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Em busca da padronização do comércio informal os quiosques de

CAPÍTULO III: A GENERALIZAÇÃO DA MERCADORIA: Articulação e

3.2 Em busca da padronização do comércio informal os quiosques de

As ruas do Centro de Recife sempre apresentaram comércio de ambulantes e camelôs. Este tipo de comércio informal, livre e, de certo modo, criativo, é parte da história do Recife140como na maior parte das cidades

Entretanto, o comércio de rua está associado a símbolos de pobreza, desemprego, violência e sujeira que, em seu conjunto, produz um espaço pouco ou quase nada atrativo para a classe média da cidade. Sem perceber a função do comércio de rua como redutor do desemprego aberto, a maioria das análises o reduz a uma idéia negativa de congestionamento de ruas e de falta de dinâmica própria (Figura 30, 31, 32 e 33).

A pobreza da maioria dos habitantes do Grande Recife tem sido ampliada nos últimos anos, fruto do processo histórico de desenvolvimento da cidade, que coaduna com o do Nordeste brasileiro141 e do Brasil. Entende-se aqui por pobre "a pessoa que integra uma família, cuja renda mensal não garante a aquisição de uma cesta básica, que permita a todos os membros a satisfação de suas necessidades

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nutricionais". Fig. 30 acima: Os Camelôs na Rua Tobias Barreto. Foto: Kátia Ribeiro,1999.

Fig. 31: Quiosques Padronizados para Camelôs.

Foto: Kátia Ribeiro,2000.

Fig. 32: Os Camelôs voltam às ruas - as possibilidades afloradas.

141

Essa pobreza, se não aumentou em termos relativos, seguramente aumentou em termos absolutos, em número de pessoas. No Grande Recife, o comércio de rua possui a função de reduzir um pouco essa pobreza, em virtude, precisamente, da probalidade que o trabalhador tem de procurar emprego e não o achar. Tem de se converter em trabalhador informal, ambulante ou camelô: esta é uma razão que em parte explica o baixo índice do "desemprego aberto" tende a ser mínimo nesta cidade, frente a taxa de 7,3% do índice nacional142.

Correia143 aponta que o comércio de rua do Recife apresenta especificidades no que se refere a sua expansão recente, sua flexibilidade, acesso ao espaço, heterogeneidade e conflitos, tanto internos quanto externos, mostrando-se dinâmico e articulado às mudanças de hábito de seus consumidores, seja por épocas festivas (artigos natalinos, juninos) seja por conjunturas econômicas (ramo alimentício ampliado em relação ao de vestuário, em tempo de recessão econômica).

Figura 33: Quiosques da Rua das Flores. Foto: Kátia Ribeiro, 1999.

142CAVALCANTI, Clóvis. Viabilidade do Setor Informal - a demanda de pequenos serviços no Grande Recife. p.

11-12.

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Tais especificidades o fortalece, criando assim o principal conflito com os lojistas: a concorrência “desleal”, indicada como a principal causa do afastamento de parte da clientela de renda mais alta, que se afasta por dificuldade de circular e ter acesso às lojas e de trafegar em ruas sem segurança e sem limpeza pública.

Ainda segundo Correia144, o papel desempenhado pelo comércio de rua no processo de afastamento das classes de renda mais alta do centro é bem menos relevante que o atribuído pelos lojistas. Há mudanças qualitativas na atividade comercial, materializada na expansão do comércio de artigos populares e no quase desaparecimento do comércio destinado às classes altas, cujas lojas fecharam ou estão progressivamente passando a vender artigos populares.

Nesse processo, a Autora aponta como fatores causadores dessa mudança: a constituição de centros secundários de comércio nas áreas residenciais de classe média e o surgimento dos shopping centers, sendo, portanto, a presença e a expansão do comércio de rua elementos que aceleraram ainda mais esse processo de mudança de uso do lugar.

As ruas-shopping Nova, Duque de Caxias e Imperatriz representam o “lugar onde os conflitos gerados em torno do comércio de rua são mais constantes, envolvendo a categoria e lojistas estabelecidos nas principais vias comerciais dos bairros de Santo Antônio e da Boa Vista"145.

Esses conflitos desencadearam o Plano de "reordenamento" do comércio ambulante (assunto tratado anteriormente), consistindo em uma série de medidas anunciadas pela Prefeitura de Recife, através do então Secretário de Infra-estrutura João Braga, aos empresários do Clube de Diretores Lojistas: a proibição do comércio de frutas e verduras no centro, deslocadas para as feiras e mercados dos bairros; a construção de módulos com quiosques próximos ao Camelódromo da Avenida Dantas Barreto; a seleção de ruas cujo comércio ambulante seria terminantemente

144 Idem; p. 61-62 145 FUNDAJ, op. cit. p. 59.

proibido, "como já vem acontecendo com as ruas Nova, Palma, Duque de Caxias e Imperatriz"146.

Para viabilizar seu Plano, a Prefeitura solicita dos comerciantes as "comissões de ruas" (atuais associações de ruas) que, entre outras funções, se encarregariam de atribuir conceitos aos fiscais de ruas. Esses conceitos influenciariam os salários dos fiscais, que teriam suas funções ampliadas, pois a função de impedir a entrada dos camelôs nas ruas revitalizadas não seria mais uma necessidade urgente mas sim, a de detectar as necessidades e acionar a execução do serviço147.

A vigilância da rua aumenta a cada dia. Ainda podem ser encontrados camelôs nas ruas do Centro. Em nossa pesquisa, não foi encontrada a mercadoria- vestuário entre os camelôs, o que inviabilizou o método comparativo entre os quiosques de camelôs e os vários centros de compras: as ruas-shopping e os camelódromos.

Em levantamento do comércio de rua, do trecho que compõem o "Pólo Imperatriz, desenvolvido pela CSURB148, foi detectada a presença de 79 pontos de

comercialização, representados no QUADRO 10. Entre as formas de comercialização se encontram: a) quiosques: revistas, bebidas, bombons e sorvetes; b) barracas: de coco, almoço, lanche, bebidas, pulseiras, chaveiros e bolsas; c) fiteiros: de bombons, óculos, ervas e chaveiros; d) bancas: revistas, consertos em geral; e) carroças: de tapioca, milho verde, lanches, coco e frutas tropicais; f) carros: de lanche.

146 DIÁRIO DE PERNAMBUCO. Comércio ambulante terá um novo reordenamento. Caderno Cidades. Recife,

Quinta-feira, 28 de janeiro de 1993.

147 JORNAL DO COMMERCIO. Fiscalização no Centro - Prefeitura pede a lojistas ação contra camelôs.

Cadernos Cidades. Recife, 14 de janeiro de 1993.

148 PREFEITURA DA CIDADE DE RECIFE/ CSURB. Levantamento do Comércio Informal no Centro - Pólo

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QUADRO 10: O PÓLO IMPERATRIZ

Suas ruas e estabelecimentos do comércio informal Centro de Recife, abril/ 2000

RUAS QUANTIDADES Hospício 15 Imperatriz 02 Aragão 01 Pç. Maciel Pinheiros 08 Conceição 16 Bulhões Marques 07 Rosário da Boa Vista 02 Sete de Setembro 13 Gervásio Pires 12 Martins Júnior 03

Fonte: PCR/CSURB. Pólo Imperatriz. Recife, abril de 2000.

Os camelôs diante das dificuldades de se manter nos camelódromos, voltam para as ruas, passando a comercializar suas mercadorias em modalidades diversas. Sendo, entretanto, sua permanência inibida pelo policiamento ostensivo, resta-lhes a alternativa de comercializar mercadorias que facilitem o deslocamento “rápido” na hora do “rapa”, seguramente o motivo da não comercialização da mercadoria- vestuário.

Surgem, assim, novas formas de comercialização, como as vãns (automóveis) que se transformam em lanchonetes e as roupas-cabide, aquelas onde são pendurados os produtos no próprio corpo do camelô, ao mesmo tempo em que antigas formas voltam à cena, tais como o uso do tabuleiro em "x", facilmente transportável, como também das cestas de comida.

Não se vêem camelôs nas ruas-shopping, apenas entre elas. Atravessando a Praça da Independência (Praçinha do Diário), entre as ruas-shopping Duque de Caxias e Nova, observam-se quiosques de venda de coco verde, bolsas e cintos, por trás das grades que separam os ambulofixos dos ambulantes (Figura 34). Há um ou outro camelô com seu tabuleiro. Suas mercadorias paraguaias, chinesas ou coreanas esperam a hora de serem sacolejadas na correria do "rapa”, ação dos policiais para apreender os objetos vendidos irregularmente nas ruas dos centros urbanos brasileiros. São camelôs novatos, pois os veteranos (existentes antes do

Plano de Revalorização) estão lotados nos camelódromos do Cais de Santa Rita e da Avenida Dantas Barreto, ambos localizados no Bairro de São José.

Figura 34: Grades da Praça da Independência.Foto: Kátia Ribeiro, 1999.

Entendemos que o comércio de rua, ainda sob forte tensão, resiste às intervenções do Plano de Revalorização do Centro de Recife. O espaço se reproduz de forma fragmentada, onde convivem ruas de camelôs, camelódromos e quiosques de camelôs em constantes conflitos pela disputa do lugar. Assim, para compreender esse espaço, é necessário captar uma parte da vida cotidiana dos indivíduos nele envolvidos, "um aspecto do drama escondido, a situação dessa cotidianidade"149.

3.2.1 Novas formas do comércio de rua: o camelô faz a novidade

O Centro segue sua dinâmica, surgindo outros camelôs e com eles, a necessidade de relocá-los para uma área planejada. São os quiosques dispostos em vários lugares do centro: ruas e esquinas, praças e laterais de lojas recebem os pontos comerciais, onde os ambulantes tornam-se fixos, "ambulofixos"

,

vendendo coco-verde, lanches, bolsas e cintos.

Cada dia é mais uma rua a ser "limpa" de camelô e apenas alguns deles permanecem, ou confinados a quiosques, dentro ou fora dos camelódromos, ou em

149 LEFÈBVRE, Henri. Critique de La Vie Quotidienné II. Fondements d'une sociologie de la quotidienneté.

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meios de locomoção de mercadoria, a exemplo das telas, tabuleiros e mesmo da roupa dos camelôs, meios de exposição dos produtos no centro.

Durante o dia todo, o Centro pulsa com o ritmo da vigília daqueles homens da CSURB, apreendendo as mercadorias, com as "carroçinhas" e seus policiais da Guarda Municipal. Além deles, os guardas de Apoio Lojista (Figura 35) encarregam- se de tudo ver e comunicar à Polícia Militar Estadual, através de um laptop ou celular. Logo chegará o dia em que as câmaras de vídeo sairão das lojas (quase todas possuem uma delas em seu espaço interior) e virão para as ruas.

Figura 35:Guardas de Apoio Lojista: a rua sob vigília.

O CTR ainda é visto como o lugar do "cheira - cola", do menino de rua, do "trombadinha", que levavam os relógios das pessoas que se descuidavam, tentando olhar as vitrines das lojas ou mesmo circulando pelas ruas, ao descer dos ônibus. Um amplo programa foi criado pelo CDL, levando-os a tornarem-se alunos profissionalizantes em Escola Profissional, mantida pelo lojistas e localizada no bairro do Curado, no município de Jaboatão dos Guararapes.

Mas o estigma do Centro se mantêm vivo no imaginário das pessoas que freqüentavam o Centro naquela época. Segundo o gerente das Lojas Emmanuelle, quando existiam camelôs nessas ruas "o corre - corre era grande, pois dificilmente

"pegava-se" um menino de rua. pois eles se "misturavam aos camelôs". (entrevista concedida em maio de 2001).

O Centro e o camelô. Acreditava-se que a retirada dos camelôs dessas ruas contribuiria para o retorno do consumidor de classe média, que se dirige aos shopping centers e hipermercados. E o consumidor não voltou. A transformação é muito mais ampla. Não é só no plano do formal, mas no social.

3.3 A Fragmentação sócio- espacial: A pulverização de

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