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Em segundo lugar, a sustentação da ideia de exclusividade do exercício do direito à contratação colectiva pelas associações sindicais, pelo simples facto de

DA DESCENTRALIZAÇÃO DA CONTRATAÇÃO COLECTIVA EM TORNO DE UMA NOVA (E POSSÍVEL) LEGITIMIDADE

VIII. Em segundo lugar, a sustentação da ideia de exclusividade do exercício do direito à contratação colectiva pelas associações sindicais, pelo simples facto de

a mesma prerrogativa estar apenas previsto no rol de direitos daquelas entidades, acaba por cercear o livre desenvolvimento da autonomia colectiva pelos trabalhadores e olvidar, no mais, que a contratação colectiva é um atributo originário e pré-constitucional dos grupos organizados de trabalhadores336.

Não resultando a contratação colectiva de um acto constitutivo337 do Estado, dificilmente se poderá conter o natural desenvolvimento de novas fornas de expressão da autonomia colectiva pelos trabalhadores, aliás, NUNES DE CARVALHO citando D’ANTONA, refere que “nenhuma lei sindical poderá impedir as partes colectivas de estimarem, num dado momento, conveniente colocarem-se, parcial ou totalmente, de fora do sistema legal, por muito racional e incentivador que seja, e refundarem, a partir da Grundnorm do reconhecimento do recíproco interesse

335 LOBO XAVIER, que se mostra um adepto da possibilidade de as comissões de trabalhadores

poderem exercer o direito à contratação colectiva, chama, no entanto, à atenção para a necessidade de esta actividade não poder contender com a actividade sindical nesta matéria. Ademais, refere que, dado o caracter institucional da comissão de trabalhadores, cujo nexo de representação dos trabalhadores decorre directamente da lei, a admissibilidade da celebração de eventuais acordos colectivos deveria prever a possibilidade de recusa e de decisão de aplicação pela maioria. Cfr. XAVIER, Bernardo da Gama Lobo, Curso de Direito do Trabalho I… cit., nota de rodapé n.º 2 da p. 597; XAVIER, Lobo, Alguns pontos críticos…cit., pp. 344. Apontado à mesma lógica de respeito entre instituições representativas, de acordo com o dispõe o próprio art.º 3.º, n.º 2 da Convenção n.º 154 da OIT, cfr. OJEDA AVILÉS, La representacion unitária… , pp. 349 e 362; MARIE-LAURE MORIN, Le Conseil Constitutionnel… p. 27

336 FERNANDES, António Monteiro, Direito do Trabalho…cit., pp. 562 e s.

337 Embora se possa empregar a expressão de acto ou norma constitutiva, como o faz NUNES DE

CARVALHO, no sentido de significar a definição “de uma forma de criação normativa, tornando-a

possível”, cfr. CARVALHO, António Nunes de, Primeiras Notas sobre a Contratação…, p.388. Esta

terminologia é própria de autores monistas, que reduzem o Direito ao Direito Positivo, cabendo ao Estado, enquanto soberano, ser a única fonte de produção normativa, criando, reconhecendo ou regulando os fenómenos que entenda por relevantes na sociedade que disciplina. No fundo, como procura sintetizar REALE, “soberania é o poder originário e exclusivo de produzir Direito Positivo”, cfr. REALE, Miguel, Teoria do Direito e do Estado, 5.ª Ed., Editora Saraiva, 2000, pp. 247 e s.

150 na regulação conjunta das relações de trabalho, um ordenamento autónomo

voluntário.”338.

Olhando à Constituição, existem diversas disposições que permitem fundar, de facto, a admissibilidade de exercício de contratação colectiva além dos moldes que actualmente se encontram consagrados na lei geral do trabalho, sendo essas disposições as que consagram a liberdade sindical passando por aquela que prevê a figura da comissão de trabalhadores.

No que concerne à liberdade sindical, atento o disposto no art.º 55.º, n.º 1 e 2, da CRP, verificamos que esta se encontra consagrada em termos bastante amplos, quer em termos positivos, quer em termos negativos, consubstanciando esta a “condição e garantia da sua unidade para a defesa dos seus [dos trabalhadores] direitos e interesses” o que envolve, necessariamente, a liberdade de negociação enquanto mecanismo de autorregulação do poder social de que são titulares. Com efeito, afigura-se possível que essa liberdade se possa manifestar através de actividade a ser desenvolvida pelas comissões de trabalhadores, pois, dada a sua amplitude, não se crê que esta liberdade tenha que se correlacionar, apenas, com as entidades ou matérias de índole sindical339.

O mesmo se poderá dizer, a nosso ver, quanto ao próprio direito à greve que integra, também, o direito à liberdade sindical, sendo um mecanismo de autotutela dos trabalhadores no que se refere, por exemplo, à defesa dos seus interesses e ao cumprimento das CCT’s celebradas e em vigor. Na medida em que, também, são os próprios trabalhadores os titulares desse direito que, tal como o direito à contratação colectiva, é um direito de exercício colectivo, o mesmo pode ser exercido à margem da realidade sindical, como no âmbito da contratação colectiva atípica, não estando dependente das instituições sindicais e sob pena de este exercício colectivo contratual se tornar numa espécie de “collective begging”340.

338 CARVALHO, António Nunes de, Primeiras Notas sobre a Contratação…cit., p. 372 339 CARVALHO, António Nunes de, Primeiras Notas sobre a Contratação…cit., p. 393

340 Cfr. art.º 531.º, n.º 2, do CT. Abordando a questão e com interesse para o tema, cfr. BAPTISTA,

Albino Mendes, ob. Cit., pp. 213 nota n.º 17. Como bem referem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “a reserva de declaração de greve aos sindicatos traduz-se em negar o direito à greve aos

trabalhadores não sindicalizados, os quais, embora podendo participar nas greves declaradas pelo sindicato correspondente, nunca podem participar na decisão da declaração da greve. O monopólio sindical seria admissível se o direito de greve se traduzisse tão-só no direito de adesão à greve, mas é obvio que ele implica participação na convocação, onde se apreciam os objecto, a oportunidade e a dimensão da greve (…) A convocação de greves por parte dos próprios trabalhadores à margem dos sindicatos, sempre terá de ser colectivamente decidida, cabendo à lei estabelecer os necessários

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Dado o exposto, cremos ser verdadeiramente redutor circunscrever a contratação colectiva apenas à figura da CCT, o produto clássico da contratação colectiva levada a cabo pelas associações sindicais, sendo, portanto, necessário integrar no conceito de contratação colectiva todos os fenómenos colectivos que revelem a intenção de autorregulação de interesses colectivos pelos seus interessados341.

Como antecipado, a consagração constitucional das comissões de trabalhadores, nos termos do art.º 54.º, da CRP, tem a sua importância para sustentar a nossa posição, até porque, como bem entende MÁRIO PINTO, estas ainda reflectem o reconhecimento da liberdade sindical aos trabalhadores nos termos em que a entendemos342.

Poder-se-ia também contrapor a este entendimento o facto de o nexo de representação das comissões de trabalhadores decorrer da própria lei, na qual também fundam as suas atribuições e competências, próprias do reconhecimento institucional desta entidade, o que, no mais, subverteria a ideia de exercício discricionário da liberdade sindical nos termos que vimos supra343.

No entanto, tal argumento não nos parecer ser de acolher.

Pois, como bem nota NUNES DE CARVALHO, mesmo o próprio nexo de representação das associações sindicais em face aos trabalhadores filiados, deixou de poder ser inteiramente explicável através do conceito de representação voluntária, apontado como exemplo a própria decretação da greve, cujos efeitos acabam por não depender da filiação sindical344.

Posto isto, cremos que o juízo que fizemos em torno da opção do legislador constituinte aparenta ser acertado e coincidente com a própria amplitude do Código do Trabalho, demonstrando o texto da nossa Lei Fundamental a possibilidade de se invocar, justamente, a possibilidade de as comissões de

requisitos (…) e procedimentos (…)”, cfr. CANOTILHO, J. Joaquim Gomes / MOREIRA, Vital, ob. Cit.,

pp. 754 e 755. Com muito interesse para esta questão, cfr. FERNANDES, Francisco Liberal, A

Obrigação de Serviços Minímos como técnica de regulação da Greve nos serviços essenciais, Wolters

Kluwer, Coimbra Editora, 2010, pp. 59 e s.; Também sobre o tema, RAMALHO, Maria do Rosário Palma, Tratado de Direito do Trabalho – Parte III…cit., pp. 447 e s.

341 Idem, ibidem, pp. 391-392, pp. 396 e s. 342 PINTO, Mário, ob. Cit., pp. 282-283 343 Idem, ibidem, pp. 218 e s.

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trabalhadores exercerem o direito à contratação colectiva, como sendo um reflexo da autonomia colectiva decorrente da liberdade sindical que lhe é inerente.

Em suma, cremos que esta justificação se mostra apta a reforçar a ideia de que estaremos perante um direito fundamental material ou atípico carecedor de tutela constitucional, nos termos e para os efeitos do art.º 16.º, da CRP.

IX. Aos argumentos anteriormente expostos, é possível ainda dizer-se que o

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