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Embora se compreenda e aceite o exposto, atendendo ao enquadramento anterior parece-nos, pelo menos, ser possível sustentar que, em

DA DESCENTRALIZAÇÃO DA CONTRATAÇÃO COLECTIVA EM TORNO DE UMA NOVA (E POSSÍVEL) LEGITIMIDADE

III. Embora se compreenda e aceite o exposto, atendendo ao enquadramento anterior parece-nos, pelo menos, ser possível sustentar que, em

rigor, o que a Constituição Portuguesa consagra é uma preferência no exercício sindical da contratação colectiva.

Sob o postulado de um alcance amplo da autonomia colectiva e da liberdade sindical, tidos por nós como verdadeiros leitmotiv da dinamização da contratação colectiva, entendemos ser possível aplicar, quanto mais não seja por analogia, o art.º 3.º, n.º 1, do CT, sendo de destacar as similitudes que os acordos colectivos

365 RAMALHO, Palma, Negociação Colectiva…cit., p. 113. Aparentemente próxima deste

entendimento, cfr. CARVALHO, Catarina de Oliveira, ob. Cit., p. 671. Por sua vez, JORGE LEITE entende que estes acordos não têm eficácia normativa devendo ser entendidos como meros

gentlemen agreements, compreendendo antes a produção de efeitos morais, Cfr. LEITE, Jorge, El sistema…cit., p. 65 e nota de rodapé n.º 10. Não podemos concordar com este entendimento, pois, a

sua qualificação como gentlemen agreements colocaria, a nosso ver, estes acordos atípicos situados abaixo do próprio contrato de trabalho, menosprezando o exercício de uma autorregulação de interesses de empregador e trabalhadores, diminuindo a força universal do princípio da autonomia colectiva que, entendemos nós, permite este exercício colectivo autovinculativo por parte dos trabalhadores. A doutrina francesa, no seguimento da jurisprudência gaulesa, atribui a estes acordos atípicos uma eficácia obrigacional cujos efeitos se repercutem nos contratos individuais de trabalho abrangidos pelo mesmo, cfr. BORENFREUND, La representation des salariés…cit., p. 692; CHALARON, Yves, ob. Cit., pp. 139 e s.; FREYRIA, Charles, Les accords d’entreprise atypiques…cit., pp. 50 e s.; SAVATIER, Jean, Accords d’enterprise…cit., p. 191. Por sua vez, a doutrina e jurisprudencia espanholas maioritárias, entendem que as designadas convenções extraestatutárias são válidas e eficazes contratualmente entre as partes outorgantes e os trabalhadores, não podendo defraudar intencionalmente as convenções colectivas estatutárias celebradas pelas associações sindicais ou visarem a exclusão abusiva da negociação a ser levada pelas associações sindicais ao nível da empresa, cfr. ALBIOL, I., CAMPS, L. e outros, Derecho del Trabajo. Tomo I. Fuentes y relaciones

colectivas, Valencia, Ed. Tirant lo Blanch, pp. 477 e s.; GARCIA RUBIO, Maria Amparo, ob. Cit., pp. 285

e s.; MARTÍN VALVERDE, A. / RODRÍGUEZ-SAÑUDO GUITIÉRREZ, F. / GARCÍA MURCIA, J., Derecho

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atípicos celebrados pelas comissões de trabalhadores têm com os CCT’s celebrados pelas associações sindicais.

Ambas congregam, em si, uma parte obrigacional e uma parte normativa, sendo o principal fito das mesmas disciplinar os contratos de trabalho abrangidos por cada um daqueles instrumentos, e bem assim as relações existentes entre as respectivas partes outorgantes.

No campo da atipicidade, através de um juízo predicativo, e de acordo com o seu teor negocial, crê-se inevitável a qualificação destes acordos como IRCT’s à semelhança dos demais, porquanto, materialmente tratam-se de uma e a mesma coisa, ainda que sujeitas a uma graduação e valoração, necessariamente, diferentes, como veremos.

Não estando a celebração deste tipo de acordos pelas comissões de trabalhadores vedada pela lei deve-se admitir que as partes contratuais interessadas num exercício de autorregulação dos seus interesses, celebrem estes acordos, desde que com respeito pela lei potencialmente aplicável e os demais princípios gerais de direito. Assim, dada a homologia genética entre estes acordos e os CCT’s, a não aplicação do regime legal estabelecido para estas últimas figuras, redundaria numa restrição de um direito fundamental dos trabalhadores, que se pode expressar através das comissões de trabalhadores, decorrente da liberdade sindical negativa e da própria autonomia colectiva, nos moldes em que vimos anteriormente366.

Nessa medida, no espectro da atipicidade contratual, os acordos colectivos atípicos celebrados pelas comissões de trabalhadores teriam de respeitar o direito legal injuntivo aplicável às CCT’s tipificadas na lei sendo, para o efeito, determinante o conceito funcional de autonomia privada (in casu, colectiva), que delimitará o que está dentro ou fora desta figura contratual atípica.

Nesse âmbito, e como ensina o Autor PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, “o conceito funcional de autonomia privada é apto a fornecer o critério de distinção entre o que está dentro ou fora do conteúdo contratual. Tendo no espírito a função jurigena do contrato, como acto de autonomia privada, é possível ajuizar se uma

366 Tal como refere PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, citando OLIVEIRA ASCENSÃO e MENEZES

CORDEIRO, o exercício de qualificação de um determinado negocio jurídico envolve “atribuir a uma

matéria a regular pelo direito a nominação própria de um conceito, envolvendo com isso a aplicação de regras jurídicas correspondentes”. Cfr. VASCONCELOS, Pedro Pais de, Contratos Atipicos, 2.ª Ed.,

166 concreta regulação contida na lei pode ser tida como tributária da autonomia privada, quer dizer, se a sua juridicidade e vigência pode considerar-se como

originária do contrato e não da lei”367.

A esta luz, e assumindo que, materialmente, os acordos colectivos atípicos são em tudo semelhantes às CCT’s legalmente típicas, porquanto celebradas (preferencialmente) pelas associações sindicais que observam o disposto no Código do Trabalho, que consagra um regime centrado nessa figura, cremos ser possível arriscar dizer que as partes, no âmbito dos acordos colectivos atípicos, poderão dispor livremente quanto ao seu conteúdo, regulando na empresa, designadamente os vínculos jus laborais existentes observando o quadro legal injuntivo existente, mormente as regras de relação das fontes de direito contidas, essencialmente, no art.º 3.º, do CT368.

Todavia, autores como NUNES DE CARVALHO, entendem que este tipo de contratação não é enquadrável na teoria dos contratos atípicos, pois, como afirmava, à altura, o emérito Autor que “…a lei não oferece um «modelo regulativo típico» de convenção colectiva, nem contém o «modelo completo da disciplina típica» desses instrumentos, «de tal modo que seja possível contratar por referência, sem que

as partes tenham de clausular o fundamental» desses acordos”369.

Acrescenta o mesmo Autor, quanto às CCT’s típicas, que “a intervenção do legislador centra-se (…) no universo em que se inclui o sistema português, fundamentalmente, na determinação dos parâmetros em que deve decorrer a negociação, e, quanto muito, no estabelecimento de regras atinentes à capacidade de celebração, forma e regime de publicidade, na definição do respectivo âmbito de eficácia (…), e, bem assim, na conjugação com as normas estaduais e com as

cláusulas constantes dos contratos de trabalho.”370.

367 VASCONCELOS, Pedro Pais de, Contratos Atipicos… cit., pp. 322-323.

368 Em bom rigor, e procurando sugerir uma hierarquia de fontes que disciplinem este tipo de IRCT

atípico, cremos que se deverá recorrer, em primeiro lugar, ao disposto no referido acordo, em segundo lugar, ao disposto na lei que influirá com a regularidade das disposições convencionais consagradas no mencionado acordo, em terceiro lugar, às regras gerais do negócio jurídico, dado o seu caracter negocial e, por fim, as regras gerais de interpretação e integração de lacunas da lei. De forma desenvolvida sobre as teorizações em torno da hierarquização de fontes disciplinadores dos contratos atípicos / inominados em geral, cfr. VASCONCELOS, Pedro Pais de, Contratos Atipicos…

cit., pp. 326 e s.

369 CARVALHO, António Nunes de, Primeiras Notas sobre a Contratação…cit., pp. 363-364. 370 CARVALHO, António Nunes de, Primeiras Notas sobre a Contratação…cit., p. 365.

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Em face do exposto, e atendendo ao que temos vindo a referir sobre a própria concepção de convenção colectiva, de facto, não se vislumbra um óbice de maior para proceder a esta qualificação e procurar, à luz do sistema português, os estribos pelas quais a contratação colectiva atípica deve encontrar o seu arrimo.

O legislador ordinário, enquanto responsável pela definição de um sistema de contratação colectiva, fundamentalmente, eficaz, faz o seu papel, estabelece um regime que, inter alia, admite a contratação colectiva por outras entidades representativas dos trabalhadores e fora dos parâmetros que delineou com base na lógica preferencial do exercício da contratação colectiva levada a cabo pelas associações sindicais.

De outra parte, o conteúdo obrigacional e normativista encontra-se na disposição das partes que, com base no sistema pensado para o exercício daquele direito pelas associações sindicais, deverão encetar negociações para celebração de acordos colectivos atípicos autorregulando os seus interesses como lhes aprouver com o aval e conhecimento dos trabalhadores destinatários daquele produto negocial.

O que se deve exigir deste exercício descentralizado da contratação colectiva, cuja dignidade relevância jurídica merece uma tutela jurídica além de não se configurar como um fenómeno patológico371, deverá pautar-se, em termos gerais, pelo disposto nos art.º 280.º, 294.º e 398.º a 401.º, todos do CC, que consagram os limites valorativos nucleares que todo e qualquer contrato deve observar372, e bem assim, embora com as devidas adaptações, pelo disposto nos art.º 486.º e seguintes do CT, preceitos que contêm as regras atinentes ao procedimento negocial dos convénios colectivos típicos.

Reiteramos, assim, que em nosso entender a contratação colectiva pelas comissões de trabalhadores é admissível, não só à luz da lei geral do trabalho, mas também à luz da própria Constituição.

371 Com efeito, entendemos nós que estes acordos atípicos têm uma relevante “função útil” ou

“função social positiva” na comunidade jurídica correspondente, porquanto visam, no mais, disciplinar os contratos individuais de trabalho, cfr. ASCENSÃO, José de Oliveira, Teoria Geral do

Direito Civil, Lisboa, 1992 e 1993, p. 333; TELLES, Inocêncio Galvão, Dos Contratos em Geral,

Coimbra, 1947, p. 213; VASCONCELOS, Pedro Pais de, Contratos Atipicos… cit., pp. 360 e s.

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IV. No que se refere à eventual falta de confiança ou de maturidade das

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