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4. Quanto aos resultados

4.3. Em relação ao conceito de deficiência

Compreender como o professor de educação física conceitua a deficiência e/ou necessidades especiais também foi interesse de 27,27% dos pesquisadores que compõem o banco de dados desta tese. Os trabalhos apresentados no quadro 9 questionaram explicitamente os participantes qual o entendimento que eles tinham sobre o conceito de deficiência e/ou necessidades especiais.

Quadro 9: Sobre o conceito de Deficiência dos professores participantes

Informações a partir do texto do pesquisador, as falas dos professores estão disponíveis no Apêndice A

Francisco (2011)

Os professores utilizaram do senso comum como pilar para apresentar suas definições. Somente um participante utilizou termos da CIDID14 (1989) e da CIF15 (2003). Vários participantes utilizam termos como “limitação” e “dificuldade”.

Gomes (2012)

Imprecisão relativa aos conceitos. Variações relativas ao conceito médico e ao modelo social.

Gomes (2011)

Referiram-se à deficiência como “problema” ou como “diferença”. A autora identificou componente predominantemente ao modelo médico da deficiência, mas aponta também o modelo caritativo ou religioso, o qual considera a pessoa com deficiência vítima de sua incapacidade, uma situação trágica, que acarreta sofrimento, por isso merecem piedade.

Mahl (2012)

Todos os participantes apresentam entendimentos similares, de modo geral, que a deficiência seria a ausência ou a disfunção de uma estrutura psíquica, fisiológica ou anatômica, o que acarreta limitações quando se compara com aqueles que não a possuem, mas que se houver condições e adaptações conseguirá realizar.

14

CIDID: Classificação Internacional de deficiências, incapacidades e desvantagens. 15

Mahl (2016)16

Similarmente ao estudo de 2012, a autora aponta que de um modo geral, os participantes entendem que a deficiência seria a ausência ou a disfunção de uma estrutura psíquica, intelectual, fisiológica ou anatômica e que estas características acarreta em limitações para a pessoa realizar alguma atividade quando comparada com aqueles que não a possuem.

Michiles (2018)

- Natural, geneticamente determinada, que pode acontecer com qualquer pessoa e relacionada à doença. A autora aponta uma indiferença do professor, visto que o mesmo faz uma analogia comparando a deficiência de uma pessoa a uma fruta feia ou bonita encontrada na feira.

- Perda, falta de algo. Sanches

Júnior (2009)

O autor questionou quem é o PNE e organizou os resultados sobre o conceito a partir de 7 abordagens diferentes:

1. Limitação Funcional ou de Realização de Atividades 2. Limitação de Aprendizagem

3. Todos que apresentam alguma limitação 4. Deficiência física ou mental

5. Pessoas com limitações físicas ou mentais que Necessitam de atendimento diferenciado para desenvolver-se

6. Todo ser humano é portador de alguma necessidade especial 7. Não atendem os padrões / Anormais

8. Sem Definição

A partir destas abordagens o autor reagrupou-as em: a. Abordagem das limitações ou incapacidades (1,2,3 e 5) b. Abordagem das deficiências – anormalidade (4 e 7) c. Abordagem da igualdade ou nivelamento (6)

O autor aponta que 98% dos pesquisados atribuem à PCD ou PNE o foco da limitação, da deficiência e da anomalia, contra 2% que estão sob o prisma da igualdade.

Seabra Júnior (2012)

Recai efetivamente na dificuldade e na diferença.

Souza A professora entende a deficiência como falta e alterações que podem ser

16

Explicitamos que os trabalhos de Mahl (2012 e 2016) apresentam alguns trechos idênticos de informação. Como exemplo: texto de 2012, p. 107: “Os professores foram unânimes em mencionar que preparar atividades para os alunos com deficiência intelectual “é bem mais fácil” devido a não precisarem adaptar as atividades, os materiais e os espaços; precisam apenas explicar com calma, retomar algumas explicações e demonstrar alguns movimentos. Consideraram ser “mais difícil e complicado” preparar atividades visando à inclusão dos alunos com deficiência física e visual, pois, a Educação Física prima pela movimentação, fazendo-se necessárias adaptações metodológicas à efetiva participação destes alunos em especial. No texto de 2016, p. 180: “Os participantes também delimitavam seus alunos com deficiência como “mais fáceis e mais difíceis” de trabalhar. Eles foram unânimes em mencionar que preparar atividades nas aulas de Educação Física para os alunos com deficiência intelectual “é bem mais fácil” devido a não precisarem adaptar as atividades, os materiais e os espaços; precisam apenas explicar com calma, retomar algumas explicações e demonstrar alguns movimentos. Consideraram ser “mais difícil e complicado” preparar atividades visando à inclusão dos alunos com deficiência física e visual, pois, a Educação Física prima pela movimentação, fazendo-se necessárias adaptações metodológicas à efetiva participação destes alunos em especial, o que torna difícil incluí-los”. Entendemos que os dois trabalhos são da mesma autora e tratam do mesmo assunto, e que não temos conhecimento das condições de sua execução, mas este fato nos levou a questionar esse tipo de procedimento num trabalho científico.

(2008) permanentes ou temporárias, anormalidade. Indicando uma visão biológica. Fonte: Elaboração própria

Os resultados do quadro 9 apontam que, em sua maioria, os professores, ao definir deficiência, estão embasados no senso comum ou em aspectos médicos/biológicos (de classificação) desse conceito. O entendimento de que o indivíduo é um problema ou tem uma diferença, assim como de que a deficiência é ausência ou disfunção, anormalidade demonstram, além de falta de conhecimento, alguns preconceitos.

Algumas falas dos professores como: não ter habilidade suficiente, não entender e não conseguir realizar, ser até meio inteligente, a diferença, a perda, a ausência, a falta (APÊNDICE A), são termos, que denotam sempre um comparativo, em pares antagônicos, e até quantitativos de habilidade/inabilidade, de sucesso/insucesso, de normal/anormal, como categorias opostas. Entende-se que estas demonstram concepções de um desenvolvimento do indivíduo com deficiência avaliado pelas limitações e não pelas potencialidades. Salienta-se a fala de que a deficiência é geneticamente determinada, que demonstra que não há nem o conhecimento da etiologia das deficiências de uma forma geral, denotando uma concepção biológica e naturalizante que se tem de indivíduo. Outro exemplo dessa concepção é o entendimento de que é o aluno com deficiência que não compreende o que o professor solicita, ele é o único que não consegue; é ele que não consegue captar o comando; é ele que atrapalha qualquer outra atividade (APÊNDICE A). Assim, a responsabilidade recai única e exclusivamente sobre aquele que teria uma deficiência.

Como aponta Vigotski, “que horizontes se abrirão para o professor, quando ele reconhecer que o defeito não é somente um menos, um déficit ou uma fraqueza, mas também um mais, uma fonte de força e que há implicações positivas” (VYGOTSKY, 1987, p. 56).

Vigotski aponta que o defeito orgânico não altera somente sua relação com o mundo, mas, acima de tudo, modifica suas relações com as pessoas. Como afirma o autor, este defeito, no caso da cegueira ou da surdez, por exemplo, é um fator biológico, e não social, mas acima de tudo, esse defeito gera inúmeras consequências sociais, e são com elas que o educador deve lidar. Diante de uma criança cega, o professor não tem que lidar com a cegueira, mas com os conflitos que essa criança terá que lidar ao longo do seu desenvolvimento, especialmente porque, logo no início, sua relação com o mundo ocorrerá de forma diferente, se comparado à forma das pessoas sem deficiência;

assim, como tratado na seção 3, a deficiência é tanto uma questão social, quanto psicológica (VYGOTSKY, 1987).

Segundo Vigotski, é precisamente a oposição entre um dado defeito orgânico e os desejos, fantasias e sonhos, que cria o impulso psicológico que vai compensar o defeito ou a perda causados pela deficiência.

Mas, pergunta-se: como ter/gerar essa força dinâmica no ambiente educacional diante da concepção de deficiência que os professores apresentam?

Como afirmam Dias e Souza (2017), “os processos de mudança da prática dos professores dependem de suas mudanças internas, como sujeitos que ensinam na relação com as condições objetivas” (p. 183). Entende-se que as mudanças internas apontadas pelos autores referem-se à forma como se compreende o indivíduo com deficiência. Essas mudanças dependem também das condições objetivas de trabalho, de formação profissional, mudança de significado e sentido, ou seja, mudanças da consciência. E, neste sentido,

A educação fracassa se não toma em consideração as diversas interconexões da criança com o ambiente, se está alienada da sua vida real, das condições subjetivas (apenas através das quais pode atuar), da precedente história do desenvolvimento de cada aluno, da sua idade e de suas características individuais, das suas capacidades, interesses, exigências e outras atitudes perante a realidade. (KOSTIUK, 1956/2005, p. 57)

Não se pode atribuir toda a responsabilidade (da educação inclusiva) somente ao professor, visto que são inúmeros os fatores que influenciam no processo de inclusão; entretanto, ele precisa assumir seu papel, o seu lugar social, visto que esta é a finalidade de sua atividade profissional. Como afirma Dias e Souza (2017, p. 192), este “lugar social não se refere somente a uma função na sociedade, mas, dialeticamente, a atividade torna-se o meio de organização do pensamento, pois em torno dela o desenvolvimento se intensifica”. Dessa forma, à medida que o professor transforma e é transformado pela apropriação dos conhecimentos na sua atividade profissional, ele ressignifica a sua atividade de ensino e desenvolve a sua consciência profissional (DIAS; SOUZA, 2017).

Por outro lado, a divisão social do trabalho e a estrutura de classes, características do capitalismo, geram uma ruptura entre significado e sentido da ação, como Basso, fundamentado em Leontiev, afirma: “o sentido pessoal da ação não corresponde mais ao seu significado”, ou seja, se tornam alienadas. Assim, “O trabalho do professor será alienado quando seu sentido não corresponder ao significado dado

pelo conteúdo efetivo dessa atividade previsto socialmente, isto é, quando o sentido pessoal do trabalho separar-se de sua significação” (BASSO, 1998, p. 4).

Entretanto, para o professor, parece haver consonância entre o significado e o sentido, ao ensinar indivíduos com deficiência, visto que, para a maioria deles, incluir se resume a integrar, promover a interação social. Assim, defende-se a necessidade do professor mudar o significado do ser deficiente e de suas possibilidades. Nesse sentido, há que se apropriar de conceitos que possibilitem uma nova compreensão da pessoa com deficiência.