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CAPÍTULO 1. RELAÇÕES DE PODER E EMPODERAMENTO

1.2 A S CONCEPÇÕES DE EMPODERAMENTO ENVOLVENDO AS RELAÇÕES DE GÊNERO

1.2.3 Empoderamento e ação coletiva

38 Nesta corrente, o empoderamento abarca a emancipação política dos indivíduos por meio da ação coletiva, fortalecendo a ideia de ampliação da democracia. Em razão disso aponta-se para a atuação de mulheres e de homens como sujeitos constituintes da sociedade civil e como componentes de redes sociais com capacidade de criar novas institucionalidades e espaços participativos. Segundo Romano (2002), o processo de empoderamento que se desenvolve da ação coletiva deve advir das próprias pessoas e suas organizações que com apoio de outros grupos podem criar um ambiente favorável ao processo. Nesses termos, o autor coloca que as dimensões ideológicas e políticas devem ser levadas em conta diante de situações de dominação e opressão. Além disso, as relações de conflito e os desdobramentos do conflito devem ser compreendidos como um processo de mudança que se permeia em outras dimensões da vida de pessoas e grupos sociais envolvidos.

Nesta abordagem, Horochovski e Meirelles (2007) consideram o empoderamento como um processo político ativado por meio da ação coletiva de grupos organizados e em comunidades. A ação coletiva se mostra como uma das possibilidades para a construção de instrumentos de participação que lhes ofereçam voz, visibilidade e influência em processos de ação e decisão que dizem respeito aos seus interesses. Os autores apontam que para obtenção do poder de escolha em suas vidas, os sujeitos interessados em alterar condições de exclusão, as organizações, as instituições públicas e os movimentos sociais devem atuar em conjunto para a criação de novos espaços de poder e a inserção dos indivíduos naqueles espaços já existentes. Essa rede de relações sociais possui papel fundamental por trabalhar com temas de combate à exclusão, promoção dos direitos e do desenvolvimento local, tendo em vista a transformação das relações de poder nos níveis municipal, estadual e nacional.

Mediante estas ponderações Horochovski e Meirelles (2007, p. 494) esclarecem que ao se analisar o empoderamento e as suas categorias correlatas, como autonomia e emancipação, deve-se pensar que “(...) nunca se é totalmente autônomo ou emancipado (tampouco empoderado), pois todos os que vivem numa sociedade defrontam-se com coerções maiores ou menores”. Mas em termos de operacionalização das variáveis do empoderamento os autores apresentam algumas dimensões semelhantes as que já foram apresentadas anteriormente. O empoderamento individual articularia o indivíduo como detentor de recursos que permitam controlar suas vidas e decisões. Este nível vincula-se às condições psicológicas, auto estima, experiências vividas individualmente e relacionadas com os demais membros da família, comunidade. De acordo com os autores “(...) esta situação

39 ocorre muitas vezes com lideranças que saem positivamente em fóruns participativos e que aprendem a participar participando e se posicionam nas esferas públicas e coletivas” (HOROCHOVSKI E MEIRELLES, 2007, p. 495).

O empoderamento organizacional ocorre na e pela organização, não importando o tipo, demonstrando-se por meio do compartilhamento de poder de decisão, na qual os membros participam de forma direta das decisões do grupo, entendendo todo o processo, dividindo tarefas. E por último o empoderamento comunitário seria capaz de condensar os processos individuais ou coletivos, por meio de instâncias participativas, conseguindo construir uma agenda com desejos e ações que auxiliam o grupo alcançar o objetivo traçado coletivamente.

Há de se destacar que esses processos não ocorrem de maneira harmoniosa, pois existem os conflitos de interesses, mas esses conflitos devem ser solucionados de uma maneira que a finalidade de acessar recursos governamentais e comunitários não se perca em meio a esses desacordos. Gohn (2004) faz uma ressalva de que o empoderamento se apresentaria com dois sentidos que sinalizariam diferenciações e demonstraria o caráter não universal do empoderamento:

Tanto poderá estar referindo-se ao processo de mobilizações e práticas destinadas a promover e impulsionar grupos e comunidades - no sentido de seu crescimento, autonomia, melhora gradual e progressiva de suas vidas (material e como seres humanos dotados de uma visão crítica da realidade social); como poderá referir-se a ações destinadas a promover simplesmente a pura integração dos excluídos, carentes e demandatários de bens elementares à sobrevivência, serviços públicos, atenção pessoal etc., em sistemas precários, que não contribui para organizá-los – porque os atendem individualmente, numa ciranda interminável de projetos de ações sociais assistenciais (GOHN, 2004, p.23).

Nesse sentido, o fator determinante na diferenciação desses dois processos é a identificação da natureza e o sentido do projeto social da instituição que promove o processo de intervenção social e de empoderamento. Esse aspecto abrange o conhecimento da trajetória histórica do movimento, a origem, a composição social, as entidades articuladoras, as redes sociais a que pertence, as lutas que desenvolveu, projetos que elaborou, sucessos, perdas etc.

Essas considerações possibilitam compreendermos o tipo de empoderamento que estamos tratando, pois ao indicarmos as ações coletivas principalmente o MAB como um espaço propulsor no avanço da democracia e da conquista de direitos das mulheres e homens

40 envolvidos deve-se levar em conta a concepção de empoderamento que o movimento propaga. Consideramos que o posicionamento que o movimento tem acerca do empoderamento das populações atingidas pauta-se na superação de relações de poder que oprimem esses grupos e os tornam subalternos, principalmente frente a processos como de deslocamentos compulsórios, das negociações de indenizações na construção das barragens, dentre outros.

Entendemos a subalternidade a partir da interpretação realizada por Laschefski (2011) sobre as distintas racionalidades de apropriação do ambiente por grupos subalternos. O autor explica a relação da subalternidade das populações afetadas frente ao Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMAS) e sugere a Avaliação de Equidade Ambiental (AEA) como um instrumento complementar aos estudos de impacto. Pois, a AEA considera o princípio da reciprocidade, no qual confere a construção da tomada de decisão a partir de significados e subjetivações que modificam paradigmas de entendimento e ação presentes no processo de licenciamento. Ou seja, a reciprocidade norteia a desconstrução da subalternidade dos atingidos, favorecendo a transformação desses sujeitos em agentes de influência nos processos de decisão.

Para construir esse instrumento, o autor toma como referência teórica os estudos subalternos desenvolvidos na Índia, nos anos 80. Nestes estudos a sociedade indiana foi analisada a partir da perspectiva gramsciana e considerou outras formas de poder que gerariam elites e grupos em condição subalterna ponderando não apenas a economia política, mas incluindo a cultura, a religião, o gênero, raça, idade, etc. Nesse sentido, Laschefski (2011) faz alusão a Antônio Gramsci que entendeu o aparelho hegemônico não apenas como o aparelho do Estado, mas todas as esferas da sociedade moderna que detém o discurso social, político e cultural de construção e manutenção do poder, gerando assim a invisibilidade de grupos frente a esse aparato hegemônico, isto é, gerando a exclusão.

Portanto, consideramos que a análise da condição subalterna favorece o entendimento da concepção de empoderamento que o MAB pretende em suas ações junto às populações atingidas, que são subalternas. Desse modo, as ações políticas de enfrentamento que visam a apropriação das linguagens frente ao sistema hegemônico do licenciamento ambiental e o reconhecimento dos seus próprios direitos sociais que abrangem a vida nas comunidades, nos espaços de lazer, nas formas de trabalho chegando inclusive na esfera familiar, podem

41 favorecer um posicionamento esclarecido dessas populações frente às ações de agentes do campo político em nível local, estadual a até nacional.

É necessário considerar que não são todos que conseguem alcançar um nível elevado de consciência perante as situações cotidianas e políticas. Em muitos casos são as lideranças das bases locais que vivenciam esse crescimento próprio, assim as organizações esperam destes a irradiação dos valores críticos para os demais membros. Assim, uma das maneiras que as ações coletivas dispõem para cumprir com seus objetivos junto a grupos e indivíduos são o grande recurso de mobilização interna agregada a outros grupos da sociedade civil. Essa estratégia pode dar visibilidade e poder aos sujeitos coletivos em influenciar as agendas a fim de que se possa diminuir as assimetrias de poder dentro dos próprios movimentos e alterar as situações de exclusão presentes na sociedade. Uma vez que, em movimentos sociais como o MAB, o MST, por exemplo, a visão marxista prevalece, privilegiando primeiramente o combate a dominação econômica e secundariamente relações de poder tradicionais como o patriarcalismo que afetam as relações de gênero.

Por fim, a presente dissertação apresenta os resultados da tentativa de identificar os efeitos sociais da participação feminina no MAB nas relações de gênero e nas formas de empoderamento, no âmbito público e privado, à luz do referencial discutido. Consideramos que dentre as perspectivas apontadas, nos apoiaremos na perspectiva que considera que o empoderamento advém da ação coletiva como processo político emancipatório, mas traremos elementos da corrente do empoderamento e gênero com intuito de identificar as mudanças e/ou permanências nas relações de gênero.

Desse modo poderemos explorar a interrelação existente entre as variáveis presentes nos níveis de empoderamento que utilizaremos, identificando algumas tendências de como a esfera da ação coletiva tem auxiliado nas transformações e o empoderamento no que tange a vida do indivíduo e sua família, nas comunidades onde vivem e na esfera de decisão na ação coletiva e na esfera política. A seguir apresentamos o cruzamento das perspectivas de empoderamento no âmbito público e privado, na figura 3 que sintetiza as concepções anteriormente discutidas que iremos nos deter. Além desse esquema, apresentamos no Quadro 2 os indicadores de empoderamento para a análise dos dados, os quais foram cosntituídos a partir das referências conceituais apresentadas ao longo do capítulo.

42 Figura 3. Esquema formulado a partir do cruzamento das perspectivas sobre o processo de empoderamento no âmbito publico e privado.

Participação política em grupos e ações coletivas

como o MAB

Empoderamento político Voz de decisão dentro do

grupo, cooperação entre membros do grupo, participação em reuniões,

atuação na ação coletiva

?

Empoderamento Social Acesso a informação e direitos, participação em organizações, acesso a recursos financeiros, a trabalho, acesso a terra,

produção de alimentos Ação e emancipação política

Compreensão da dominação Conquista de direitos e valorização dos modos de vida

Empoderamento Individual

Renegociação das relações domésticas; poder de decisão para sair de casa; para mudar

a vida, controle sobre o corpo, integridade física, uso

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Categoria analítica Indicadores

Empoderamento político Atuação em organizações

Formas de decisão dentro do grupo Tempo de participação

Mudanças na própria vida Participação em reuniões

Empoderamento social Acesso à informação e direitos trabalhistas Acesso à políticas públicas

Mobilidade espacial Produção de alimentos Empoderamento individual Tomada de decisão

Poder de decisão para sair de casa Controle sobre o corpo

Integridade física Renda própria

Decisão no uso de recursos financeiros da família, gestão da propriedade

Envolvimento com o Lugar Relação com lugar Valores importantes Satisfação ou insatisfação

Quadro 2. Os indicadores de empoderamento político, social, individual e de relação com o “lugar”. Fonte: elaboração própria.

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CAPÍTULO 2. A CONDIÇÃO DA MULHER RURAL NO ESPAÇO PÚBLICO E

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