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Em Baçaim e Goa com os portugueses Regresso aos mugores e

3. Niccolao Manucci, vida, percurso e obra

3.1. Niccolao Manucci, por William Irvine

3.1.5. Em Baçaim e Goa com os portugueses Regresso aos mugores e

de Shah Alam, em Golconda, e regresso aos europeus em Madras e S. Tomé

Ao que parece, a certa altura do percurso que acabamos de resumir, já farto da vida militar, Manucci demite-se e viaja em direcção a Baçaim. Aqui, assiste à entrega de Bombaim aos ingleses em 1667 e escapa por pouco à Inquisição acabando por ir para Goa onde chega em Maio de 1667. Abandona Goa passados 15 meses, em Agosto de 1668, disfarçado de carmelita e regressa a Agra e Delhi. Junta-se agora a Kirat Singh280 que lhe atribui um cavalo e salário e ao fim de um ano, como Kirat Singh recebe ordem de seguir para Kabul, Manucci resolve ficar em Lahore, onde começa a exercer medicina, estava-se no fim de 1670 ou princípios de 1671. Adquirida alguma competência depois de seis ou sete anos de prática, Manucci decide mudar-se para território sob governo de europeus.

Em 1676 está em Damão e durante 1677 fixa-se em Bandora, na Ilha de Salcete, a norte de Bombaim, que fica perto. Em Bandora, onde se sente bem acolhido pelos jesuitas, envolve-se em negócios especulativos em que acaba por perder o dinheiro e vê-se obrigado a tentar fortuna mais uma vez na corte mugol onde vai fazer sucesso curando uma das mulheres de Sahah Alam, tornando-se médico da corte.

Em Setembro de 1678, Sahah Alam, filho de Aurangzeb, é nomeado governador do Decão e Manucci acompanha a sua comitiva. Em Setembro de 1679, data do 37º aniversário de Sahah Alam, está em Aurangabad e em 1680 acompanha o principe quando este se vai juntar ao Imperador Aurangzeb para avançarem sobre o estado de Jodhpur cujo rajá havia morrido em Kabul dois anos antes. Em Janeiro de 1681 juntam-se ao exército principal em Ajmer, assistindo pelo caminho à passagem de um cometa em 24 de Dezembro de 1680 o que permitiu a Irvine aferir datas e acontecimentos.

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Kirat Singh, filho do rajá Jai Singh, que foi general do exército mugol durante o reinado de Shah Jahan e parte do reinado de Aurangzeb de quem foi conselheiro próximo, foi governador do Reino de Amber (mais tarde Jaipur) . Cf. Satish Chandra, History of Medieval India (800-1700), Hyderabad, 2009, p. 350, p. 357-359

O príncipe Akbar revolta-se e Sahah Alam é enviado no seu encalço, movendo-lhe uma perseguição que se estende até fins de Março de 1681. Akbar acaba por se juntar aos maharatas no sul da India e Aurangzeb inicia então o seu avanço para o Decão de onde não regressará.

Manucci sente-se cansado com a sua situação e, possivelmente em 1682 ou 1683, com o pretexto de gozar uma licença de dois meses põe-se a caminho de Goa onde tinha confiado algum dinheiro aos padres teatinos. Vai através de Surrate onde François Martin281 lhe arranja uma passagem num barco da Companhia das Índias francesa que o leva a Damão e segue depois para Goa.

Em Goa, depara com uma cidade então ameaçada pelo exército de Sambha Ji e em que o Vice-Rei, Conde de Alvor, vai ser derrotado numa batalha que trava com os maharatas em Pondá. Seguem-se negociações em que Manucci faz parte da delegação enviada pelo Conde de Alvor, mas que não consegue resultados, vindo Sambha Ji a capturar a ilha de Santo Estêvão pela noite de 25 de Novembro de 1683. Manucci visita novamente o chefe maharata e vai participar numa segunda embaixada, desta vez a Shah Alam, que também se aproxima de Goa forma considerada preocupante.

Em 28 de Janeiro de 1684 o Vice-Rei atribui a Manucci a patente de Cavaleiro da Ordem portuguesa de S. Tiago pelo seu papel na intermediação e Shaha Alam, ao receber uma segunda visita de Manucci, retem-no por considerar que ele desertara do seu serviço e, depois de uma tentativa de fuga abortada, leva o veneziano que se sente muito contrariado, mas tem de o acompanhar em marchas forçadas através dos Gates para príncipe mugol se juntar a Aurangzeb em Ahmednagar, sendo logo a seguir mandado enfrentar o Rei de Golkonda. Enquanto acampam em Malkher, Manucci consegue comunicar com o general das forças opositoras e é ajudado a fugir para Golkonda. Porém, Shah Alam ocupa Golkonda em 1686 e Manucci foge em direcção às povoações europeias em Narsapam e Masulipatam, na costa leste. Mas um destacamento mugol descobre-o e é novamente reconduzido sob escolta para Golkonda. Aqui, consegue evitar a sua

281 François Martin é na altura representante dos assuntos da Compnhia Francesa das Indias com

entrega aos agentes de Shah Alam que entretanto já havia partido. Ao fim de dois meses, com a ajuda de um padre agostinho, consegue, enfim, pôr-se novamente a caminho e refugia-se em Forte de St George, Madras.

A partir de Madras visita François Martin, agora em Pondicherry, que o demove da sua intenção de regressar à Europa e o aconselha a casar, o que vem a fazer com uma viúva, filha de Christopher Hartley e de Aguida Pereyra282, cujo marido, falecido em 6 de Outubro de 1683, foi Thomas Clarke 283. Manucci casa em 28 de Outubro de 1686, nascendo um filho do casamento mas que vem a morrer ainda criança. Em Madras retoma a prática da medicina e recorre bastante a uma receita de um cordial da sua autoria, fazendo ainda sucesso com as suas “pedras”, um recurso curativo aprendido por certo com os jesuitas de Goa.

O Governador de Madras, William Gyfford, aproveita entretanto a sua experiência e conhecimento da língua para o fazer intermediário de correspondência com o Grande Mugol, enviando por portadores de Manucci duas cartas, uma em 17 de Fevereiro e outra em 20 de Março de 1686 ou 1687. No entanto, Gyfford não chega a receber resposta em tempo da sua administração, vindo o novo Governador, Elihu Yale,284 a prescindir dos serviços de Manucci. Mais tarde, é o governador Thomas Pitt (1698 a 1709) quem volta a recorrer aos seus serviços como quando, em 1702, Manucci é enviado juntamente com um bramane a negociar com Daud Khan, governador nomeado pela corte mugol e que irá cercar Madras depois do insucesso das negociações com os ingleses.

Em 1703 Manucci envolve-se na disputa entre os capuchinhos e os jesuitas surgida com a questão dos Ritos Malabares e das concessões dos jesuitas ao paganismo, num envolvimento que vai durar até 1706, ano em que se dá o falecimento da sua mulher. Muda-se então para Pondicherry onde tinha o amigo

282 Aguida na versão inglesa, seria possivelmente Ágata no original. No volume do Índice de

«Vestiges of Old Madras 1640-1800», Indian Records Series, de Henry D. Love, Mittal Publications, 1913, são listados vários nomes que indiciam a existência em Madras de vários elementos de uma família Pereyra.

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Thomas Clarke terá sido um dos habitantes fundadores de Madras e o seu nome identificava uma antiga porta da muralha de Madras, Thomas Clarke Gate.

284 Elihu Yale virá mais tarde a fundar a Universidade de Yale nas possessões inglesas no Continente

François Martin a quem estaria muito ligado, mas que também vai falecer pouco depois. Está pois em Pondicherry em 1712, altura em que se prepara novamente para uma missão da Companhia inglesa à corte mugol em Lahore, ao seu conhecido Shah Alam, que se tornara imperador desde 1707. No entanto, em Fevereiro de 1712 dá-se a morte do imperador, sucedendo-lhe o seu filho Jahandar Shah, alterando-se as condições políticas que justificavam a missão285 e Manucci desiste da viagem. O Conselho de Madras decide entretanto conceder-lhe perpetuamente a casa que era da viuva, mais um jardim, o que é confirmado em Janeiro de 1712.

O ano do seu falecimento, segundo um autor italiano da época, o doge Marco Nicoló Foscarini, teria sido na India em 1717, sendo octogenário, segundo

ouviu dizer, na transcrição de Irvine.286 Por sua vez, quando procurou possíveis registos portugueses, o Padre Doyle, de S. Tomé, informou Irvine de que ali não

existem registos anteriores a 1784, altura em que a cavalaria de Tippu caíu sobre a cidade e queimou tudo.287 Irvine não conseguiu assim obter dados mais conclusivos do que a suposição do seu falecimento em 1711. Posteriormente, vieram à luz novos dados, como a investigação de Apostolo Zeno sobre a família de Manucci em Veneza e a correspondência com ele trocada de que Subrahmanyam nos dá conta288 bem como a descoberta do seu testamento nos registos de Pondicherry, feito em Janeiro de 1712 quando, como é referido no próprio testamento, se preparava para uma longa viagem, de onde receava não voltar, dada a sua idade. O testamento, que, entre outros, deixa uma importante quantia e valores em investimentos ao seu irmão Andre Manuchy, ou aos seus herdeiros em Veneza, foi «feito e registado em Fort Louis em Pondicherry no

escritório do Secretário do ‘‘Conseil Superieur’’ e Real Companhia de França em Pondicherry no ano de 1712, ao oitavo dia de Janeiro, [...] na presença do Sr. François Moufle Ecuyer, Delafosse, Tenente de Infantaria e Pierre Elyer de la

285

Subrahmanyam, Op. Cit., 2008, p. 39; Irvine, da consulta aos registos de Madras, também refere os preparativos de Manucci para visitar a corte ao serviço da Companhia inglesa mas que não se chegaram a concretizar (Op. cit. Vol. I, 1907, p. lxiv-lxv).

286

Doge Marco Nicolò Foscarini, «Della Litteratura Veneziana…» (4.ª ed. Veneza, 1854), p. 441, citado em Irvine, «1706-1717 to his death», in: Manucci, op. cit., reprint, 1981, Vol. I, p. lxv-lxvi

287 Irvine, «1706-1717 to his death», in: Manucci, Op. Cit., reprint, 1981, Vol. I, p. lxvi

Vaupalier, funcionário da Real Companhia de França em Pondicherry, testemunhas chamadas pelo testamenteiro»,289 conforme transcreve Singaravelou Pillai em «Nicolao Maunchy's Will and Testament», uma comunicação em Lahore em 1925 sobre a investigação que conduziu nos registos de Pondicherry onde foi conservador.

Os registos de Pondicherry mostram também que vendeu a casa principal que tinha no Monte Grande, perto de S. Tomé, quando se mudou para Pondicherry onde terá adquirido outra290 em que terá vivido os últimos anos da sua vida. Já em 1711 havia vendido também a casa que herdara da sua mulher, segundo se sabe por contrato registado no notário de Pondicherry em 22 de Fevereiro.

Veio a ser encontrado ainda, em Madras, um segundo testamento feito em 8 de Janeiro de 1719,291 em lígua portuguesa, num notário de nome português, Quiel de Lima mas que, salvo a data e a assinatura, é ilegível dado o estado de grande deterioração em que estava, desfazendo-se quando se lhe pegava. Este testamento terá sido por sua vez depositado no Conselho Superior de Madras292 em 23 de Agosto de 1720 pela mão de um frade capuchinho, Thomas, com a finalidade de serem entregues cópias aos interessados. (Sanjay também refere o depósito do testamento pelo mesmo frade Thomas, mas no Conselho de Pondicherry293). Presume-se pois que terá falecido a 22 ou 23 de Agosto de 1720, possivelmente em Pondicherry.

289 Segundo comunicação apresentada por Monsieur Singaravelou Pillai, Curador dos Registos

Antigos da India Francesa, em Pondicherry, «Nicolao Maunchy's Will and Testament», in:

PROCEEDINGS OF MEETINGS VOL. VIII EIGHTH MEETING HELD AT LAHORE, November

1925. Sanjay Subrahmanyam também refere e cita este autor no artigo de 2008 que vimos citando, p. 40, a propósito do testamento

290 Monsieur Singaravelou Pillai revela no artigo que vimos referindo, «Nicolao Maunchy's Will and

Testament», o contrato de compra e venda celebrado em Pondicherry com Mr. de la Prevostiere

291 Informação constante do artigo já referido de Singaravelou Pillai.

292 Ibid.