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4 HISTÓRIA ESCOLAR: UM CONHECIMENTO CONSTRUÍDO NA

4.2 A narrativa: Entre o novo e o tradicional

4.2.1 Emília e a ressignificação da narrativa

Um dos aspectos que se tornaram significativos na construção das narrativas no desenvolvimento das aulas de História de Emília foi a preocupação em desenvolver o conhecimento da disciplina a partir de problematizações. As questões colocadas pela docente têm como uma das suas finalidades aproximar os alunos das temáticas desenvolvidas pela matéria escolar e, assim, estimular-lhes a curiosidade para que se voltem a pesquisar outros saberes sobre os conteúdos históricos.

E fico pensando que perguntas eu vou fazer para a sala para instigar eles de alguma maneira. Eu fico pensando o que é que tem naquele conteúdo que eu posso trazer o aluno para ele dar um estalo, ele dizer esse tema é legal, eu queria conhecer mais. Eu não me preocupo muito com essa questão (...) dos nomes da batalha, dos nomes dos governantes, entendeu?! Eu me preocupo mais em despertar ele para que ele possa ir atrás de outra coisa, é você agora, é com

você. Aí! É por isso que eu começo sempre a aula com todos os conteúdos fazendo a pergunta: o que vocês sabem. Porque quando eu planejo, eu não sei o que eles sabem. (Colaboradora Emília, 6ª Sessão Reflexiva, em 07/11/2012)

No trecho acima, podemos inferir aproximações entre a compreensão da partícipe e orientações advindas das reformas historiográficas iniciadas com as Escolas dos “Annales”, que enfatizam o caráter de uma História-problema, que se lança ao passado, buscando respostas para inquietações dos tempos presentes. Entretanto, as perguntas assumem, no contexto escolar, outros sentidos mais direcionados com a dimensão de ensino-aprendizagem. O primeiro deles se refere à necessidade que, por meio das indagações, os alunos encontrem certo significado no conteúdo de História para sua vida prática e, com isso, possam se engajar na construção do saber escolar de modo ativo. A segunda se direciona a uma atitude mais voltada à sondagem dos conhecimentos prévios dos alunos sobre o tema a ser desenvolvido. Essa interação entre as dimensões do conhecimento específico e os interesses do espaço escolar na formulação de questões no ensino de História foi apontada por Schmidt (2010, p. 60): “(...) a problemática acerca de um objeto de estudo pode ser construída a partir das questões colocadas pelos historiadores ou das que fazem parte das representações dos alunos, de forma tal que eles encontrem significado no conteúdo que aprendem”.

Outro ponto enfatizado por Emília diz respeito à tentativa de ruptura, em sua prática, com os elementos caracterizadores das narrativas do ensino de História Tradicional. Ela afirma haver tomado conhecimento dos novos modos de perceber e entender a produção do conhecimento histórico no espaço universitário. Isto lhe trouxe as inquietações de transpor essas novas características do saber histórico acadêmico para a sala de aula e de levar os discentes a terem outra compreensão sobre os fatos históricos,

É tanto que eu não dou uma aula de História, nunca dei aula de História, com essa preocupação de datas, de nomes de cidades, de personagem. (...) E eu levar isso pra outras pessoas, não a História que eu aprendi, mas uma História diferente com outro olhar. A História que eu aprendi foi dar ênfase a Pedro Álvares Cabral, a ver o índio como coitadinho ou então como o selvagem, como o mal, a não avaliar o contexto, mas se preocupar apena com as datas, com os nomes. Essa foi a História que eu aprendi, que a universidade abriu mais de conhecer uma nova perspectiva histórica, sabe?! E a preocupação de tratar isso com os alunos. (Entrevista da Colaboradora Emília, em 25/05/2012)

Os dois excertos precedentes descrevem a compreensão da professora Emília acerca das noções fundamentais formadoras das narrativas historicistas que tem perpassado o ensino da História no Brasil. De acordo com o entendimento da colaboradora, o chamado ensino tradicional é centrado no aprendizado de fatos com características estritamente políticas (as

batalhas); os sujeitos, ligados à política institucional ou personagens socialmente privilegiados (Cabral); há uma atenção demasiada na cronologia (as datas); e os acontecimentos são vistos de modo estereotipados ou dicotômico, (o índio coitadinho ou selvagem, como bom ou como mal); a organização dos fatos gira em torno de uma causalidade única, com início, meio e fim e - sem considerar os cenários históricos (não avaliar os contextos).

Nas críticas feitas a essa abordagem historiográfica apresentada acima, e que podem ser trazidas para o ensino de História, a ênfase recai sobre a superficialidade das análises dos fenômenos. Como nos coloca Braudel: “A história tradicional, atenta ao tempo breve, ao indivíduo, ao evento, habituou-nos há muito tempo à sua narrativa precipitada, dramática, de fôlego curto”. (BRAUDEL, 2011, p. 44).

Esta abordagem foi construída desde princípios do século XIX, em um contexto europeu no qual se precisava elaborar um passado coerente para as nações com o intuito de consolidar espíritos patrióticos para o fortalecimento dos Estados nacionais. Portanto, a formação de uma narrativa com essas características correspondia às necessidades daquele momento histórico. No entanto, com as mudanças histórico-sociais, tal abordagem passou a não responder mais aos anseios dos sujeitos sociais, entre eles os alunos contemporâneos.

Nesse sentido, a professora busca romper com o chamado modelo tradicional e tenta mobilizar, junto aos alunos, saberes que possibilitem o contato com uma perspectiva diferente daquela do conhecimento histórico escolar produzido nos moldes do século XIX. Emília tenta construir uma narrativa da História Escolar que leve em consideração elementos presente nas novas abordagens historiográficas. Analogamente ao pensamento de Rusen (2010), ao buscar novos sentidos para aproximar os saberes históricos dos alunos, a colaboradora vai reestruturando as narrativas com a finalidade de que elas possam dar uma orientação à realidade temporal dos sujeitos envolvidos no presente.

Como afirma a professora Emília, “O que está em jogo não é entender os personagens, as datas o que está em jogo é você compreender o processo, o contexto, como foi que aconteceu, o porquê foi?” (Colaboradora Emília, 5ª Sessão Reflexiva, em 24/10/2012). Aqui a contextualização se torna uma estratégia para evitar que os acontecimentos sejam estudados de modo isolado ou definitivo. Para tanto, faz-se indispensável localizar fatos específicos em dimensões de tempo e espaço mais abrangentes e mostrar as relações existentes entre estes fatos singulares e os contextos mais gerais. Essa maneira de trabalhar mostra-se relevante na História Escolar, por possibilitar aos educandos compreenderem as

numerosas relações, de pesos e características diferentes que interferem nas realizações de determinados episódios. (SCHMIDT, 2010)

Existe, assim, a atenção em tentar conhecer a multiplicidade de causas para estabelecer a explicação histórica dos assuntos estudados. As problematizações são pensadas, para as situações de ensino, em busca de que sejam quebradas as características rígidas e mecânicas com que a História Escolar tradicional organizava a narrativa do conhecimento.

A partir de um tema determinado para as aulas de História, a colaboradora seleciona determinado aspecto significativo para elaborar questões que levem os alunos a refletirem e mobilizarem saberes para construção das discussões em sala de aula. As indagações vão direcionando a construção da narrativa do conhecimento histórico e, nesse movimento, as múltiplas causas dos episódios históricos vão ganhando sentido:

Com esse tema, porque eu acho o fato do uso da bomba atômica, ela chama a atenção, é uma coisa que comove, desperta um sentimento de solidariedade (...). Por isso, que eu fiz a pergunta: Qual o sentido da Guerra? Talvez, eu não tenha colocado essa, mas a ideia era essa: Quem lucra com a Guerra? Quem paga a conta? Eu pago a conta, mas eu não lucro com ela, muita gente morreu, né?! A ideia realmente é essa: despertar para eles buscarem outras informações e não ficar só naquilo ali. A dinâmica da aula, quando eu pensei na dinâmica da aula de música, de um filme que mostra sofrimento, dor é uma consequência brutal do uso da bomba atômica é despertar que existem, muitas coisas, em volta disso. Aí, uma das coisas que eu queria trabalhar é que a maioria das pessoas quando fala da Segunda Guerra, elas só colocam que como si só, na primeira Guerra essencialmente, como se só a Alemanha fizesse, só os Estados Unidos fizessem, mas os outros fizeram. Não foi só aquilo. (Colaboradora Emília, 6ª Sessão Reflexiva em 07112012)

Um aspecto que merece destaque no fragmento textual acima refere-se ao fato de que os saberes metodológicos perpassam a construção das narrativas históricas escolares. Para se chegar aos interesses de aprendizagem propostos pela partícipe Emília não é necessário apenas o conhecimento específico do campo da História. Este tem de vir acompanhado de toda uma reflexão do como serão organizadas as partes da aula e quais os recursos mais adequados para suscitar nos alunos a compreensão da pluralidade causal dos acontecimentos. Entedemos, assim, que a professora busca criar “(...) situações de aprendizagem em que os alunos, a partir dos subsídios por elas apresentados, elaboram narrativas nas quais articulam os vários elementos em jogo (...) recontextualizando-os a partir das finalidades educativas”. (MONTEIRO, 2007, p. 222)

AUTORA – Jacielle de Lima Ferreira, 13 de agosto de 2012.

FOTO 3 – Aula da colaboradora Emília, objeto da 5ª Sessão Reflexiva. A professora

lê os versos da canção “Rosa de Hiroshima” para a turma. A sala é organizada em quatro filas de carteiras, duas a cada lado da docente. Essa estratégia possibilita o uso do data-show que é projetado na parede oposta ao quadro branco.

As narrativas históricas trabalhadas por Emília, também tem o intuito de desconstruir certas noções já consolidadas e, assim, levar os alunos a elaborarem outras visões sobre fatos que eram tidos como verdades inquestionáveis e absolutas no conhecimento histórico escolar,

Quando eu trabalho a Expansão Marítima e Comercial, sempre eu faço uma abordagem com relação à Conquista do Brasil. Por que, qual era a ideia dos europeus? O que eles viam atrás? O que eles estavam buscando? Por que eles foram procurar novas Terras? Tanto do ponto de vista religioso (...) quanto do ponto de vista econômico. (...) Aí vem a relação de que não foi um descobrimento, foi uma conquista. (...) Outra coisa que eu levantaria: Por que a Igreja em uma dada época não permitiu que essas verdades fossem estabelecidas como verdade? E por que naquele momento isso importava à Igreja deixar que isso fosse verdade? (Colaboradora Emília, 5ª Sessão Reflexiva, em 24/10/2012)

Podemos inicialmente observar que os temas já consolidados da História Geral e do Brasil permanecem predominando nos estudos históricos escolares. No entanto, as maneiras de abordá-lo vêm sofrendo mudanças. A fala da partícipe indica que não existe apenas a centralidade na descrição dos fatos, mas se busca discuti-los no intuito de conceder-lhes novas interpretações. Tais modificações encontram suas referências nas renovações das pesquisas historiográficas que acabaram ressignificando, a partir de renovados aportes teórico- metodológicos, antigos saberes acadêmicos, como o “Descobrimento do Brasil”.

Para Borges (2007) a busca em atribuir outros significados a temas da História do Brasil, tidos como oficiais, cresce a partir da década de 1970, em decorrência do aumento dos

cursos de pós-graduação nas universidades e, consequentemente, da produção acadêmica nessa área. E, também, devido às próprias mudanças político-sociais geradas no período da Ditadura Civil-Militar que impulsionaram o questionamento do Estado vigente, de seus projetos e dos princípios que fundamentavam suas ideologias, inclusive, no campo do saber acadêmico.

Com relação aos aspectos temporais na construção da narrativa escolar, a colaboradora Emília expressa que um dos aprendizados mais significativos, como professora de História, foi a capacidade de realizar mobilidades, como se fosse um passeio de idas e vindas entre um passado distante e outro mais próximo ou entre o passado e o presente. Como podemos observar:

(...) quando eu fui falar do Nazismo e do fascismo, que é o tema das terceiras séries agora, aí, eu não fiquei pensando isso, quando eu estava preparando a aula, mas quando eu fui ministrando a aula, aí eu fui percebendo algumas relações, com coisas que aconteceram recentemente na História do Brasil. Eu levei um vídeo, eu acho de quatro minutos e pouco do “Grande Ditador” com Chaplin, é o último discurso dele, e aí quando ele estava falando, na hora que eu estava preparando a aula, eu percebi isso, ele falando e eu me lembrando assim, poxa, parece com o discurso de Collor, sabe?! Então, antes eu também não fazia essa relação, eu não tinha essa preocupação de fazer uma ponte do passado com o presente, eu acho que isso aí foi um amadurecimento ao longo desses anos trabalhando com História. (Entrevista da colaboradora Emília em 25/05/2012)

Nesse caso acima, as relações entre temporalidades são estabelecidas no intuito de observar as semelhanças existentes em dois momentos distintos. Na concepção de Monteiro (2007), esse tipo de trabalho com o tempo, nas aulas de História, tem se mostrado frequente entre os docentes do Ensino Básico. Isso pode contribuir para o progressivo distanciamento da compreensão que trata tempo histórico como sinônimo de tempo cronológico e linear, além de abrir expectativas para compreensão das continuidades e descontinuidades da realidade histórica.

Para a colaboradora Emília, a função das problematizações na construção das narrativas históricas não se limita ao papel de propiciar a apropriação dos conhecimentos históricos. As problematizações assumem dimensões educativas bem específicas, as quais são delimitadas de modo consciente pela partícipe,

Trabalhar problematizações em sala de aula é excelente, porque você dá oportunidade ao aluno, mas como a gente não faz isso muito, porque é mais cômodo para o professor não fazer isso, porque se ninguém perguntar ótimo. (...) Pensar a gente pensa, o difícil é a gente organizar isso para externar. Eu acho que uma das grandes questões das contribuições da problematização é você trabalhar com o aluno essa questão do raciocínio, eu penso, mas eu não posso dizer tudo que eu penso, eu preciso estruturar isso, organizar isso para me fazer entender. (Colaboradora

Emília, 5ª Sessão Reflexiva, em 24/10/2012)

A citação mostra que as questões, ao serem colocadas para os alunos, faculta-lhes a possibilidade de ter uma postura participativa na produção do conhecimento histórico escolar. Assim procedendo, a docente vai ao encontro das afirmações de Schmidt (2010), para quem ao trabalhar com as problematizações “(...) pode-se conseguir dos educandos uma atitude ativa na construção do saber e na resolução dos problemas de aprendizagem” (SCHMIDT, 2010. p. 60). Além disso, a colaboradora tece críticas aos seus colegas, por não propiciarem o desenvolvimento de problematizações devido ao receio de interagir com os discentes no desenvolvimento das aulas.