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elite política cearense nos anos de 1870 Segundo Ana Carla S Fernandes:

O jornal demonstrava ser mecanismo de comunicação, de apresentação social, política e partidária, de defesa às criticas da oposição, de associação e de divergência. Quando ocorriam cisões entre partidos, tratava-se logo de criar outro periódico (...).53

O pode ser considerado, também, para reforçar a preferência pelos jornais como fonte principal para este trabalho, é a amplitude e a diversidade com que os periódicos abordam a arena política, não só discorrendo sobre os vários entraves entre liberais e conservadores, mas fazendo isso de maneira abrangente, mostrando as querelas na capital, no interior, nas outras províncias e na corte. Além de mostrar os embates políticos em diversos níveis de poder, o jornal era

usado para fundamentar esses embates, para transcrever pronunciamentos parlamentares e pareceres de comissões locais e nacionais e para publicar artigos editoriais, cartas de “(e)leitores” e matérias de correspondentes.

Essa questão da identificação entre imprensa e política partidária, ou melhor, da identificação entre formas eficientes de expressão do poder e elite política, merece destaque também em José Murilo de Carvalho, no seu trabalho sobre a elite política imperial. Carvalho diz que:

(...) O Império foi certamente o período da historia brasileira em que a imprensa foi mais livre. Mas ela não se constituía em poder independente do governo ou da organização partidária. Havia certamente algumas folhas livres (...) Mas eram poucos e com raras exceções não duravam muito. A grande maioria era vinculada mesmo a partidos ou mesmo a políticos. O governo tinha sempre seus jornais, o mesmo acontecendo com a oposição. Os jornalistas lutavam na linha de frente das batalhas políticas e muitos deles eram também políticos. (...) A imprensa era, na verdade, um fórum alternativo para a tribuna, importante principalmente para o partido na oposição muitas vezes sem representação alguma na Câmara. (...) A imprensa era importante e influente como instituição, mas os jornalistas como tais não pareciam constituir um grupo de elite à parte da elite política. 54

O rico proprietário, o bacharel, o burocrata, o intelectual, o jornalista, enfim, o membro da elite política, podia com muita facilidade ser encontrado na mesma pessoa, reforçando mais ainda o caráter excludente da elite política cearense.

Para além das questões de ordem estritamente política, os jornais mostravam um lado “mundano”, com a atuação dos clubes, das sociedades, agremiações e associações, que agitavam o meio elitista da capital e do interior, com suas festas e banquetes e um lado econômico, anunciando os vapores recém-chegados e saídos e suas mercadorias, símbolos do refinamento, do progresso e da civilização, que estavam chegando pelos lados de cá, com cada

54 CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem: a elite política imperial. Rio de Janeiro: Campus, 1980, p. 44.

vez mais freqüência. O comércio fervia de novidades: manteiga inglesa, charutos finos, vinhos superiores, queijos franceses, etc.55

Com a valorização dos jornais, exposta até agora, é preciso ressaltar que

Nas relações da História com a Imprensa destacamos dois grandes campos de estudo. O primeiro que chamamos de História da Imprensa, busca reconstruir a evolução histórica dos órgãos de Imprensa e levantar suas principais características para um determinado período. O segundo campo-objeto do presente artigo – é a História Através da Imprensa, englobando os trabalhos que tomam a imprensa como fonte primaria para a pesquisa histórica. (...)

Partimos da hipótese geral que a Imprensa age sempre no campo político-ideológico e portanto toda pesquisa realizada a partir da análise de jornais e periódicos deve necessariamente traçar as principais características dos órgãos de Imprensa consultados. Mesmo quando não se faz História da Imprensa propriamente dita – mas antes o que chamamos Historia Através da Imprensa – está-se sempre esbarrando nela, pela necessidade de historicizar os jornais.56

A folha liberal, Cearense, começou a ser impressa em outubro de 1846 e teve seu último número publicado em 25/02/1891. Outros dois jornais liberais o antecederam, o Vinte e três de Julho (1840) e o A Fidelidade (1844), e serviram de base para ele. Foram Frederico Augusto Pamplona (Frederico Pamplona), Tristão de Alencar Araripe (Tristão Araripe) e Thomaz Pompeu de Sousa Brasil (senador Pompeu), que redigiram e dirigiram o A Fidelidade, e fundaram o Cearense, com a participação dos redatores Miguel Ayres, João Brígido dos Santos (João Brígido), Dr. José Pompeu de Albuquerque Cavalcante (Dr. José Pompeu), Antônio Joaquim Rodrigues Júnior (Conselheiro Rodrigues Júnior) e João Eduardo Torres Câmara (João Câmara), que atuou como gerente até 1880”. Ele sempre foi impresso em Fortaleza, no início em tipografia contratada e depois em tipografia

55 A relação dos produtos comercializados, durante a década de 1870, pode ser encontrada com muita facilidade em qualquer um dos jornais pesquisados, Cearense ou Constituição, na parte dos anúncios comerciais.

56 ZICMAM, Renée Barata. História Através da Imprensa – Algumas Considerações Metodológicas. Revista Projeto História. São Paulo: Editora da PUC/SP, n.o 4, p. 89 e 90, junho/1985. In FERNANDES, Ana Carla Sabino. Op. Cit., p. 49 e 50. Essas considerações de Zicmam e o preciso destaque e desenvolvimento que Fernandes lhes atribuiu foram fundamentais para que nós pudéssemos desenvolver uma História Através da Imprensa, mesmo que de forma modesta.

própria. Seus exemplares começaram a sair uma vez ou mais por semana, dependendo da necessidade e dos imprevistos, e depois passaram a ser diários e eram vendidos avulsos ou por assinaturas na capital, no interior e no exterior, à medida que os anúncios aumentavam e os (e) leitores o respaldavam como um periódico que tinha “o desejo de estima e de boa opinião”.57

Mas nem tudo foi tão uniforme no “reino dos liberais”. Em 1877, por ocasião da morte do senador Pompeu, os liberais dividem-se em duas alas: a dos liberais pompeus e a dos liberais paulas58. Essa divisão influencia na administração do

jornal, que em 1880 passa a ter como gerente Vicente Alves de Paula Pessoa (Dr. Paula Pessoa). Também por conta da divisão dos liberais surge um outro jornal chamado Gazeta do Norte (1880-1892), órgão dos liberais pompeus, fundado por João Câmara, com a participação de Thomaz Pompeu de Sousa Brasil Filho (Dr. Thomaz Pompeu Filho), filho do senador Pompeu, e outro importante político liberal, que atuou na direção do Cearense junto com o pai, de 1871 até 1880. Antes, quando acadêmico de Direito em Recife, ele era correspondente do jornal. Participaram ainda da fundação da Gazeta do Norte João Brígido, João Lopes, Julio César e mais alguns colaboradores.

Um fato comum e interessante marca praticamente todos os nomes envolvidos com os jornais liberais: os jornalistas foram também políticos, bacharéis, intelectuais e estavam ligados a famílias de ricos proprietários, quando

57 FERNENDES, Ana Carla Sabino. Op. Ci., p. 36-39. As informações trabalhadas sobre o jornal Cearense podem ser encontradas, com muito bom trato, na obra de Fernandes, que por sua vez cita como referência, para aqueles que querem se aprofundar no estudo do jornalismo cearense, as obras de STUDART, Guilherme. Os Jornaes do Ceará nos Primeiros 40 Anos 1824 -1864. Tomo Especial da Revista do Instituto do Ceará. Fortaleza: Typographia Studart, Tomo Especial, p. 48-118, 1924; e do mesmo autor: Para a História do Jornalismo Cearense. 1824-1924. Fortaleza: Typographia Moderna, 1924, p. 62 e 75; OLIVEIRA, João Batista Perdigão de. A Imprensa no

Ceará. Revista do Instituto do Ceará. Fortaleza: Typographia Studart, Tomo 11, 12, 14, 21. Ano

1897, 1898, 1900, 1907, respectivamente; e do mesmo autor: Catálogo dos jornais, revistas e

outras publicações periódicas do Ceará. 1824-1904. Revista do Instituto do Ceará. Fortaleza: Typ.

Guarany, Tomo 19, 1905; SOUZA, Eusébio de. A Imprensa do Ceará dos Primeiros Dias aos

Atuais. Fortaleza: Gadelha, 1933; Almanack Administrativo, Mercantil e Industrial da Província do

Ceará. Fortaleza: Typ. Odorico Colas, 1870 e 1873/Almanaque do Ceará, 1899; ARAUJO, J. Oswaldo. Imprensa do passado. 1868-1918, 1869-1819, 1870-1920, 1871-1921, 1873-1923, 1874-

1924. Revista do Instituto do Ceará. Fortaleza: Typ. Studart, Tomos 82, 83, 84, 85, 87 e 88; ano

1968, 1969, 1970, 1971, 1974 e 1983, respectivamente; GONÇALVES, Adelaide e BRUNO, Allyson. (orgs). O Trabalhador Graphico. Fortaleza: Editora UFC, 2000.

58 PAIVA, Maria Arair Pinto. A Elite Política do Ceará Provincial. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1979, p. 56.

não eram eles próprios donos de terras. Dentro dos termos qualificados nesta dissertação, eles faziam parte da elite política do Ceará Provincial e por meio dos jornais iriam comandar o processo de transformação e atacar os adversários políticos. Mais uma vez fica evidente, assim como foi abordado no item 1.2, um exemplo de como essa elite política possuía várias faces de atuação; independentemente da circunstância, seja por meio da concentração de poderes ou de virtudes, como pensavam, dificilmente perdiam de vista a unidade de sua atuação e mando, mesmo que ferrenhamente discutida entre eles, que precisava ser entendida, assimilada e mantida nesses momentos de mudança. Apesar das mudanças identificadas por Carvalho e Paiva59 na elite política nacional e

provincial, respectivamente, havia algo de constante na atuação dessas elites: a necessidade de preservação, a todo custo, dos seus espaços de poder.

O outro jornal analisado para esta dissertação foi o conservador Constituição, publicado de 1863 até 1889. O Constituição surgiu de um racha dos conservadores na província do Ceará, que acompanhou disputas dos conservadores em nível nacional, e colocou em lados opostos Domingos Nogueira Jaguaribe (Visconde de Jaguaribe) e Joaquim da Cunha Freire (Barão de Ibiapina), líderes dos conservadores graúdos, e os Fernandes Vieira, do Pedro II, que tinham à frente Gonçalo Batista Vieira (Barão de Aquiraz), líder dos conservadores miúdos60.

O Constituição teve importantes destaques em sua direção e redação como Justiniano de Serpa, Antonio Moreira de Souza, Gonçalo de Almeida Souto, Manoel Soares da Silva Bezerra, Paulino Nogueira Borges da Fonseca, Antônio Pinto de Mendonça, Praxedes Theodulo da Silva, Frederico Augusto Borges, Martinho Rodrigues e Padre Bellarmino de Souza61. Muitos desses se envolveram

com as demandas da política e abraçaram a carreira.

Assim como o Cearense, o Constituição era vendido avulso e por assinatura, mas somente na capital e no interior. Foi impresso em tipografias que

59 CARVALHO, José Murilo de. Op. Cit., p. 177-184 e Id. Ibidem., p. 202-204. 60 PAIVA, Maria Arair Pinto. Op. Cit., p. 58.

61 STUDART, Guilherme. Para a História do Jornalismo Cearense. 1824-1924. Op. Cit. p. 55. In FERNANDES, Ana Carla Sabino. Op. Cit., p. 85.

prestavam serviços do tipo até ser impresso em sua própria tipografia no ano de 1887.

Uma característica desse periódico que deve ser ressaltada é que durante boa parte da década de 1870, como tivemos o predomínio das administrações conservadoras na Província, ele publicava despachos oficiais, nomeações, demissões, transferências e outros assuntos da Presidência da Província, reforçando mais ainda a importância dos jornais para essa dissertação e o seu privilégio sobre outras fontes (relatórios de presidente de província e pronunciamentos parlamentares).

Os senhores do Constituição, tal qual os do Cearense, representaram a elite política do Ceará, na década de 1870, e reuniram para tanto todas as condições intelectuais, financeiras e morais exigidas por lei e enaltecidas por eles. Em 02/07/1871 o exemplar do Constituição saúda o novo presidente da província, o Exmo. Sr. João Calazans Rodrigues, Barão de Taquary (29/06/1871- 09/01/1872)62, por ocasião de sua posse:

(...) Cercado de tão nobres titulos, S. Exc. possui ainda um, que não mencionamos, sem duvida o mais importante: - é a gravidade natural com que honra todos esses.

Na idade de 66 anos, quando já tem desaparecido todos esses prejuizos e illusões da mocidade, coberto de honras, cheio de illustração e experiencia que ha adquirido nos negocios publicos, espírito profundamente religioso, dotado de bons desejos; é de esperar que com tais predicados S. Exc. corresponda perfeitamente a expectativa dos cearenses, desenvolvendo um governo, digno de si e da província (...)63

Nota-se, nesses elogios feitos ao Sr. Barão de Taquary, o que se espera de um gestor público: experiência, ilustração, serenidade, honra, enfim, toda sorte de predicados dignos daqueles que exercem essa função com uma naturalidade

62 PAIVA, Maria Arair Pinto. Op. Cit., p. 112. Ela cita nominalmente todos os presidentes de província do Ceará e o período de suas administrações.

típica dos que foram escolhidos para as grandes obras. É como se as qualidades adquiridas falassem por si, a sua existência não é um acaso.

A mesma edição do Constituição citada anteriormente traz o