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esses os fatores analisados no item seguinte.

melhor o que era o Ceará dentro de um contexto nacional, como

também definir uma certa ligação entre o Norte e o Império. Serão

esses os fatores analisados no item seguinte.

3.3 – O PROVINCIAL E O NACIONAL

A elite política cearense passou por anos muito tumultuados na década de 1870, período em que ela teve que interagir, forçosamente, com uma série de problemas graves, que podem ser resumidos com o nome de “crise”. A crise se expressou, principalmente, em forma de uma discussão política acirrada, nem sempre coerente, entre liberais e

conservadores; expressou-se também por meio da seca, que assolou a província do Ceará ao final da década. Durante o processo de discussão da crise, a elite política tentou estabelecer uma definição que pudesse torná-la inteligível, pensando em propostas que contribuíssem para sua solução. O processo de discussão da crise foi marcado por opiniões na maioria das vezes diferentes, resultado de uma abundante troca de insultos morais e acusações de improbidade administrativa. Contudo, se liberais e conservadores divergiram sobre muitos assuntos que envolviam a crise, um tema era pacífico entre eles: a necessidade da ajuda do governo geral para a solução da crise. Essa ajuda poderia variar quanto ao tempo que deveria vir, e quanto ao espaço onde deveria ser concentrada, mas sempre vinha do governo geral.

O auxílio do governo geral deve ser entendido dentro da lógica da centralização administrativa, além, é claro, do comprometimento moral que o Império tinha que ter com as províncias. A centralização administrativa promovia a troca de presidentes, a nomeação de magistrados e a transferência dos recursos

provinciais para o Rio de Janeiro. Acabou limitando, em parte, a autonomia das províncias e concentrando na Corte uma responsabilidade muito grande na gestão dos negócios públicos, mesmo que isso falhasse com freqüência, já que a centralização do poder construiu um esquema que tinha uma estrutura macrocefálica228. O comprometimento moral estabelecia uma ligação sentimental

com as províncias; em caso de problemas graves, as imagens de sofrimento, de horror, de miséria e de atrocidades políticas faziam com que a atenção do governo Imperial fosse redobrada, no sentido de que a situação voltasse o mais rápido possível à normalidade, evitando assim a desestabilização da ordem. Durante a política-crise e a seca-crise, o governo central esteve muito próximo da província do Ceará e a elite política enxergou o quanto isso era interessante para os seus propósitos de preservar o seu poder de mando em certos moldes.

Os jornais políticos deram vazão aos reclames da elite política cearense e publicaram vários artigos, que originalmente tinham sido discursos parlamentares, representações de classe, críticas de jornais de outras províncias, ou mesmo artigos cotidianos da luta política entre liberais e conservadores. Nesses artigos, a elite política mostrou a crise em toda a sua extensão, deixando sempre claro o drama que envolvia a província, seja no começo ou no final da década de 1870, mas fundamentalmente durante a seca de 1877-79.

Os artigos jornalísticos sobre a seca-crise, até ela ser reconhecida definitivamente, em abril de 1877, limitavam os possíveis pedidos de auxílio ao governo provincial. De abril em diante, porém, tais artigos começaram a se voltar para o governo geral e, à medida que a seca avançava, a necessidade da ação do governo geral aumentava e recrudescia a idéia de que a ele cabia a principal responsabilidade na resolução da crise, cabendo à administração provincial um trabalho complementar, mas também importante. O Império responsabilizava-se basicamente por disponibilizar recursos financeiros, mas ele também promoveu estudos científicos, forneceu alimentos e enviou médicos.

228 CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem: a elite política imperial. Rio de Janeiro: Campus, 1980, p. 118. Segundo Carvalho, esse esquema macrocefálico da centralização administrativa concentrava a burocracia na capital do Império, diminuindo-a nas províncias e nos municípios. Era uma estrutura que tinha uma “cabeça grande e braços curtos”.

Mediante o que foi exposto sobre a crise e sobre a necessidade da ação do governo geral para resolvê-la, o objetivo principal deste item é discutir o papel do Estado Nacional frente à crise que assolou a província do Ceará na década de 1870. Embora já tenha sido feita uma referência sobre esse papel, o da responsabilidade administrativa e moral, o que faremos é discutir a forma como a elite política cearense lidava com isso, analisando as estratégias traçadas por ela para se aproximar diferenciadamente do governo central. Nesse processo de análise, será privilegiada também a definição que a elite política cearense deu do espaço provincial, do espaço nacional e a relação desses espaços.

Com o intuito de analisar o objetivo principal desse item, uma questão importante deve ser abordada inicialmente: a da idéia de localização geográfica que a elite política cearense tinha na época. Podemos dizer que era uma idéia sem muita rigidez espacial e que, no final do século XIX, a idéia de que algo ficava ao norte ou ao sul dependia de onde se emitia o discurso ou a que espaço o discurso se referia. Durante a seca de 1877-79, o jornal Cearense publicou, por muitos meses, durante o ano de 1877, uma coluna intitulada “Revista das Provincias”; esta coluna era dividida em duas partes, uma dedicada às “Provincias do Sul” e outra dedicada às “Provincias do Norte”, e nelas se publicavam notícias variadas sobre as províncias brasileiras. A divisão feita pelo Cearense era interessante, pois o que ficava acima do Ceará pertencia ao norte e o que ficava abaixo pertencia ao sul. O Cearense noticiava as informações sobre a Paraíba e Pernambuco e se referia a elas como províncias do sul; quando informava sobre o Piauí, Maranhão e Amazonas, referia-se às províncias do norte. E o Ceará? Este não precisava ser identificado, pois era de onde se falava. Da mesma forma, se o Cearense se referisse ao Rio de Janeiro, o que ficasse acima dele era norte e o que ficasse abaixo era sul; nesse caso, o Ceará aparecia e ficava no norte do Império, pois se falava em relação à capital do Império e ao próprio Império como um todo. A idéia de que um determinado número de províncias pudesse fazer parte de um mesmo espaço geográfico e que estavam ligadas por alguma característica comum era algo ainda muito frágil, praticamente inexistente, mas que pode ser pensado a partir dessa época (década de 1870) em diante.