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O contexto político Europeu A Restauração de Portugal do domínio

2. O “Estado da Índia Portuguesa"

2.2. O contexto político Europeu A Restauração de Portugal do domínio

A Restauração de Portugal do domínio de Espanha

Na Europa, segundo uma obra de divulgação de José Hermano Saraiva,183 na síntese que faz sob o título capitular «A diplomacia da Restauração», logo nos primeiros meses de 1641 a seguir à Restauração, Portugal enviou missões diplomáticas a Roma, a França, à Holanda, a Inglaterra, à Dinamarca e à Suécia, mas Roma suportava políticamente a Casa de Áustria no trono de Espanha e não reconhecia a independencia portuguesa. Portugal, segundo lembra Rui Ramos, «não dispunha de agentes com experiência internacional, tendo de improvisar um corpo diplomático recrutado na alta aristocracia, no sistema judiciário e entre os

181 J. Talbot Wheeler, Madras in the Olden Time, vol.I, Madras, 1861, p 10

182 Avelar, op. cit., 2012, p. 49

funcionários da Casa de Bragança.»184 Rui Ramos salienta ainda a extrema debilidade e o escasso apoio internacional da causa restauracionista «bem testemunhada nas dificuldades encontradas pelos “rebeldes” portugueses em Munster, [...] durante as negocições de paz que puseram termo à Guerra dos Trinta Anos».185 Salienta também que a causa portuguesa «teve quase sempre um destino muito incerto e um resultado final que muitos na época reputavam improvável»186. Estas constatações dão-nos a medida das dificuldades que o País teve de enfrentar durante as décadas que se seguiram à revolução que colocou D. João IV no poder, para conseguir libertar-se da pressão de Espanha, conseguir o reconhecimento internacional, atingir a paz e estabelecer alianças com as potências europeias nomeadamente a Holanda, a França e a Inglaterra.

Com a Inglaterra, veio a conseguir um tratado de amizade e comércio em 1642, mas logo nas lutas entre o parlamento e o rei inglês, Carlos I foi executado, implantando-se a República e de seguida a ditadura de Cromwel. Este não aceitou a posição de declarada neutralidade de Portugal que acolhia em Lisboa, ao mesmo tempo, uma esquadra de partidários do rei deposto a qual passou a atacar a navegação inglesa a partir de águas portuguesas. Isto levou ao endurecimento da posição do governo inglês que incentivou os ataques à navegação portuguesa para o Brasil e permitiu, no Oriente, o seu apoio aos Persas na conquista de Ormuz. Só em 1654 as boas relações foram restabelecidas mas através de um tratado cujos termos desfavoráveis o governo de Portugal se viu obrigado a aceitar.187

Em 1660 chegou ao fim a longa guerra entre a França e a Espanha e esta retomou as pretensões sobre Portugal. O País recorreu então à ajuda inglesa para se defender, através duma negociação complexa que incluiu o casamento de D. Catarina, filha de D. João IV, com Carlos II de Inglaterra e a cedência em 1661, pelo tratado de Whitehall, de várias possessões aos ingleses incluindo Bombaim, a autorização para feitorias inglesas em Goa, Cochim e Diu e, entre outros, o

184 Rui Ramos, em História de Portugal, A Esfera dos Livros, 4.ª Ed, 2010, a p. 306, cita esta

passagem da obra de Evaldo Cabral de Mello, O Negócio do Brasil. Portugal, os Países Baixos e

o Nordeste – 1641-1669, Rio de Janeiro, 1998, p.30

185 Rui Ramos, op. cit.,2010, p. 306-307

186 Ibid.

compromisso de transferir para a soberania inglesa as terras anexadas pelos holandeses e a partilha do comércio da canela de Ceilão, no caso de os ingleses conseguirem reconquistar as antigas posições portuguesas. A Inglaterra comprometia-se a ajudar Portugal na Península Ibérica com efectivos militares e na negociação da paz com a Holanda. Todas estas acções diplomáticas tiveram como teatro o território continental e a Índia, mas também o Brasil e a África onde os interesses portugueses estavam também ameaçados.188

A acção diplomática com a França não levou aos resultados desejados pois envolvia posições concertadas que a França nunca veio a assumir e Portugal não conseguiu ser parte na conferência de paz com que terminou a Guerra dos Trinta Anos e na assinatura dos Tratados de Vestefália, acabando por assinar directamente com a Espanha o Tratado dos Pirinéus, sem ter conseguido concretizar uma ligação política com a França.189

Com a Holanda, Portugal procurou a restituição dos domínios ocupados durante a dominação filipina e o estabelecer uma aliança militar contra a Espanha. D. João IV nomeou um embaixador junto dos Estados Gerais das Províncias Unidas e em 1641 chegou a um tratado conseguindo uma trégua de dez anos em que as pretensões portuguesas tiveram como contrapartida concessões comerciais substanciais aos holandeses mas que foi rapidamente ultrapassada no Brasil e em Angola, onde os holandeses foram sendo sucessivamente derrotados e expulsos. Findo período de dez anos, os holandeses vieram a ocupar no entanto as restantes posições portuguesas no Índico e no Pacífico e só se veio a conseguir a paz definitiva em 1661, mas com a abdicação portuguesa dos seus direitos e com indemnizações e concessões comerciais aos holandeses, sobretudo quanto aos territórios ocupados no Brasil.190

Segundo Vitorino Magalhães Godinho, citado na entrada «Restauração» do Dicionário Ilustrado da História de Portugal,191 o período da Restauração e do

188 Id., p. 22

189 Ibid.

190 José H. Saraiva, op. cit., 1993, 2013, p 23 e Rui Ramos, op. cit. 2010, p. 307

191 «Restauração», in: José Costa Pereira, coord., Dicionário Ilustrado da História de Portugal, Alfa,

Portugal restaurado é o de «uma sociedade nobiliárquico-eclesiástica de economia

mercantilizada [...] com as classes sempre divididas e com posições políticas ambíguas, se não contraditórias».

José Hermano Saraiva, no estudo sobre «Portugal Restaurado» em referência192 dá-nos conta das convulsões permanentes que o reino atravessava começando logo pela queda de Fancisco Lucena, o primeiro secretário de Estado de D. João IV, alvo das tensões entre os grupos que se movimentavam em torno dos interesses ligados ao poder, tornado inimigo da nobreza pela inflexibilidade que lhe atribuiram na condenação à morte dos responsáveis de uma conjura descoberta em 1641. Depois de ter sido substituido, na sequência da desconfinça que sobre ele recaíu de colaborar com o governo de Espanha, veio a ser preso, acusado de maquinar a entrega de Elvas ao exército inimigo e degolado no Rossio. Tudo o que fizera afinal fora intervir junto do governo de Espanha para libertar um seu filho, preso em Madrid como represália a ter Lucena aceitado o cargo no governo de D. João IV.193 A luta entre facções políticas desavindas preenchia assim, segundo Saraiva, a primeira década do Portugal restaurado.

D. João IV, sentindo a morte perto, tentou unir as grandes figuras do reino desavindas, mas sem resultado. Mas até nos útimos instantes da sua vida soube que dificilmente lhe seria dada a extrema-unção pois não obedecera ao Papa na questão do confisco dos bens dos cristão-novos e o facto é que o Conselho do Santo Ofício, poucas semanas depois da sua morte, lançou a excumunhão que atingiu também todos os que tinham colaborado na Lei de 1649 que suprimia os confiscos.

Logo a seguir à sua morte, reacendeu-se a luta entre os grandes do reino à volta das questões da sucessão e do governo, assistindo-se à divisão da nobreza em facções que se batiam entre si chegando por vezes à guerra aberta. «Cada fidalgo

disputava os comandos das armas que permitiam enriquecer rapidamente, os governos ultramarinos donde regressavam com grandes fortunas, e as missões

192 José Hermano Saraiva, «Portugal Restaurado» in: SARAIVA, José Hermano, Dir., História de

Portugal, Alfa, 1983, Lisboa, p. 19-53

diplomáticas consideradas como extremamente honrosas.»194

O 6º conde de Vimioso foi assassinado em Lisboa numa «explosão de

violência nesse jogo de cobiças e de inveja». O conde de S. Lourenço foi preso

como mandante do crime, mas foi o 2.º conde de Castelo Melhor que teve de fugir do País por lhe ter sido atribuida a verdadeira responsabilidade. A seguir à morte do Rei, foi o velho conde de Soure, D. João da Costa que foi destituído do mais importante cargo militar, o de governador de armas do Alentejo, com acusações de incompetência e de corrupção e ao ser chamado a Lisboa sofreu uma tentativa de assassínio, atribuida à facção oposta. Foi no entanto um dos chefes desta facção, o conde de S. Lourenço, que foi nomeado para o substituir. Em má hora pois foi sob o seu comando que Olivença caíu sob uma investida castelhana, caindo logo a seguir a fortaleza de Mourão195.

Num outro plano, verificavam-se traições e deserções. O duque de Aveiro, o primeiro entre a nobreza portuguesa, aceitou de Filipe IV o comando de forças para a invasão de Portugal. O embaixador português na Holanda foi sabotando as negociações até se passar definitivamente para o lado espanhol.

Se acrescentarmos as convulsões que se vão seguir na destituição de governantes, no apeamento da Regente e finalmente na tomada de poder pelo infante D. Pedro face a um jovem rei, D. Afonso VI, incapaz de governar ao atingir a idade em que o poderia fazer, incapaz de consumar o seu casamento com D. Maria Francisca de Sabóia - numa aproximação dos interesses franceses a qual consumará no entanto o seu casamento com D. Pedro - até finalmente à estabilização dos assuntos do reino já com o conde de Castelo Melhor, podemos comprender um pouco alguns dos relatos que Manucci nos dá sobre as sociedades de portugueses nas cidades da Índia como Goa ou, noutra escala, S. Tomé de Meliapor, pequeno microcosmo onde parecia espelhar-se o clima de grande divisão e de convulsões permanentes que ia no reino, de traições e de facções desavindas e que, apesar das distâncias, se repercutiu com o desfasamento temporal com que as notícias chegavam e os protagonistas se deslocavam, em S. Tomé de Meliapor.

194 Id., p. 24-25

2.3. Contexto urbanístico da Índia portuguesa.