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2 UMA PRÁTICA COLABORATIVA DE PESQUISA COM PROFESSORES DE

2.3 Um percurso colaborativo dialógico: A construção da reflexão

2.3.1 Emília: A construção de uma reflexão crítica

A colaboradora Emília, nos primeiros encontros reflexivos, ao definir sua concepção prévia acerca de colaboração enfatiza aspectos relacionados com a troca, com o se doar e ajudar ao outro. Para ela, sua ideia com relação à colaboração provinha do dia-a-dia mesmo, de sua experiência de vida, pois não se lembrava de ter realizado leitura sobre esse tema.

Nesse sentido, compreendemos que nesse conceito inicial desenvolvido pela partícipe podemos perceber forte influência de argumentos do senso comum, pois, como afirma Liberali (2012, p. 28), “Há a clara tentativa de compreender as ações a partir de sua experiência e conhecimento de mundo.” Partindo de uma visão essencialmente pragmática, como podemos observar adiante,

A concepção de colaboração está muito dentro dessa fala aí de ajudar o outro, de chegar junto (...) colaborar eu acho que vem de troca mesmo, é você trocar com o outro, mas pode ser também mais dá, quando você colabora, você dar mesmo. (Colaboradora Emília, 1ª Sessão Reflexiva, em 04/07/2012).

Vem mais da experiência de vida mesmo, das coisas que a gente passou pelas campanhas de ajuda às pessoas, dentro da igreja, quando a gente foi construir o templo, todo mundo ajudava, o pastor faz a solicitação de uma campanha para o piso, para o teto, para cobertura (...). Então, todo mundo colabora. (Colaboradora Emília, 2ª Sessão Reflexiva, em 11/07/2012).

Todavia, com o desenvolvimento das discussões em grupo e com a apropriação de certas concepções presentes no texto indicado para leitura, a argumentação da colabora Emília sobre a colaboração vai se modificando. E, consequentemente, percebemos uma ampliação de sua visão com relação a certas rotinas da escola, que poderiam sofrer transformações por meio de processos colaborativos de estudo e de reflexão.

Eu acho que nessa fala de observar a realidade, de partir do contexto, de você eleger coisas que vão melhorar de você descobrir parceiros, ter as pessoas do seu lado para trabalhar juntos e refletir juntos. Isso aí dentro para mim não era uma ideia antiga, é uma ideia desse momento, porque antes havia uma compreensão de pesquisa (...) meio que distante.

(...) mas só que ela [a pesquisa colaborativa] com essa cara de trabalho ativo, de trabalho consciente e que tem de ter esforço e vontade e que as condições precisam ser criadas para isso (...) tem de ter vontade, esforço pessoal e tem de ter assim a capacidade de ouvir o outro, de colocar o que você pensa e também ouvir a outra pessoa.

Na pesquisa colaborativa, o objeto de pesquisa é o professor, mas, ao mesmo tempo, que ele é objeto de pesquisa, ele está crescendo, porque ele está ganhando com isso. Não em uma concepção de pesquisa anterior, mas de uma concepção de pesquisa de colaboração (...) você aproveita o momento de uma leitura, de uma discussão para apreender. (Colaboradora Emília,

2ª Sessão Reflexiva, em 11/07/2012).

Na sua conceituação posterior sobre a colaboração verificamos uma desvinculação apenas das questões voltadas da ação concreta do cotidiano e o estabelecimento de possíveis contribuições dessa prática colaborativa para a atuação docente em seu trabalho na escola. Dessa maneira, a colaboradora Emília passa a entender “(...) que pesquisar colaborativamente exige o envolvimento de professores da escola e da universidade em projetos que enfrentem [...] o desafio de mudar as práticas escolares e de contribuir para o desenvolvimento de seus participantes”. (IBIAPINA, 2009, p. 211).

Essa partícipe passa a perceber que colaboração requer uma observação a priori da realidade, para a partir disso, elencar pontos sobre os quais faz-se necessário agir de modo coletivo e sistematizado. Isso exige que sejam criadas oportunidades para realizar as discussões nos encontros de estudo sobre os temas priorizados. No entanto, essa colaboradora reconhece que para isso se concretizar torna-se necessário ter vontade para superar até a si próprio e as outras circunstâncias para assim assumir as responsabilidades próprias do processo de colaboração.

Além disso, a partícipe Emília aponta também, que os momentos de estudo em grupo são interessantes e os percebem como uma necessidade para os participantes da escola. Mesmo, insistindo em suas afirmações de que os professores envolvidos na pesquisa colaborativa são objetos de estudo, ela identifica outras características que são próprias dos participantes nas práticas colaborativas, como a postura mais ativa dos sujeitos no desenvolvimento da investigação, por meio da participação nos diversos momentos da pesquisa, e a oportunidade de estarem em grupos fazendo leituras e interagindo com os parceiros. Para ela isso não era perceptível nos outros tipos de investigação.

De fato, colaborar não significa que todos devam participar das mesmas tarefas e com a mesma intensidade, mas que, sobre a base de um projeto comum, cada partícipe preste sua contribuição específica, isto é, colabore para beneficiar o projeto. (IBIAPINA, 2009, p. 212).

No desenvolvimento desse processo reflexivo, a colaboradora Emília estende sua compreensão com relação à contribuição das ações colaborativas, não só as atividades dos professores em sala de aula, mas sim como uma prática que pode contribuir para a compreensão e a busca de superação de problemas considerados tradicionais pela escola.

Logo, ao compreender a realidade, desse modo, a partícipe penetra no uso do raciocínio dialético, que destaca as possibilidades da modificação de problemas objetivos, por meio da interação subjetiva entre os membros do espaço escolar. Como escrevem Ibiapina, Loureiro Júnior e Brito (2007, p. 44): “(...) o processo dialógico, vivenciado com o outro, faz a mediação entre o mundo objetivo e o subjetivo, fazendo-o, ao mesmo tempo, apreender a realidade objetiva e transformá-la”.

Na concepção da partícipe, as dificuldades enfrentadas pela escola, têm como origem a desconexão entre os vários sujeitos que a compõem, oriundas de uma tradição de trabalho individualizado dentro desse espaço. Essa afirmação vem ao encontro do pensamento de Alarcão (2011, p. 47), que defende que o professor não deve apenas refletir e trabalhar de maneira individual, mas que deve ser construído nas escolas espaços para reflexões coletivas. O professor não pode agir isoladamente na escola. É neste local, o de trabalho, que ele, com os outros seus colegas, constrói a profissionalidade docente. Sobre este trabalho individualizado da escola Emília nos relata,

Olhe eu faço o trabalho de uma maneira, Elza faz de outra [maneira]. É a mesma Escola com três posturas diferentes. A escola da manhã é uma, a escola da tarde é uma e a escola da noite é outra. (...) porque nós não temos um trabalho de colaboração. (...) E a escola tem os mesmos problemas de dez anos atrás. Problemas, principalmente, de questões humanas. Não estou nem falando de estrutura física, não. (...) Isso é explicado culturalmente, nós estamos acostumados a dar as ordens.

Não é fácil trabalhar de maneira colaborativa, nós temos uma cultura de individualidade. A nossa própria forma de trabalhar o currículo, ela é compartimentada. O homem não é observado em suas várias dimensões. A sociedade não é observada nas várias dimensões. A dimensão política e a dimensão social. (Colaboradora Emília, 1ª Sessão Reflexiva, em 04/07/2012).

Há um reconhecimento por parte da colaboradora Emília da dificuldade de desenvolver na escola essa cultura de colaboração, pois há uma tradição de trabalho particularizado dos profissionais. Ela consegue perceber que isso se materializa na maneira como a escola se organiza, no caso dos currículos e disciplinas tão compartimentadas, que acabam dificultando os diálogos entre as diversas áreas do conhecimento escolar. Seu pensamento não se restringe apenas à ação imediata e às incertezas que esta gera na sala de aula, mas analisa e indaga as estruturas materiais dos trabalhos e os limites impostos a esses próprios fazeres. Dessa maneira verificamos que, “a reflexão amplia o alcance de nossas ações, pois contribui para que possamos compreender os efeitos que as estruturas materiais

exercem sobre a formação pela qual a própria prática é realizada” (IBIAPINA; LOUREIRO JÚNIOR; BRITO, 2007, p. 44)

Você [professor] tem de ter a possibilidade se não deu certo ali, porque você depende das ações da Secretaria de Educação, mas a gente precisa ver como a gente vai fazer aqui, porque a gente não pode parar, porque quem dá a resposta imediata à comunidade é a escola. É a direção, é o professor, entende! (...) eu não conheço esse espaço da escola [a biblioteca]. Eu venho aqui, mas não conheço, eu nunca parei, eu nunca tive tempo pra vim aqui, pra pega os livros na área de História, de Literatura, por exemplo, pra fazer um trabalho coletivo com a professora de Literatura. (...) Existem algumas ações que precisam começar a acontecer pra criar no nosso aluno e criar na gente também essa postura de pesquisa. Não uma pesquisa a toa, mas uma pesquisa que vai colaborar com alguma coisa da aprendizagem do professor, do aluno, do crescimento da escola (...) (Colaboradora Emília, 1ª Sessão Reflexiva, em 04/07/2012)

Mesmo reconhecendo que tais dificuldades enfrentadas pela escola são oriundas da maneira como ela própria se organiza, essa colaboradora não acredita que a resolução desses problemas será resolvida de modo imediato. Segundo ela, a escola só possibilitará que o aluno tenha uma postura crítica e de produção de conhecimento no momento em que essa instituição motivar não só atividades em sala de aula, mas também momentos de formação de grupos de estudo entre alunos e professores e professores-professores com o intuito de aproximar as discussões do ambiente escolar da realidade social e econômica local, quebrando assim o distanciamento que foi construído entre o espaço escolar e o da sociedade da qual a escola é parte.

Todavia, um dos empecilhos, em sua opinião, para que haja uma interação maior entre os diversos sujeitos da escola, para que se desenvolvam atividades sistemáticas de pesquisas e desenvolvimentos de projetos coletivos são as condições de trabalho recomendadas pelas esferas administrativas, como a Secretaria de Educação. Esta exige que o docente esteja sobrecarregado de disciplinas, ficando assim com o tempo comprometido para realização de outras atividades no espaço escolar. Ao se pensar, dessa maneira, levando em consideração aspectos não só da realidade mais próxima e sim indicando outros âmbitos da sociedade que acabam condicionando ações na Escola e, ligado a isso, construindo hipóteses que levariam a melhoria na organização do espaço escolar, essa colaboradora desenvolve uma postura crítica. Como nos mostra Liberali (2012, p. 32):

Assumir uma postura crítica implica ver a identidade dos agentes como intelectuais dentro da instituição e da comunidade, com funções sociais concretas que representam formas de conhecimento, práticas de linguagem, relações e valores sociais que são seleções exclusões particulares da cultura mais ampla. Portanto, ao refletir criticamente, os educadores passam a ser

entendidos e entenderem-se como intelectuais transformadores, responsáveis por firmar cidadãos ativos e críticos dentro da comunidade.

Essa partícipe também desenvolve a consciência de que não deve existir uma separação entre os conhecimentos teóricos e os das práticas, visto que são as interrelações entre eles que podem construir alternativas de ação para compreender e tentar modificar problemas existentes na Escola.

Assim, podemos inferir que o processo de reflexão volitivo, grupal e sistemático propiciou a Emília a superação da visão de que os saberes teóricos são os únicos a legitimar as ações educacionais. A interação entre teoria e a prática, mediante o uso da criatividade e da criticidade, torna-se necessária para iniciar mudanças nas atividades que, tantas vezes, já se tornaram naturalizadas e até cristalizadas no ambiente escolar.

Assim, como afirma Liberali (2012, p. 35), “(...) refletir seria uma possibilidade de emancipação, uma vez que não haveria uma simples sujeição às teorias formais, mas um entrelaçamento entre teoria e prática (...)”. No entendimento de Emília, a participação dos sujeitos de modo sistemático no espaço escolar por meio de grupos de discussões e estudos, e não apenas se limitando a cobranças técnicas, como notas de alunos e números de repetentes, se torna essencial para que haja a troca de experiência e de saberes para o bom andamento das atividades profissionais dos docentes.

Eu sinto falta de uma coordenação que estuda comigo, entende? Eu sinto falta de uma cultura dentro da escola que pára, que lê um texto e discute o texto e que traz isso para a minha prática, porque não é para ler o texto por ler. Por exemplo, eu quero discutir agora essa questão da disciplina. Então, eu vou trazer, eu vou pesquisar textos sobre disciplinas, trazer para uma discussão coletiva do grupo e vamos discutir a disciplina na escola fazendo a relação. (Colaboradora Emília, 2ª Sessão Reflexiva, em 11/07/2012)

Portanto, ao termos contato com esses discursos da colaboradora Emília, podemos compreender que nos primeiros momentos dos seus enunciados, principalmente, com relação ao conceito de colaboração, existiu a predominância de uma ação reflexiva prática. Esse tipo de reflexão possui como características norteadoras, uma argumentação centrada na ação prática subjetiva e individual, exercida pelo sujeito. Mesmo tendo como fundamentos experiência cotidiana e sua relação com outrem, essa elaboração do raciocínio tende a desenvolver as justificativas do discurso sem fazer referências ao cenário mais amplo das relações sociais. Como afirma Ibiapina, Loureiro Júnior e Brito (2007, p. 41) “(...) os professores buscam respostas na sua própria prática, fundamentando-se no seu conhecimento

de mundo e no senso comum.”. Isso faz com que a complexidade das relações sociais, históricas e culturais não sejam levadas em consideração na elaboração discursiva.

Dessa forma, podemos perceber este ponto no momento em que a partícipe relacionou a origem de sua ideia de colaboração apenas às ações vividas na Igreja e nas campanhas para ajudar outras pessoas. Para o exercício de uma reflexão crítica não basta apenas identificar as relações dialéticas existentes entre as partes e o todo. Neste sentido, é necessário, também, organizar o conhecimento com o objetivo de tentar alternativas conscientes de mudanças nas ações cotidianas no âmbito educacional, buscando assim o desenvolvimento de um trabalho mais autônomo. Como nos relata Liberali (2012, p. 32): “A reflexão crítica implica a transformação da ação, ou seja, transformação social. Não basta criticar a realidade, mas mudá-la, já que indivíduo e sociedade são realidades indissociáveis.”

Na partícipe Emília, este esforço de planejar uma postura diferente com relação às atitudes da escola é materializado, quando ela expressa seu anseio de que os diversos sujeitos que compõem a escola atuem de modo integrado por meio de estudos teóricos e compartilhamento de experiências; e que o desenvolvimento de pesquisas entre alunos e professores sejam motivo para integrar escola e sociedade.

Nesse sentido, podemos afirmar, que a superação da reflexão prática pela crítica por parte da colaboradora Emília ocorreu, quando ela foi se apropriando das leituras recomendadas e também no momento em que ela compreendeu que as sessões reflexivas eram espaços apropriados para que os docentes realizassem as interações dialógicas, tendo cada um deles, o poder de construir seus enunciados acerca dos temas propostos.

Com isso, podemos concluir que a relação dialógica sistemática contribuiu para que essa docente “(...) se sintam sujeitos [as] de seu pensar, discutindo o seu pensar, sua própria visão de mundo, manifestada implícita ou explicitamente, nas sugestões e nas de seus companheiros”. (FREIRE, 2005, p. 139)