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CAPÍTULO 2 DESENVOLVIMENTO MORAL

2.1 Emanuel Kant e Jean Piaget

A preocupação com o desenvolvimento da moral nos seres humanos não é uma preocupação atual. O filósofo Emanuel Kant dedicou grande parte de seus estudos para o papel da moral entre os indivíduos. Em seus escritos, faz uma distinção importante para que se compreenda sua conceituação sobre a moral humana. Para ele existe uma clara divisão entre mundo sensível e mundo racional (Galeffi, 1986). No mundo da natureza, considerado sensível e empírico, só existe o condicionamento do homem às leis naturais, aos impulsos, onde o homem fica preso a essas determinações. Diferentemente, no mundo racional existe a possibilidade de controle desses impulsos pela razão (é isso que vai diferenciar o ser humano dos outros animais). Ao criar as regras que vão fazer parte de sua cultura (característica da autonomia), o homem adquire a liberdade para agir sem ser determinado por leis que orientam o mundo fenomênico, das quais não possui controle algum (Silveira, 2004).

Com isso, Kant faz referência ao imperativo categórico e hipotético. Imperativo diz respeito a regras racionais (Severino, 1984). Ou, em outras palavras, imperativos diz respeito às leis as quais a vontade humana deve uniformar-se para ser vontade moral (Galeffi, 1986). Nesse sentido, nos imperativos hipotéticos a racionalidade é parcial e contingente, onde a ação é inteiramente dependente de interesse na satisfação de um prazer sensível, característica oposta ao categórico (Pimenta, 2004).

No caso dos imperativos categóricos, a vontade é determinada unicamente pela razão, sendo um fim a priori. Eles expressam uma lei universal, que só é possível com o distanciamento do mundo sensível, da experiência. A partir desse imperativo, que é a lei moral dos seres humanos, estes conseguem coordenar os fins sensíveis com vistas a outro fim (Pimenta, 2004). Em outras palavras, a lei moral deve valer para todos os seres racionais e deve valer de maneira absoluta e necessária. Por não ser baseada em contingência, ela é considerada formal (Silveira, 2004).

Como disse Kant: “Age apenas segundo uma máxima tal que possas querer que ela se torne lei universal” (1974, conforme citado por Menin, 1996, p. 223). Uma máxima é o motivo racional que direciona a ação. Por ser universal, a lei moral precisa ser possível para qualquer pessoa, em qualquer contexto (Menin, 1996). Outra formulação do imperativo categórico afirma sobre agir de tal maneira como fim, e nunca como meio. Ou seja, tratar aos outros e a si mesmo como um fim em si, enquanto ser racional (Pimenta, 2004).

Outra idéia importante na obra de Kant é o princípio da autonomia:

O conceito de autonomia permite explicar porque o sujeito renuncia à sensibilidade e assume a lei da razão como único mandamento de sua conduta. Enquanto ser racional, o sujeito se vê como legislador, como criador, como autor da lei que se obriga a seguir (Pimenta, 2004: p. 67).

Desse modo, o sujeito só segue a lei moral por ser seu autor. Porém ele nunca poderá se gabar de haver atingido a perfeição moral, por apresentar-se como ser limitado constitutivamente, devendo se esforçar constantemente na promoção dessa moralidade (Pimenta, 2004).

Na autonomia, a obediência à regra, à lei moral ocorre pela compreensão e concordância de que os motivos para a ação são universais. Para isso é imprescindível a reflexão crítica e o pensamento sobre as regras a que se submete. Caso isso não ocorra, ou seja, a obediência à regra se faz pelo medo à punição ou por interessas pessoais, está presente a heteronomia. Não há problema em ser heterônomo em algumas ou muitas situações, mas sim agir de forma heterônoma o tempo todo (Menin, 1996). O caráter autônomo da razão, livre das determinações na natureza, possibilita ao homem agir com vistas ao fim por ele mesmo colocado (Pinheiro, 2004).

Nesse contexto, a sociedade constitui a condição da moral. É impossível postular uma sociedade sem a orientação da moral, assim como também não é possível a moral humana longe da sociedade (Pinheiro, 2004). É na interação entre homem e sociedade que surge a possibilidade de desenvolvimento moral, com vistas ao agir autônomo.

O psicólogo Jean Piaget, com sua abordagem construtivista, estudou o desenvolvimento cognitivo, buscando saber como se desenvolve o pensamento e o conhecimento nas pessoas. Para ele, ocorre uma interação entre as estruturas cognitivas biologicamente determinadas e os estímulos provenientes do ambiente no qual o sujeito está inserido. Paralelamente ao desenvolvimento cognitivo, ele afirma que ocorre o desenvolvimento do julgamento moral (Dallegrave, 2000). Nesses estudos, uma das influências foi de Kant, com o conceito de imperativo categórico. Os princípios universais da moral se fazem presentes, assim como o foco no racional (Biaggio, 2006). Para Piaget, esse desenvolvimento ocorre com a utilização das estruturas cognitivas do sujeito, ocupando, dessa forma, lugar secundário os aspectos afetivos. Todos os seres humanos passam por estágios de

desenvolvimento quanto ao julgamento moral, iniciando-se com a anomia, passando-se pela heteronomia e atingindo a autonomia, independente da cultura da qual fazem parte.

Ao organizar os estágios, Piaget (1932/1994) faz uso dos conceitos de heteronomia e autonomia presentes em Kant. Ele afirma que as primeiras formas de consciência do dever da criança são heterônomas (estágios 2 e 3). A partir das relações de cooperação com o outro, a conquista da autonomia moral torna-se possível.

No primeiro estágio do desenvolvimento moral, em Piaget, está presente a anomia. Na faixa etária compreendida entre 0 e 2 anos, as crianças exercitam seus sentidos e movimentos sem que sigam propriamente regras estabelecidas. Já o segundo estágio é egocêntrico (2 aos 6 anos de idade), onde a criança percebe que outras pessoas seguem determinadas regras e que estas são sagradas e imutáveis, advindas de uma autoridade. O respeito unilateral das regras foi denominado heteronomia. Com relação ao terceiro estágio (7 aos 12 anos), as crianças percebem a necessidade da existência das regras e da importância de que elas sejam respeitadas e seguidas, proporcionando um ambiente de respeito mútuo entre as pessoas (Piaget, 1932/1994).

No último estágio (12 anos em diante) ocorre uma compreensão acerca da natureza arbitrária das regras. Estas não são mais seguidas de maneira literal, mas começam a ser questionadas, o que foi denominado por Piaget de autonomia. Nesse contexto, as relações de coação vão sendo substituídas por relações de cooperação, pois

desenvolve com a reciprocidade, quando o respeito mútuo é significativo, a fim de que os indivíduos experimentem interiormente a necessidade de tratar os outros como gostariam de ser tratados (Dallegrave, 2000: p. 16).

Nesse contexto, a escola possui papel primordial na promoção do desenvolvimento moral de seus alunos. Por meio de intervenções educativas que prevaleçam relações de cooperação e respeito mútuo, o educador pode propiciar que crianças e adolescentes tenham uma postura cada vez mais autônoma diante da vida.

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