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2 REVISÃO DE LITERATURA

2.5 EMISSÕES NÃO REGULAMENTADAS

Com o aperfeiçoamento das legislações de emissões veiculares e implantação de limites cada vez mais restritivos para as emissões regulamentadas, as emissões não regulamentadas assumem um papel relevante (TAN; HU; LOU, 2009). As pesquisas de compostos não regulamentados são escassas, sendo que essas emissões normalmente possuem uma concentração mais baixa, quando comparadas às regulamentadas, porém em muitos casos são compostos mais nocivos ao ambiente e à vida (ZHANG et al., 2010). Nesse cenário, a pesquisa de compostos não regulamentados para avaliação de seu impacto é essencial, fornecendo subsídios para que as políticas públicas possam criar ou rever a legislação existente (KARLSSON, 2004; BORSARI, 2015).

Os principais componentes regulamentados das emissões veiculares (CO, NOx, THC) possuem métodos e tecnologias para sua quantificação e controle já consolidados, sendo utilizado o catalisador automotivo como principal meio de controle. A implantação de catalisadores automotivos teve por finalidade a redução das emissões regulamentadas, porém, devido a reações indesejadas no processo de catálise, podem ser gerados outros compostos não regulamentados (HARVEY et al., 1983), como a amônia (NH3) e o óxido nitroso (N2O) (ODAKA; KOIKE; SUZUKI, 2000; DURBIN et al., 2002; HEEB et al., 2006; LIVINGSTON; RIEGER; WINER, 2009; PENTEADO et al., 2013; DAEMME et al., 2014d). As emissões de NH3 e N2O são consideradas subprodutos incompletos da redução NOx em catalisadores de três vias (JIMÉNEZ-PALACIOS, 1999; HEEB et al., 2008). A formação de amônia no catalisador é atribuída a reações entre NOx e H2 (LIVINGSTON; RIEGER; WINER, 2009). Heeb et al. (2006) observaram em seus experimentos emissões de NOx pós- catalisador menores quando a formação de NH3 foi mais intensa e vice-versa. O hidrogênio que participa das reações é proveniente do processo de combustão, em menor quantidade, e de reações água/gás (WGS) entre a H2O e o CO (BARBIER JR.; DUPREZ, 1994; WHITTINGTON; JIANG; TRIMM, 1995). O processo de formação da amônia ocorre após o aquecimento do catalisador e com maior intensidade em regimes de riqueza da relação ar/combustível (HEEB et al., 2008). Estudos relatam que, em condições de riqueza (lambda < 1), ocorre uma maior emissão de CO (DURBIN et al., 2003; HEEB et al., 2006, 2008), possibilitando maior emissão de H2 pelo mecanismo de reação água/gás. Nos motociclos, devido ao

menor controle da relação ar/combustível (CHAN et al., 1995), as emissões de amônia podem ser intensificadas (HEEB et al., 2008; DAEMME et al., 2014d).

A amônia é um dos principais compostos nitrogenados reativos provenientes das emissões veiculares (SUN et al., 2017), podendo participar de reações secundárias na atmosfera, gerando outros compostos. Dentre esses, destaca-se a formação de material particulado ultrafino (PM2.5) que tem grande impacto na saúde pública (DURBIN et al., 2002; ANDRADE et al., 2012), responsável por doenças como asma, bronquite e câncer (WHO, 2013). Nos grandes centros, a principal fonte de amônia é atribuída aos motores de combustão interna dos veículos automotores (BATTYE; ANEJA; ROELLE, 2003; LIVINGSTON; RIEGER; WINER, 2009). No cenário nacional, alguns trabalhos relatam emissão de amônia nas condições locais de frota e combustíveis (DAEMME et al., 2014a, 2014b, 2014d; BORSARI, 2015); porém, segundo Borsari (2015), não existem dados suficientes sobre a frota circulante que possibilitem estimar um fator de emissão desse composto. O processo de degradação do catalisador, com seu uso, ocasiona uma mudança nas emissões de NH3, sendo que a desativação catalítica reduz a formação desse composto (LIVINGSTON; RIEGER; WINER, 2009). O processo inverso entre a emissão de amônia e NOx foi observado também por Kean (2009) em experimentos realizados em túneis.

Uma possível solução para a redução das emissões de amônia em motociclos foi abordada por Daemme et al. (2013) com uso de protótipo de catalisador SCR, colocado de forma externa ao conjunto de escapamento original do veículo. O objetivo do estudo foi verificar a viabilidade do uso de um catalisador SCR que reduzisse a amônia produzida de forma indesejada em conjunto com o NOx emitido. A pesquisa demonstrou a possiblidade de reduzir as emissões de amônia e NOx em 44% e 38% respectivamente.

O N2O, importante gás do efeito estufa devido a sua estabilidade, possui um longo tempo de permanência na atmosfera (acima de 100 anos) e um potencial para o efeito estufa cerca de 300 vezes superior ao do CO2 (BECKER et al., 1999; HUAI et al., 2004). Estudos demonstram que sua concentração na atmosfera vem aumentando ao longo dos anos, com 276 ppb no período pré-industrial e, atualmente, com aproximadamente 315 ppb (MACHIDA et al., 1995; SEINFELD; PANDIS, 2012). Borsari e Assunção (2012) efetuaram ensaios em veículos da frota nacional para estimar um fator de emissão para o N2O, utilizando uma amostra de

21 veículos leves do ciclo Otto, fabricados entre 1995 e 2008. Os fatores médios de emissão foram de 0,017 g km−1 para uso de etanol e 0,068 g km-1 para uso de gasolina A22. Na pesquisa não se abordaram as emissões em motociclos e veículos do ciclo Diesel. Para determinação da concentração das emissões foi utilizada a técnica de FTIR e infravermelho não dispersivo, sendo que a amostragem foi dos gases de escapamento diluídos em sacos de tedlar®. Os inventários da CETESB (2015) e MMA (2011, 2014) utilizam esses dados em conjunto com estimativas do IPCC para estimar as emissões desse composto em suas projeções, devido à ausência de dados para as condições locais de frota e combustíveis (DIAS; BALES; SILVA 2014a, 2014b). Porém os dados estimados pelo IPCC não levam em consideração as condições brasileiras de composição do combustível, uso de etanol combustível, tecnologias automotivas e sua degradação, ocasionando possíveis desvios nas projeções.

No tocante a emissões de aldeídos, para as condições brasileiras de utilização de motociclos, as pesquisas demonstram valores significativos, principalmente quando se trata de motociclos que utilizam tecnologia flex fuel, que permite uso de 100% de etanol hidratado combustível (DAEMME; PENTEADO; FERREIRA, 2010; DAEMME; PENTEADO; ZOTIN, 2012; SZWARC et al., 2014;

DAEMME et al., 2014d). A literatura internacional apresenta resultados de emissões de aldeídos em motociclos e veículos do ciclo Diesel, alertando quanto ao incremento desses compostos com a adição de etanol e biodiesel aos combustíveis tradicionais (CORRÊA; ARBILLA, 2006; HE et al., 2009; YAO; TSAI; CHIANG, 2009; YANG et al., 2012; MELO et al., 2014). O incremento na emissão desses compostos, ocasionado principalmente pela presença de compostos oxigenados nos biocombustíveis (STUMP et al., 1996; XUE; GRIFT; HANSEN, 2011), é relevante quando se observa a composição da matriz de combustíveis brasileira, com uso de misturas de etanol à gasolina de até 27% (v/v) e uso de 100% de etanol na forma hidratada; já no diesel, o teor de biodiesel atualmente é de 7% (v/v). Os aldeídos são substâncias químicas que podem causar problemas respiratórios, irritação dos olhos, sendo classificados como cancerígenos (formaldeído) e potencialmente cancerígenos (acetaldeído). Ainda, devido a sua instabilidade química, podem participar de diversas reações na atmosfera, destacando-se a formação do ozônio de baixa altitude, elemento oxidante das vias respiratórias e de materiais (KRAHL et al., 1996; ABRANTES; ASSUNÇÃO; HIRAI, 2005; TEIXEIRA et al., 2009; CORRÊA

et al., 2010; KUMAR et al., 2011). As emissões de aldeídos reportadas nos inventários nacionais contemplam apenas as emissões dos veículos leves do ciclo Otto (MMA, 2011; DIAS; BALES; SILVA, 2014b), devido à não regulamentação dessas emissões para motores do ciclo Diesel e motocicletas, sendo essas informações escassas e negligenciadas.

Dentre as técnicas para medição de emissões não regulamentadas, a espectroscopia na região do infravermelho por transformada de Fourier (FTIR) desponta como importante ferramenta na avaliação de emissões veiculares, sendo usada em diversas pesquisas para mensurar emissões de NH3, N2O, aldeídos e outros compostos (HELLER et al., 1990; ROBERTS; LOWRY, 1994; DURBIN; NORBECK; HUAI, 2001; DURBIN et al., 2002; ANDERSSON.; LANCE; JEMMA, 2003; LEA-LANGTON, ANDREWS, 2009; BERMÚDEZ et al., 2011).

Equipamentos com detectores de FTIR foram adaptados para amostragem e medição de compostos automotivos utilizando-se de linhas aquecidas, bombas e desumidificadores, propiciando assim uma análise simultânea, fácil e rápida de mais de 20 compostos, em uma frequência de aquisição de 1 a 10 Hz.

A análise por FTIR se baseia no princípio de que a radiação infravermelha emitida pelo interferômetro em todo o seu espectro é absorvida pelas moléculas presentes na amostra e convertida em energia de vibração molecular. O sinal resultante representa o espectro molecular de absorção e transmissão, criando uma impressão digital da amostra. Como cada material diferente é uma combinação única de átomos, não há dois compostos com exatamente o mesmo espectro infravermelho, tornando a técnica valiosa na identificação e quantificação de compostos (CIENFUEGOS; VAITSMAN, 2000).

Trabalhos comparando as técnicas normalizadas de medição de compostos com a técnica FTIR apresentam resultados correlacionáveis (HAACK; LACOURSE; KORNISKI, 1986; KAWARABAYASHI et al., 1990; LOWRY; KLEBBA; ROBERTS, 1995; DURBIN et al., 2002; REYES et al., 2006; DAEMME; PENTEADO; MELO, 2012; TORRES; REDÍGOLO; FLORES, 2014) e também citam as vantagens de seu uso, entre as principais: a aquisição contínua de dados, a rapidez na obtenção de resultados e a dispensa do uso de gases de calibração.

Devido à facilidade de uso e boa correlação de resultados, o método de análise por FTIR foi homologado para realização da quantificação das emissões de NH3 e N2O da área automotiva pelas regulamentações americana e europeia (CFR,

2012; EC, 2012). O CARB (2007) orienta que a coleta e a análise da NH3 em emissões veiculares devem ser realizadas instantaneamente após a amostragem, devido à alta reatividade do composto.

Métodos específicos para determinados compostos, utilizando-se de técnicas como espectroscopia de massa ou cromatografia, podem conduzir a resultados mais precisos, porém necessitam de técnicas especializadas de amostragem, extração e análise, inviabilizando uma amostragem mais ampla por motivos econômicos e pelo fator tempo.