aça ou violação de direitos e garantias, por ação ou omissão do Estado, da sociedade e/ou dos pais e responsáveis, ou abuso por parte destes últi- mos. (BRASIL, 1990) Por outro lado, o adolescente em conflito com a lei é o autor de ato infracional, assim definido o ato tipificado como crime e con- travenção penal, declarado após o devido processo legal. (BRASIL, 1990)

Apesar dessa dicotomia, o Ecriad garantiu a toda criança e adoles- cente, assim entendidos, conforme critério biológico, como “a pessoa até doze anos de idade incompletos” e “aquela entre doze e dezoito anos de idade” (BRASIL, 1990), respectivamente, sem distinção de classe social, raça ou credo, expressamente:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos funda- mentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de

que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. (BRASIL, 1990, grifo do autor).

Surgiram, dessa forma, as medidas protetivas e socioeducativas a ser aplicadas aos dois grupos, nessa ordem. Entretanto, diante do caso individu- alizado, poderá o Magistrado aplicar as medidas protetivas aos adolescentes em conflito com a lei (BRASIL, 1990), reforçando os princípios do ECRIAD.

No revogado Código de Menores de 1979, conforme Paula (2014, p. 33), o encarceramento de jovens era visto como política pública com a “mis- são de educar” as crianças e os adolescentes abandonados e “delinquen- tes”, além de modelo de combate à violência e à criminalidade, desde o primeiro Código de Menores, de 12 de outubro de 1927. Foi na vigência da referida norma legal que houve uma centralização dos serviços ditos de assistência e o “enraizamento do modelo de encarceramento ao longo do século XX”. (PAULA, 2014) Era direcionado especialmente às crianças e aos adolescentes das camadas mais humildes da população, chamados de “menores”, em contraste com outras crianças e adolescentes.

Em quase 27 anos da vigência do Ecriad e de avanços, mais teóricos do que fáticos, vislumbrou-se que direitos e garantias constitucionais e internacionais não são cumpridos pelo próprio Estado, guardião dos ado- lescentes internados em centros de custódia. As instituições menciona- das podem abrigar adolescentes de 12 anos completos e jovens de 21 anos incompletos, conforme previsto no artigo 2º do Ecriad. O isolamento dos socioeducandos da sociedade e a forma como são organizadas essas insti- tuições levaram vários autores a compará-las ao terceiro tipo das institui- ções totais de Goffman (2001, p. 16-17) por Rosa (2013, p. 22) e Padovani e Ristum (2016, p. 611), para quem o controle, a vigilância das muitas neces- sidades humanas e a administração focada rigidamente nos objetivos ins- titucionais levam à “mortificação do eu”. (GOFFMAN, 2001, p. 24)

Logo, o presente trabalho investigou, dentro dos limites descritos, o cumprimento das medidas socioeducativas pelos adolescentes e jovens nos centros de internação, instalados nas Unidades Federativas do Brasil. Apesar de não obter dados com relação a todos os entes federativos, perce- beu-se que o descumprimento de direitos e garantias fundamentais per- siste em maior ou menor intensidade naqueles centros de cumprimento de medidas socioeducativas de internação.

Para tanto, inicialmente discutiram-se as finalidades da medida de internação, comparando o ideal normativo à realidade apresentada nas

pesquisas analisadas, em seguida foram debatidas as estratégias de sobre- vivência dos adolescentes submetidos a esta medida socioeducativa para, por fim, discutir alguns caminhos para a modificação do caráter punitivo que essas medidas apresentam na realidade.

Para desenvolvimento deste capítulo foi realizada uma revisão de literatura tomando como base obras de referência para o assunto sele- cionadas a partir de critérios de relevância, bem como artigos encon- trados no banco de dados do Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Neste último caso, foram utilizados os descritores “medida E socioeducativa E internação” para delimitar a pesquisa. Ressalta-se que não foi restringido o período da publicação dos estudos, pois pretendia-se obter artigos publicados rela- cionados ao cumprimento da medida de internação no maior número de Unidades da Federação.

FINALIDADES DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO: