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CAPÍTULO 1 ADOLESCÊNCIA E ESCOLA

1.1 Ensino Médio

O homem ao nascer precisa passar por algumas experiências para que efetivamente possa se constituir enquanto ser humano, deixando gradativamente de ser regido somente pelos instintos naturais. Dessa forma, cada indivíduo produz-se enquanto tal dentro do projeto de humanidade de seu grupo social, num processo contínuo em que as pessoas interagem entre si (Dayrell, 2006).

Vários grupos, instituições e sistemas são responsáveis por esse processo denominado educação, tais como a família e a escola. É por meio da educação que cada pessoa tem acesso à cultura do seu grupo, sendo que as experiências educativas proporcionam a esse sujeito uma vivência cada vez mais ativa e participativa em seu meio social (Coll, Marchesi, Palacios & cols, 2004).

Um contexto privilegiado para educação, como já foi citado, é a escola. Esse espaço, que é uma instituição social, reflete a cultura da qual faz parte, com suas regras de moralidade, convenções sociais, atitudes e formas de relacionamento, além de proporcionar a aprendizagem de hábitos escolares (Mussen & cols., 2001). A sociedade define o que caracteriza a infância, a adolescência e a idade adulta,

perpetuando valores grupais comumente aceitos por seus integrantes, sendo a escola local privilegiado para esse objetivo (Levisky, 1998). Porém Arendt (2005) afirma que a educação está passando por um momento de crise. O papel da escola é o de promover a passagem entre o espaço privado, familiar, para o público, ficando entre essas duas esferas. Para isso pais e professores precisam apresentar o mundo à crianças e adolescentes, incluindo as tradições culturais, a partir de uma postura de autoridade. Hoje não se sabe exatamente o que é autoridade e esta é frequentemente confundida com tirania ou violência. O uso da força aparece quando a autoridade fracassou. A dificuldade reside no fato de que a educação não pode abrir mão da autoridade nem da tradição, e ser obrigada a fazer parte de um mundo que não é estruturado nem pela autoridade e nem é mantido coeso pela tradição. Por autoridade, segundo Póvoa e Sudbrack (2006), entende-se a habilidade de estabelecer regras e valores para crianças e adolescentes, permitindo atos de negociação.

A educação tem por objetivo promover a emancipação das pessoas, ou seja, a conscientização e a racionalidade. Uma sociedade democrática efetiva é composta por pessoas emancipadas, que conseguem refletir sobre a própria realidade de maneira crítica. Mas o que se presencia hoje na literatura pedagógica é uma prática que sabota, de forma implícita ou explícita, os pressupostos de uma democracia (Adorno, 2000). A organização social da qual fazemos parte é predominantemente heterônoma, o que dificulta o desenvolvimento da autonomia das pessoas. Segundo Levisky, “quanto mais complexa for a sociedade, maiores serão os pré-requisitos necessários para que o jovem possa integrar a sociedade adulta. A conseqüência direta é o prolongamento do processo de transição” (1998, p.29).

Por uma busca em associar a prática pedagógica com uma prática científica, procurou-se padronizar a prática dos docentes enfatizando os aspectos didáticos- metodológicos em detrimento dos aspectos relacionais (Pereira, 2003). Muitas vezes, com a homogeneização do espaço escolar, as experiências individuais de cada aluno e os vários contextos do qual fazem parte nem sempre são valorizados. A função da escola fica reduzida à transmissão dos conhecimentos socialmente acumulados pela sociedade, com ênfase no resultado e não nos processos de aprendizagem (Dayrell, 2006).

Nesse sentido a escola, de forma geral, transforma a experiência educativa em puro treinamento técnico, ignorando seu caráter formador. Porém o ensino dos conteúdos precisa estar aliado à formação moral do educando, caso contrário essa prática faz-se incompleta (Freire, 1999). “Os jovens conhecem cada vez mais o mundo em que estão, mas quase nada sobre o mundo que são” (Cury, 2003, p. 15).

Os alunos aprendem a resolver problemas lógicos e equações, mas têm dificuldade em lidar com frustrações, falhas. São treinados para o sucesso e não para o fracasso. Raramente as informações adquiridas na escola são utilizadas para melhorar a qualidade da vida das pessoas (Cury, 2003).

Muitos professores ficam presos à questão pedagógica e se esquecem de que são portadoras de um mundo de valores, regras, utopias a serem apresentados aos alunos. Deixam de contribuir para a formação mais ampla de seus alunos. O conteúdo passa a ser o meio para ser aprovado na série e a escola fica caracterizada como um meio para se conseguir o diploma, que irá garantir alguma estabilidade profissional (Dayrell, 2006).

O que fazer nesse caso? Para Alves (2000), existem professores e educadores. Por educadores entende-se aqueles que valorizam o mundo interior e

singular de seus alunos, com suas visões, paixões e esperanças. O ritmo de cada educando e as diferenças são respeitadas. Já professores são aqueles que se preocupam mais com o conteúdo a ser ministrado do que com o aluno propriamente dito. O resultado final, ou seja, a nota é o mais importante. Muitos são os professores e poucos os educadores. Para além dessa diferenciação conceitual entre professores e educadores, essas duas posturas ficam evidentes no cotidiano escolar.

A escola, então, para cumprir seu papel de educadora, precisa ir além da transmissão de conteúdos. Essa é uma tarefa muito importante na formação dos alunos, mas não se encerra aí. Cabe ao professor possibilitar à classe experiências que auxiliem em seu desenvolvimento enquanto seres humanos. Ser responsável pelas próprias ações e assumir as conseqüências desses atos fazem parte desse desenvolvimento, e isso só é possível a partir da interação com o outro social, onde a escola se inclui. O docente possui como uma de suas tarefas enquanto educador, proporcionar que seus alunos tomem decisões e assumam suas conseqüências (Freire, 1999). Vale afirmar que, se na relação professor-aluno a reciprocidade e a cooperação são predominantes, torna-se possível que os alunos estendam esse tipo de postura a outras pessoas da sociedade. Caso contrário, a educação escolar, personificada no papel do professor, ficará incompleta.

Sobre a escolarização do adolescente, o ensino médio é o responsável por essa tarefa. Atualmente, dados confirmam que a escola, nesse período, está com uma clientela cada vez mais crescente e diversificada, pois se reduziu a seletividade social desse nível de ensino nas últimas décadas. Ela recebe jovens de diversas origens sociais e com diferentes objetivos pessoais e profissionais. Porém, outro dado importante é o aumento da repetência, principalmente na primeira série, com

taxa de 42%. Com o aumento do número de matrícula também se elevou a seletividade interna desse sistema. Além disso, a grande maioria dos estudantes que concluem o ensino médio não continua seus estudos em grau superior (Gomes, 1998).

Tal situação é o reflexo de muitas deficiências desse segmento escolar. Nem sempre ela assume as respectivas condições em que vivem os alunos e não proporcionam estratégias de acesso, pertencimento, permanência e qualidade, pautados no respeito ao outro e inclusão de todos no processo de ensino e aprendizagem. Muitos adolescentes expressam o desejo de que a escola propicie uma participação cidadã onde vivem, o que só é possível por meio do respeito à diversidade desse segmento da população. Mas geralmente a potencialidade desses jovens não é valorizada por uma sociedade adultocrata, tornando-os invisíveis. Em pesquisa realizada pela UNESCO (Esteves, 2005), 1.777 alunos adolescentes de escolas públicas e privadas, de 13 capitais brasileiras, escreveram cartas que continham a descrição da escola que estudavam e como gostariam que ela fosse. A partir da análise dos dados, pode-se chegar a algumas conclusões.

Os estudantes deixaram clara a expectativa de que a escola promova o desenvolvimento da consciência crítica de seus alunos, para que com isso possa formar verdadeiros cidadãos capazes de mudar suas condições de vida. Outra expectativa quanto ao espaço escolar é que ele contenha regras bem definidas, capazes de orientar condutas individuais e coletivas dentro e fora da escola. Esse aspecto está coerente com uma das funções do ensino médio que é o de auxiliar a formação de pessoas éticas, com autonomia intelectual e pensamento crítico.

Os sujeitos da pesquisa também escreveram sobre a pouca preocupação do corpo docente com o aprendizado dos alunos e a falta de um projeto pedagógico

que leve em consideração as demandas de sua clientela. A importância de uma relação positiva entre professor e aluno é importante, pois motiva os alunos a aprenderem e os docentes a ensinarem.

Outro elemento presente é a não transparência na comunicação com os adolescentes sobre seus direitos e deveres. Como conseqüência tem-se o agravamento da relação dos jovens com o ambiente escolar, pois não se sentem partícipes desse sistema. É importante que todos na escola, alunos, professores e funcionários assumam responsabilidades e compromissos, possibilitando maior implicação de todos no contexto escolar. De forma geral, todos os estudantes querem ter um pouco mais de voz nas decisões tomadas na escola. Isso possibilita o desenvolvimento da autonomia dos adolescentes, uma das funções relevantes do ensino médio.

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