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Capítulo 3: Liberdade e Verdade

2. Em torno da verdade

Em primeiro lugar cabe uma delimitação do tema que iremos abordar. Nas linhas que se seguirão iremos esmiuçar a verdade que habita o mundo dos homens. Deixaremos para outro capítulo a abordagem da «verdade» na sua dimensão «transcendental» nomeadamente com o papel e a importância das «cifras».

A verdade, na construção jaspersiana, possui várias facetas que se apresentam interligadas.

Não podemos negar, seguindo Jaspers, que a verdade já em sua «palavra possui uma incomparável magia»405

A «verdade» causa-nos dor e sofrimento, dá-nos coragem para enfrentar quer as ameaças exteriores quer aquelas que advém da nossa perceção do que somos ou do caminho que temos que percorrer, pois «o homem é uma corda estendida entre o animal e o super-humano – uma corda sobre um abismo. É perigoso transpor o abismo – é perigoso ir por este caminho – é perigoso olhar para trás – é perigoso ter uma tontura e parar de repente!»406

Jaspers expressa as nossas dúvidas que nos possam afligir: «existe a verdade, nós pensamos, como se esta fosse evidente em si»407

Todavia, ao aproximarmo-nos e termos mais atenção do que ocorre à nossa volta, veremos que no mundo real a «evidência» e predomínio da «verdade» pode rapidamente desaparecer. O que os homens dizem a respeito da «verdade» é impreciso. A dependência aos acontecimentos, aos discursos, ao uso da força – não dos argumentos – que compromete, sobremodo, a «evidência da verdade» leva-nos a concordar com

404 Jaspers, K. (2014); Truth, Freedom and Peace; Existenz; volumes nº2, Fall 2014

405 Jaspers, K. (1995); Philosophy of Existence; University of Pennsylvania Press; Pennsylvania. p.33 406 Nietzsche, F. (2015); Assim falava Zaratustra; Edição Babel; Lisboa. p.29

Jaspers quando diz «o clamor da verdade é transformado até mesmo numa arma de falsidade».408

Jaspers responde a este «jogo de sombras» que ocorre ao buscarmos a verdade, dizendo «nós concebemos uma inequívoca verdade pousada em afirmações válidas feitas com base na experiência visual e evidência lógica» e, prossegue, «apesar de todas as subtilezas céticas, nós, mesmo assim, encontramos os objetos metodologicamente depurados das ciências».409

A «experiência visual», bem como a «evidência lógica», no nosso modo de encarar a questão da «verdade», remeter-nos-ia à metodologia da Psicopatologia Geral. Tal metodologia, em seu carácter plural, não deixa de valorizar a importância das ciências410.

Os passos que devemos dar para nos acercarmos da «verdade», na visão jaspersiana, dependeria de um «movimento» e de uma «relação».

Jaspers diz-nos que «através da nossa compreensão, nós descobrimos uma convincente inteligibilidade e, correspondente a isso, o fato universal assentado nos resultados por parte de todo o ser racional que os compreende»411.

A «compreensão» que alcançamos como «seres racionais» ocorre pela necessidade e pelo rigor dos significados das afirmações que não só proclamamos, mas os demonstrarmos. Como exemplo, desta imperiosa alternativa temos as técnicas matemáticas que são o suporte da física teórica.

Damo-nos conta que tal verdade segue caminhos, «...os quais são diferentes em essência e são as fontes daqueles absolutos conteúdos que sustentam a vida do homem – pensando que nem toda vida é da mesma forma – que são então comunicados em afirmações»412.

408 Jaspers, K.(1995); Philosophy of Existence; University of Pennsylvania Press; Pennsylvania.p.34 409 Jaspers, K.(1995); Philosophy of Existence; University of Pennsylvania Press; Pennsylvania .p.35 410 As referências a «experiência visual» e «evidência lógica» remeter-nos-iam às questões

relacionada com o delírio que já foram expostos no respetivo capítulo desta tese.

411 Jaspers, K.(1995); Philosophy of Existence; University of Pennsylvania Press; Pennsylvania p.35 412 Jaspers, K.(1995); Philosophy of Existence; university of Pennsylvania Press; Pennsylvania

Estas «comunicações» de «afirmações», a princípio, surgem no campo da ciência ou através «da consciência em geral», pois esta é o «campo» onde os temas se tornam claros e delimitados.413

A «verdade» tem um papel importante a partir do ponto onde começamos a perceber, de forma irrefutável, o fim da «consciência em geral». Devemos avançar e deparamo-nos com um «limite».

Sigamos Jaspers, «nós encontramos um limite onde nossa existência é uma outra existência, pensando ambas na visão da verdade como alguma coisa que é única e a mesma»414.

Porém, esta «visão da verdade» ainda é desconhecida. Frente a um «limite» ocorre o confronto de «forças»415

Nestes limites uma outra «verdade» fala mais alto. É uma forma peculiar do significado da «verdade» que emerge «de toda a forma do Abrangente que nós somos, não somente da consciência em geral, a qual é o locus do irrefutável discernimento, mas da existência, espírito, e “Existenz” também»416

No próximo capítulo entraremos em detalhes em relação às categorias alavancadas por Jaspers: a existência, o espírito e a “Existenz”.

Antes de tecermos quaisquer comentários a respeito da «verdade» e dos «modos do Abrangente» nas três instâncias já assinaladas, devemos clarificar um aspecto fulcral na filosofia de Jaspers referente a «verdade».

Ei-lo: estamos perante uma multiplicidade de «verdades» nas quais vivemos. A pergunta que cabe, seria então: não existe nenhuma «verdade» una?

Porém, somos levados por uma «preocupação existencial» pela unidade. Preocupamo- nos em encontrar esta «unidade». Diante de nós temos, não somente uma preocupação, mas também uma «exigência» para uma renovada busca de resposta a este

413 Já sabíamos da Psicopatologia Geral que a <atenção> é a condição de claridade da vivencia. 414 Jaspers, K. (1995); Philosophy of Existence; University of Pennsylvania Press; Pennsylvania. p.36 415 « Mas – não vale a pena dissimulá-lo – quando se tem essa felicidade na alma, também se é

debaixo do sol, a criatura mais capaz de sofrer! Só por este preço se compra a mais preciosa das conchas que as vagas da existência alguma vez lançaram à costa». Nietzsche, F. (2000); A Gaia Ciência; Guimarães editores; Lisboa. p.192

questionamento da presença de uma «unidade» da «verdade» no homem. Avancemos neste aspeto.

Já fizemos menção ao «conflito» de «forças» quando ocorre um inevitável «choque» de «verdades».

De uma forma mais específica, somente é válida aquela «verdade» que se torna universal. Uma «verdade» convincente em si mesma. Tal «força» de convencimento, como já assinalamos, surgiria da racionalidade e da perceção empírica.

Todavia, esta «verdade» é dissimulada, manipulada, alterada pelos homens a seu favor. Isto acarreta que desta forma «eu não compreendo qualquer destas verdades em sua origem porque na sua forma objetiva, na imagem de verdades credíveis, é meramente sua aparência a qual se apresenta, para mim, como consciência como tal».417

Frente a várias possibilidades da verdade: a verdade que eu conheço de forma irrefutável, que está «diante dos meus olhos», a verdade da qual eu participo e que surge como ideia; a verdade que eu sou eu próprio, cabe o único caminho a seguir: o caminho da escolha.

As «alternativas» que surgem à nossa frente irão depender, não só das nossas próprias «visões de mundo», mas também da «situação» que «vivenciamos» num momento singular da nossa «existência».

Para evitar que nos percamos frente a este «mar revolto» de fatores, Jaspers lembra-nos que, «para demarcar a todas possibilidades do pensar um lugar dentro da ideia da totalidade, é necessário para a orientação do pensar transmiti-lo pela linguagem»418 Esta citação «abre as portas» para o nosso encontro com a verdade na conceção jaspersiana. Por outras palavras, somente através da comunicação e que poderei entrar em contacto, antever e realizar-me na «verdade».

A comunicação é o que permite «fazer-me ver a verdade de outra Existenz».419

417 Jaspers, K. (1986); Karl Jaspers: Basic Philosophical Writings; Humanities Press; New Jersey.

p.232

418 Jaspers, K. (1986); Karl Jaspers: Basic Philosophical Writings; Humanities Press; New Jersey.

p.233

419 Jaspers, K. (1986); Karl Jaspers: Basic Philosophical Writings; Humanities Press; New Jersey.

Esta «comunicação» é o esteio para a «escolha» primeira, a «comunicação» permite-nos ter acesso a «...fonte primária da verdade» que é «... a escolha da “Existenz” na qual ela se escolhe»420.

A «Existenz» ilumina-se a si própria na visão de mundo em que a «verdade» subsiste e se amplia.

A «verdade» advinda da «Existenz» sobrepõe-se a nós, não nos podemos desviar desta «verdade»; eu não posso meramente observá-la e ficar insensível a sua presença.

A «verdade» da «Existenz» é intemporal e supera toda e qualquer «aparência» que a «verdade» possa vir a ter.

A «verdade» que nasce desta «fonte primária» que é a «Existenz» oferece-nos um deleite, pois, «como Existenz, eu estou em casa como em nenhum outro lugar» pois «eu estou em casa na identidade existencial comigo mesmo».421

Na conceção de Jaspers da «verdade», existe diferentes domínios em que nos movemos. Entre estas «verdades»422 ocorre uma «luta» pela supremacia.

Antes de avançarmos e vermos as várias formas da «verdade» nos diversos modos do «Abrangente», gostaríamos de ressaltar que na visão jaspersiana a «verdade» que emana da subjetividade só tem um valor pleno, porque há uma verdade objetiva, advinda, por exemplo, do campo científico, com a qual ela entra em luta.

Uma peculiar significação da «verdade» emergirá de cada «mundo do Abrangente» que nós somos. Vejamos esta multiplicidade de «verdades» que se encontram presentes na existência, na consciência em geral, no espírito e na “Existenz”.

A existência possui a característica da singularidade. Nas palavras de Jaspers, «existência é sempre particular e quer preservar-se e ampliar-se.»423

Na existência deparamo-nos com o pulsar e o caminhar da vida. A vida que, desde o seu primeiro instante até ao seu findar, filia-se visceralmente ao nosso corpo. Perdigão

420 Jaspers, K. (1986); Karl Jaspers: Basic Philosophical Writings; Humanities Press; New Jersey.

p.233

421 Jaspers, K. (1986); Karl Jaspers: Basic philosophical writings; Humanities Press; New Jersey.

pp.232-233

422 vale notar que a conceção geral e da pluralidade são características do pensamento Jaspersiano

e, no item que estamos a analisar e são mantidos.

lembra-nos: «o sujeito une-se ao seu corpo, mas também se distingue dele sem dele se separar. Portanto, não somos o nosso corpo; somos vida».424

Por outro lado, na conceção jaspersiana, não somos apenas vida, existe algo no homem que, a partir da existência, o impele para além desta existência, a Transcendência. No próximo capítulo desta tese iremos desenvolver esta perspetiva.

Vamos detalhar a pluralidade de «verdades» que temos diante de nós. Uma verdade que advém da «existência». Por outras palavras, esta «verdade» demonstra-se pela sua utilidade na prática. Jaspers diz-nos que a «verdade, ao nível da existência, é uma função da preservação e ampliação da existência».425

Em segundo lugar, deparamo-nos com a «verdade» que emana ao nível da «consciência em geral».

Esta «verdade» basta-se a si própria, ou seja, não depende de qualquer outra coisa no seu significado. Como no dizer de Jaspers, «ela prova-se a si mesma pela evidência».426 Tal verdade possui a validade do convencimento.

Por sua vez, a «verdade» do «espírito» é convicção. Tal «convicção» é provada a si própria «... na realidade, através da existência e do pensamento, na medida em que a mesma é submetida à totalidade das ideias, assim confirmando a sua verdade»427

Por último, temos a «verdade» da «Existenz». O contacto com este tipo de «verdade» irá abrir para nós (ou se quisermos para o ser) uma outra dimensão.

Esta dimensão irá trazer-nos «As experiencias da verdade da Existenz na fé. Onde eu não sou mais acolhido por uma eficácia de certificação da verdade pragmática»428. Porém, este movimento tem em si um retorno ao mundo que passa a ser recolhido no meu próprio ser. Através da Transcendência.

Jaspers diz-nos que «somente desta experiência de Transcendência faço o retorno ao mundo; agora vivendo em ambos e além dele, e somente agora, pela primeira vez, eu

424 Perdigão; A.C.; A filosofia existencial de Karl Jaspers; Análise Psicológica (2001), 4 (XIX) p.541 425 Jaspers, K.(1995); Philosophy of Existence; University of Pennsylvania Press; Pennsylvania p.38 426 Jaspers, K.(1995); Philosophy of Existence; University of Pennsylvania Press; Pennsylvania p.39 427 Jaspers, K.(1995); Philosophy of Existence; University of Pennsylvania Press; Pennsylvania p.39 428 Jaspers, K.(1995); Philosophy of Existence; University of Pennsylvania Press; Pennsylvania p.39

próprio. A verdade da “Existenz” prova a si mesma como autêntica consciência da realidade».429

Estas são as formas que as verdades do «Abrangente» que se nos apresentam.

No entanto, tais «formas» necessitam de dois aspectos para que possam ter um valor acrescido «no mundo dos homens».

Para isto ocorrer, necessitam de duas condições que são: a perceção da dimensão histórica que cada homem possui e a condição «de nosso ser de homens é a solidariedade humana...»430. Isto ocorre «...como exigência de uma ilimitada comunicação. Ver e compreender os outros ajuda a ver-se claro a si mesmo, a superar a possível estreiteza de toda a historicidade encerrada em si mesma, a saltar os espaços amplos».431

.A «verdade» é uma «comunicação» que nos aproxima do «outro». Vejamos mais detalhadamente esta condição da «verdade».

A «verdade» para ser genuína necessita de ser comunicável. Todo e qualquer homem torna-se o que é através da comunicação partilhada na comunidade em que vive. Por outros termos, tornar-se homem não ocorre na solidão. A voz do homem não é o seu próprio eco. O conhecimento repartido (num plano mais aprofundado, vivenciado como “Existenz”) através da «verdade» aproxima-nos dos outros com os quais vivemos. A «comunicação» humana possui, na visão jaspersiana, uma diferença, um movimento próprio e uma força interna. Vejamos, em primeiro lugar, a diferença.

A característica diferencial é observada em relação aos animais. Os animais no seu processo de crescimento constroem comunidades que são sempre idênticas, repetidas e sem a noção de historicidade. Os animais são movidos por uma relação em que «...fazem-se compreender instintivamente».432

Os animais, mesmo ao lançar mão de sinais (e até a utilização tosca de objetos como instrumentos voltados a um fim não complexo), não significam que consigam criar e manter relações de significados amplos.

429 Jaspers, K.(1995); Philosophy of Existence; University of Pennsylvania Press; Pennsylvania p.39 430 Jaspers, K; (2017); Origem y meta de la história; Alcantilado; Barcelona.p.75

431 Jaspers, K; (2017); Origem y meta de la história; Alcantilado; Barcelona. P.43 432 Jaspers, K; (1957); Reason and Existenz; The Monday Press; Groningen. p.78

Por sua vez, o homem «é comparativamente mais destacado como indivíduo do que muitos animais, mas a sua comunidade possui também condições mais decisivas para ele, e esta comunidade é essencialmente diferente daquelas dos animais».433

Em termos meramente biológicos, como bem sabemos, o homem logo ao nascer encontra-se numa posição frágil em relação aos outros animais. O homem para sobreviver em qualquer quadrante deste planeta, necessita do apoio e proteção da sua comunidade. Biologicamente necessita de um outro para alimentá-lo, protegê-lo e fazê- lo crescer.

Em relação ao importante papel da «comunidade» no desenvolvimento do «homem», Jaspers diz-nos que «sua comunidade é, em primeiro lugar, nenhum estado de imediatismo, mas é mediato através de uma relação para outra coisa, para uma relação de consciência comum a propósito do mundo, para uma relação com a verdade e para uma relação com Deus».434

Passemos a considerar o «movimento» próprio da «comunicação».

Este «movimento» não possui nenhum «lugar de paragem» bem como não se encontra fadado a repetir “ad eternum” os mesmos «objetivos».

Este «movimento», por sua vez, «é histórico e sobre um caminho de incessante mudança no qual o início e o fim não são visíveis, uma mudança para a recordação e apropriação do passado assim como a pensar sempre num novo planeamento para o futuro».435

Jaspers delineia um ponto crucial de surgimento do ser humano, quando afirma que «todo novo ser humano inicia-se pela comunicação, e não meramente com sua natureza biológica».436

Devemos ter atenção para a estreita vinculação que existe no pensamento jaspersiano entre a «comunicação» e o «Abrangente». Tal vinculação expõe o «Abrangente», clarifica-o noutro termo, desvela o «Abrangente». Esta é a «força interna».

433 Jaspers, K; (1957); Reason and Existenz; The Monday Press; Groningen. p.78 434Jaspers, K; (1957); Reason and Existenz; The Monday Press; Groningen. p.78 435 Jaspers, K; (1957); Reason and Existenz; The Monday Press; Groningen. pp78,79 436 Jaspers, K; (1957); Reason and Existenz; The Monday Press; Groningen. p.79

Jaspers, de forma irretorquível, diz-nos «o Abrangente que nós somos é, de toda forma, comunicação, o Abrangente que é ser em si existe para nós somente na medida em que alcança comunicabilidade por se tornar falante ou ser dizível».437

A «verdade», não pode estar separada da «comunicabilidade». O movimento da «comunicação» visa dois objetivos que se encontram entrelaçados: a preservação e a busca da «verdade». Uma conclusão torna-se de certa forma imperiosa: «em geral, então, isto (os objetivos da comunicação) aplica-se ao meu ser, à minha autenticidade, e ao meu entendimento da verdade que, não é somente factual, não sendo eu, por mim mesmo sozinho, mas eu não posso mesmo ser sozinho sem emergir do meu ser com os outros».438

A vinculação entre a «verdade» o «Abrangente» e a «comunicação» leva-nos à seguinte constatação: a «verdade» é determinada pelo caráter do «Abrangente» dentro do qual a «comunicação» ocorre.

Dito de outra forma, os diferentes modos do «Abrangente» imprimem formas diversas de «comunicação».

Passemos em revista estas características.

Em primeiro lugar, o «Abrangente» da nossa mera «existência empírica» não se identifica com o que a ciência empírica consegue desvendar. Esta «existência empírica» é movida pela «...vontade de preservar e desenvolver a si mesma sem limites; suas vontades: satisfação e felicidade».439

Para alcançar os seus objetivos (satisfação e felicidade), o «Abrangente» da «existência empírica» necessita preservar a vida.

Para preservar a vida necessita unir todos os homens, através da comunicação, com outras «comunidades».

Tal estado de coisas caminha no sentido de que «os privados interesses de cada indivíduo existentes ao mesmo tempo permaneçam em tensão relativamente a esta união

437 Jaspers, K; (1957); Reason and Existenz; The Monday Press; Groningen. p.79 438 Jaspers, K; (1957); Reason and Existenz; The Monday Press; Groningen. p.80 439 Jaspers, K; (1957); Reason and Existenz; The Monday Press; Groningen. p.80

quase sempre pronta a sair da comunidade, quando ocorre qualquer enfraquecimento da necessidade».440

O que é «necessário» dentro de um quadro onde emergem «forças perigosas» faz com que a definição do que é satisfatório ou feliz para a vida, siga um aspeto das «experiências da maioria» ou daquilo que deve ser comunicado e compreendido por todos. Estaremos frente a uma limitação com vistas à nossa sobrevivência.

Jaspers diz-nos que «além do mais, sobre este nível de comunicação, o maior dos perigos, o mais decisivo é a unidade do querer de todo necessária Está somente sendo assegurada através da obediência. Consequentemente, nem todo indivíduo pode decidir o que é necessário fazer para realizar os interesses de sua absoluta existência».441

A «verdade» passa a ter, frente a situações de perigo vividas pela «comunidade» em que relações de «comando» ocupam o primeiro plano, bem como o mútuo trabalho que é exigido, uma faceta de «verdade pragmática».

Este «pragmatismo» da verdade, por força de se manter vivo, necessita ser «relativo», pois «aqui existe somente uma relativa e mutável verdade, pela existência empírica, ela própria muda.»442

Por outros termos, a realidade que se transforma e que põe em risco a continuidade da vida comunitária faz com que o homem desenvolva a «arte da conversação», mantendo- se assim as vias de comunicação e expressão do seu ser.

Uma segunda forma que toma a «comunicação» é a «comunicação da consciência em geral».

Nesta «comunicação», deparamo-nos com dicotomias que nos levam ao conhecível. O exemplo maior é a dicotomia sujeito/objeto. Através desta «comunicação», argumentos, categorias lógicas são expressas e aceites por todos.

Jaspers diz-nos que «a comunicação ocorre numa desinteressada atenção sobre algum assunto que é inquirido, quer no seu carácter factual ou na sua validade através de métodos acordados de argumentação».443

440 Jaspers, K; (1957); Reason and Existenz; The Monday Press; Groningen. p.81 441 Jaspers, K; (1957); Reason and Existenz; The Monday Press; Groningen. p.81 442 Jaspers, K; (1957); Reason and Existenz; The Monday Press; Groningen. p.81 443 Jaspers, K; (1957); Reason and Existenz; The Monday Press; Groningen. p.82

Passemos a uma terceira forma de «comunicação» que se relaciona com o «Abrangente», que se expressa como «comunicação do espírito».

Este tipo de «comunicação» filia-se com a conceção de «ideia». Dito de outra forma, filia-se à conceção da «ideia» de um todo. Esta «comunicação» é de um «membro» em relação com o «organismo». Tal tipo de «comunicação», para ser efetiva, deve ser estimulada com o real conteúdo do Todo.

Esta peculiar forma de «comunicação» é explicitada por Jaspers da seguinte maneira: «nesta comunicação é como se o Todo não claramente conhecido pela consciência falasse, limitado em si mesmo, fornecesse indicações de onde veio.»444

Para avançarmos, devemos ter como ponto assente que embora tenhamos delimitado e caracterizado três tipos de «comunicação» em que a «verdade» se torna expressa através