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É, também, neste mundo globalizado que se vai tornando cada vez mais claro o direito da luta colectiva pelo património natural que a todos nós pertence. Logo, um aspecto aqui a considerar diz respeito ao facto de que a globalização económica avança proporcionalmente à degradação do meio ambiente, razão imperiosa para que se procure equacionar, quanto antes, um ponto de equilíbrio que permita criar bem-estar material para o homem, preservando, ao mesmo tempo, os recursos e condições naturais para as presentes e futuras gerações, obedecendo, assim, ao princípio do desenvolvimento sustentável.

O conceito de desenvolvimento sustentável começou a ganhar especial projecção a partir de 1987 com a publicação do livro Our Common Future da responsabilidade da Comissão Mundial para o Ambiente e o Desenvolvimento, das Nações Unidas, tendo os seus trabalhos, ao longo de quatro anos, sido presididos pela então primeira-ministra norueguesa e depois directora-geral da Organização Mundial de Saúde, Gro Harlem Brundtland. A ideia basilar subjacente ao conceito de desenvolvimento sustentável presente nesse relatório é a de que a humanidade, ao assegurar que vai ao encontro das necessidades da presente geração sem comprometer a capacidade das futuras gerações em satisfazer também as suas próprias necessidades, tem a capacidade de tornar o desenvolvimento sustentável (WCED, 1987, p. 8).

Importa notar que esta conceptualização do desenvolvimento sustentável tem sido alvo de grande controvérsia. Sobre as críticas mais diversas a que tem sido sujeito este tipo de desenvolvimento, Palmer (1992, p. 182) explica que uma compreensão do complexo conceito de sustentabilidade está longe de ser algo sem hesitações, pois não há modelos existentes para se considerar e, na melhor das opções, só é possível construir uma descrição académica ou uma visão hipotética do que seria um processo, uma prática ou uma sociedade sustentável. Por sua vez, Shiva (1992, p. 188) numa crítica feroz considera que a ideia de desenvolvimento sustentável preconizada no Relatório Brundtland não se liberta do modelo de crescimento económico dominante no mundo ocidental e confunde modernidade com consumismo e economia de subsistência com atraso, sendo esta confusão bastante negativa porque omite o

papel deste modelo de crescimento na destruição dos processos naturais e na sobrevivência das pessoas dos países do Terceiro Mundo. Assim, dando como exemplo a deslocação de populações inteiras dos locais onde sempre viveram e o consequente abandono das actividades tradicionais a que sempre se dedicaram, quando expostas a um modelo económico que lhes é estranho, o autor do artigo Recovering the Real Meaning of Sustainability acentua a necessidade de se ter em conta a variedade de formas culturais e de tradições que de facto existem, ao mesmo tempo que lembra que o comércio de bens e serviços foi, desde tempos imemoráveis, sempre submetido à economia da natureza e à economia das pessoas, o que é, ainda, bem visível nas modalidades de subsistência encetadas na maior parte dos países em vias de desenvolvimento.

Passados mais de vinte anos sobre a apresentação do Relatório da Comissão Mundial para o Ambiente e o Desenvolvimento, o conceito de desenvolvimento sustentável serve ainda de referência à maioria das políticas internacionais, europeias e nacionais, bem como ao mundo dos negócios e à sociedade civil. Progressivamente, tornou-se claro que o desenvolvimento sustentável não traduz um conceito de natureza científica, cujo sentido se possa fixar numa definição definitiva, mas “um discurso ambiental, predominantemente global que se tornou dominante” (Santos, 2007, p. 253). Para o geógrafo Lambin (2006, p. 67) a razão do sucesso do discurso do desenvolvimento sustentável advém do facto de este se inscrever na lógica da modernidade e do pensamento racionalista e antropocêntrico que tem vindo a dominar o modo industrial e tecnológico de desenvolvimento. O conceito de desenvolvimento sustentável rejeita, como explica Lambin, a ideia de crescimento económico zero e preconiza, ao invés, um papel apropriado para as forças do mercado no processo de desenvolvimento, o que permite exprimir uma vontade de fazer melhor, racionalizando não só o processo de desenvolvimento, mas também o seu impacte social e ambiental. Aí reside, pois, a força pragmática do discurso do desenvolvimento sustentável.

De igual modo, na sua abordagem ao que deve ser entendido por desenvolvimento sustentável, Santos (2007, p. 253 e seguinte) refere que, embora reconheça a existência de limites ecológicos para o crescimento, o discurso do desenvolvimento sustentável distingue-se

do discurso dos limites33 ao defender que é possível compatibilizar aqueles com um

crescimento económico que pode continuar indefinidamente por meio de políticas e medidas

adequadas. Distingue-se, igualmente, do discurso prometeano34 porque requer um espaço

33 Inicialmente, o discurso dos limites foi protagonizado pelo Relatório The Limits to Growth, do Clube de Roma,

publicado em 1972. Entretanto, ele evoluiu e tornou-se mais sofisticado e credível.

34 A designação do discurso prometeano baseia-se na analogia simbólica do episódio da mitologia grega em que

Prometeu rouba secretamente o fogo a Zeus para o dar às criaturas humanas, conferindo-lhes assim uma capacidade ilimitada de progresso.

colectivo de integração e coordenação das políticas económicas, sociais e ambientais, em vez de confiar apenas no engenho humano para resolver problemas de forma casuística. Para concluir que, “o discurso do desenvolvimento sustentável é o mais equilibrado e promissor de que dispomos”. Contudo, ele é também, e sobretudo, interpretativo e tem grande dificuldade em se traduzir num discurso de acção. Para este autor (Santos, 2007, p. 255) o sucesso da tradução do discurso da sustentabilidade num discurso de acção eficaz irá depender da capacidade de o disseminar e de promover a sua aceitação a vários níveis, por meio de iniciativas e acções concretas envolvendo os diversos agentes: governos, administrações locais, empresas, organizações não-governamentais e o público em geral. Se não houver sucesso, as crises e rupturas serão muito provavelmente inevitáveis a médio e longo prazo. Mas, quer se seja pessimista ou optimista, a verdade é que, segundo este autor, os resultados conseguidos pelo discurso do desenvolvimento sustentável podem ser considerados de muito limitados, já que tem-se assistido a uma intensificação e difusão cada vez mais alargada de formas de capitalismo liberal transnacional dificilmente compatíveis com os objectivos da sustentabilidade. Acresce que, o desenvolvimento sustentável é actualmente um território onde interesses distintos e, por vezes, conflituosos procuram encontrar e defender o seu espaço.

Assim, sintetizaremos de seguida alguns dos interesses contraditórios que de acordo com um vasto leque de estudos são considerados como específicos do presente modelo de teor economicista que tem como alicerce principal o desenvolvimento tecnológico, indissociável da visão de domínio da Natureza. Nestes conflitos de interesse são de um modo geral os países em vias de desenvolvimento, as gerações futuras e a Natureza que acabam por ficar esquecidos.

Vejamos, primeiro, a contradição que opõe ricos e pobres, particularmente os países ditos desenvolvidos e os países em vias de desenvolvimento. Os países desenvolvidos vêem no discurso do desenvolvimento sustentável a exigência de gerir melhor o ambiente no seu território, sem afectar o seu crescimento económico, sendo que neles há já hoje uma maior consciência e uma intervenção crescente no sentido de resolver as questões ambientais e de saúde pública. Por sua vez, os países em vias de desenvolvimento vêem aí uma prioridade económica e só depois exigências ambientais, já que erradicar a pobreza e recuperar o seu atraso económico em relação aos países desenvolvidos são considerados pontos prévios a uma melhor gestão do ambiente, destacando-se assim a sua menor capacidade e falta de meios financeiros para defender a preservação e conservação dos recursos naturais.

Como sublinha Brodhac (2004, p. 370), é uma ilusão pensar que a reconciliação do ambiente com o desenvolvimento será possível unicamente através da procura de soluções e

de políticas em que todos saem ganhando. O desenvolvimento sustentável é, antes de tudo, uma questão de opção política entre objectivos ambientais, económicos e sociais. Pois, não é possível definir-se um método operacional para se atingir o desenvolvimento sustentável sem se exprimir também uma ordem de preferência (ou de prioridade) para factores como a produtividade biológica, a diversidade genética, a estabilidade do clima, a resiliência dos ecossistemas, a conservação dos recursos naturais, a satisfação das necessidades humanas de base, a equidade entre indivíduos e grupos sociais, a diversidade cultural, a estabilidade das instituições, a justiça social ou a participação da sociedade civil nas decisões políticas. Ora, qualquer hierarquização destes factores é não só necessariamente subjectiva como dependente de um contexto social e cultural particular.

Embora seja certo que todos os países são responsáveis pelo futuro sustentável do planeta, é preciso observar que essas responsabilidades são, no entanto, diferenciadas. Como se sabe, as civilizações ocidentais têm liderado o processo de introdução de inovações que, em grande medida, são responsáveis pelas mais profundas alterações do meio ambiente. A obsessão consumista que afecta sobremaneira a maioria das populações dos países desenvolvidos (criando a ideia de que “viver melhor é sinónimo de consumir mais”) tem reversos de medalha que gradualmente vão sendo identificados. O aumento dos diferentes tipos de poluição, a proliferação de zonas do planeta em risco de desertificação, a questão da qualidade de muitos dos alimentos produzidos em sistemas agrícolas intensivos, são alguns dos problemas já tão repetidos que quase se banalizam nos nossos dias. O problema é que muitas das inovações são aplicadas sem se conhecerem todos os efeitos que podem originar. Tudo (ou quase tudo) o que se faz (quer o positivo, quer o negativo) tem por princípio básico a competitividade normalmente conseguida, quer pelo confronto entre a máxima produtividade e o mínimo custo de produção, quer por uma gestão comercial e estratégias de marketing bastante eficientes. Contudo, como refere Odum ([1953]1988, p. 657), “maximizar a produção, sem ter em atenção outras consequências, está a produzir reveses, tanto ambientais como sociais, muito sérios”.

Poder-se-á, aqui, evocar a Pegada Ecológica: um indicador ambiental que corresponde à superfície terrestre e marinha biologicamente produtiva necessária para fornecer os recursos consumidos (por um indivíduo, uma determinada população humana, uma economia ou, até mesmo, uma actividade) e absorver os resíduos resultantes desse mesmo consumo. O crescimento deste indicador tem sido constante, a um ritmo de 2,5% ao ano, num espaço cuja superfície é, obviamente, limitada e tem sido conseguido em detrimento dos espaços naturais, a terra e o mar, aqueles que justamente garantem a reprodução da vida e dos equilíbrios naturais. Segundo alguns investigadores, o limiar de tolerância próximo de 2,1 hectares por

pessoa terá sido ultrapassado nos já longínquos anos da década de 1970. Actualmente, cerca de metade dos povos que habitam o planeta Terra encontram-se abaixo desse valor, em contraste com o que se passa nas sociedades americana e europeia, onde um americano médio consome o equivalente a seis vezes mais essa superfície e um europeu três vezes mais (Brodhac, 2004, p. 372). Por sua vez, Fulgêncio (2008) numa exposição sobre a evolução deste indicador ambiental demonstra que nas sociedades tidas como mais desenvolvidas em que as pegadas ecológicas são superiores à dimensão do território disponível, a sua sustentabilidade só é possível graças à utilização de recursos exógenos, que provém de territórios onde as pegadas ecológicas são menores, acabando por concluir que a pegada ecológica é uma pegada cada vez menos ecológica.

Note-se, ainda, que o compromisso dos países desenvolvidos, reiterado na Conferência das Nações Unidas sobre meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, que evidenciou o esgotamento de um modelo de desenvolvimento que se mostrou ecologicamente predatório e socialmente perverso, de canalizar 0,7% do seu PNB para a ajuda ao desenvolvimento não foi cumprido, já que dos 0,35% efectivamente subvencionados, passou-se, em 2002, para perto de 0,2% (Brodhac, 2004, p. 373). E esta questão não é apenas quantitativa, pois é necessário transferir para os países em vias de desenvolvimento ciência e tecnologia que lhes permita desenvolver conhecimentos próprios e técnicas mais adaptadas aos seus contextos sociais e culturais, em contraponto com o que se verificou até aqui, ou seja, uma mera transferência das actividades mais poluentes. Não nos parece, no entanto, plausível que na política internacional e na economia actuais deixe de primar a relação de força, embora fosse desejável.

A segunda contradição que referimos coloca frente a frente os homens de hoje e as gerações futuras. Com efeito, esgotando no presente as reservas de petróleo e os jazigos de metais ou acumulando poluentes na atmosfera lega-se às gerações futuras um património de problemas, o que põe em causa a própria noção de progresso. Como escreve Brodhac (2004, p. 369), “Por nossa causa, a sorte das gerações futuras poderá ser bastante menos favorável do que a nossa”. Para nos acercarmos do que aqui está em jogo comecemos por reflectir sobre aquilo que há já alguns anos, em 1989, na sua obra The End of Nature, McKibben denominou de “limites voluntários” à chamada intervenção humana na Natureza, e que nos remete para a especificidade dos valores éticos na sua ligação com o agir humano. Escreveu este ecologista americano que: “Se assim o decidirmos, poderemos usar a nossa razão para fazer o que mais nenhum animal pode fazer: estabelecer limites voluntários à nossa actuação, escolher continuar a ser criaturas de Deus, em vez de nos auto- promovermos à categoria de Deus. Essa, sim, seria uma elevada façanha, muito mais impressionante do que a

maior das barragens (os castores também as podem construir), porque muito mais difícil. Esta repressão voluntária – e não a engenharia genética ou a administração planetária – constitui o verdadeiro desafio, a parte difícil. Claro que podemos cruzar genes. Mas seremos capazes de não os cruzar?” (Mckibben, 1989, p. 274).

Quando nos encontramos no plano do agir especificamente humano, o agente não é apenas aquele que realiza a acção, seja ela instintiva ou um fazer técnico centrado no objecto, mas é também aquele que se expressa e define na acção. Por isso, e no caso concreto de cruzar ou não os genes, a acção humana remete, por um lado, para um comportamento intencional e motivado ou, dito de outro modo, para o campo da responsabilidade e da liberdade. Aquilo que permite qualificar uma acção de humana é, justamente, o facto das consequências dessa acção serem analisáveis em função do sentido que carregam e de serem consideradas em termos de responsabilidade do agente que livremente a realiza. A questão do agir humano

remete, por outro lado, para a indagação das intenções e dos motivos35, que se situam no plano

das decisões do agente da acção. Para McKibben uma das razões da pouca atenção dispensada ao mundo natural que nos rodeia prende-se com a noção de que ele sempre lá esteve e, presumivelmente, sempre lá estaria. Contudo, “à medida que ele desaparece, a sua importância primordial tornar-se-á mais clara – da mesma forma que algumas pessoas pensam ter afastado os seus pais das suas vidas, para só compreenderem o engano no dia de os enterrar”. Assim, e porque esta perda da Natureza tem a peculiaridade de não ter sido inevitável, “ela provoca interrogações profundas que não se colocam quando uma pessoa morre” (Mckibben, 1989, p. 97 e seguinte). Ora, para McKibben, tudo quanto antigamente pensávamos que a Natureza era (estado selvagem, Deus, um simples espaço isento de marcas humanas ou, ainda, um complexo mecanismo a sustentar a vida sobre a Terra) levou um “pontapé” que irá transformar tudo definitivamente.

Para destacar este último aspecto, não é possível fazer melhor do que citar uma outra passagem dos seus escritos que ultrapassa largamente os avisos científicos e as situações práticas de desconforto que, mais ou menos, já fazem parte do nosso quotidiano. A passagem seguinte expressa bem o verdadeiro significado das alterações já produzidas no planeta em que vivemos: “Sendo as coisas o que são, não tenciono ir viver para uma gruta, nem mesmo para uma cabana sem aquecimento. (…). Mas esta podia ser a Era escolhida pelas pessoas para decidirem ao menos não prosseguir na via descendente que temos vindo a trilhar – a era em que seriam feitos, não só os ajustamentos tecnológicos para preservar o mundo do sobreaquecimento, mas também os ajustamentos necessários para garantir que nunca

35 Os conceitos de intenção e de motivo são conceitos distintos, mas próximos. Segundo Ricoeur (1988, p. 50 e

seguintes), o primeiro remete para a consciência que o agente tem dos seus actos, do significado por ele imprimido às suas acções. E o segundo remete para a formulação de uma explicação que os permita compreender. Esta relação significa a entrada nos terrenos da reflexão ética.

mais colocaremos o nosso próprio bem à frente do bem de todas as outras coisas. É este o caminho escolhido por mim, pois ele oferece, no mínimo, uma réstia de esperança para um mundo vivo, eterno e cheio de significado” (Mckibben, 1989, p. 273). McKibben sustenta ainda que a invenção das armas nucleares poderá ter marcado o princípio do fim da Natureza, na medida em que “possuímos, finalmente, a capacidade de a superar, de deixar uma marca indelével por toda a parte e de uma só vez” (Mckibben, 1989, p. 92). Assim, ainda estará o Homem a tempo de uma decisiva viragem tendente a preservar a Natureza de que somos herdeiros ou estará só a caminhar inexoravelmente para o seu fim? Quando McKibben diz que “a Natureza acabou”, isso não significa, obviamente, que os processos naturais tenham cessado, mas sim que acabámos com aquilo que, pelo menos, nos tempos modernos, e no mundo ocidental, nos servia para definir o conceito de Natureza, isto é, a sua separação em relação à sociedade humana. Para o autor, aquela separação é verdadeiramente real, já que “ficará muito bem argumentar, como certos poetas e biólogos fizeram, que devemos enquadrar-nos na Natureza, reconhecer que somos apenas mais uma espécie entre muitas, e tudo o mais. Mas nenhum de nós, lá no fundo, acredita realmente nisso” (McKibben, 1989, p. 90).

Assim, a terceira contradição tende a opor o Homem, de um lado, e a Natureza e os seres vivos, de outro. A doutrina judaica-cristã fortemente dominante no chamado mundo ocidental atribui ao homem, por o considerar feito à imagem e semelhança de Deus, o direito de dominar a natureza. A história do Génese (Capítulo I, versículo 28), em que Deus diz ao homem: “crescei e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a, e dominai sobre os peixes do mar, e sobre as aves do céu, e sobre todos os animais que se movem sobre a terra”, talvez tenha estado, implicitamente, ligada à forma como o homem actual encara a Natureza: “um campo livre confiado ao homem para que o explore e dele se assenhoreie”, encontrando-se “aberto à ciência e à técnica, que teriam sido impedidas ou entravadas por um mundo sacralizado, cheio de interditos e tabus” (Finance, 1984, p. 1415). Por

outras palavras, o fosso entre o Homem e a Natureza é cada vez maior36.

36 Em contraste, as sociedades ditas arcaicas, primitivas ou tradicionais sempre souberam viver em equilíbrio com

o meio ambiente. Essa relação baseia-se no respeito e na veneração que os indivíduos dessas sociedades têm por tudo aquilo que os rodeia. Note-se que baseados na investigação de culturas concretas, os antropólogos têm vindo a demonstrar que estas sociedades possuem regras de convivência social e uma organização económica que são consequentes com os seus níveis de desenvolvimento tecnológico. O que ressalta desses estudos é a teoria de que as sociedades não são estáticas, pelo contrário, elas encontram-se em constante movimento e, por isso, vão sofrendo mutações. É certo que as sociedades que sempre estiveram em contacto com outras, com um mundo exterior ao seu, depressa sofreram profundas mudanças e, por conseguinte, conseguiram uma maior evolução técnica, o que lhes conferiu um estatuto de sociedades mais evoluídas ou desenvolvidas. Outras sociedades, que por diversas razões permaneceram durante muito tempo isoladas do contacto com o exterior, não tiveram necessidade de proceder desenfreadamente a uma constante evolução técnica que, depois, pudesse até fugir ao controle dos próprios indivíduos. Nestas sociedades menos evoluídas tecnicamente, o importante é a preservação e a protecção da sua autenticidade, do seu passado, sempre baseado na experiência empírica. Podemos clarificar, ainda, mais esta ideia dizendo com Lévi-Strauss ([1952]1973, p. 115) que “o estudo dessas sociedades ensina-nos que, para

os humanos, há muitas maneiras de viver em comunidade. Que a forma que nós escolhemos não é a única válida ou simplesmente