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CAPÍTULO 1 – COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO, AVALIAÇÃO E INOVAÇÃO:

1.2 Educação em Saúde

1.2.3 Empoderamento

A abordagem de comunidade e de suas formas de configuração, seja como organização comunitária ou construção comunitária, remete à compreensão de que as comunidades necessitam de cidadãos envolvidos em processos de aumento de poder (empoderamento – tradução de empowerment para o português, utilizada por muitos autores) e não de pessoas passivas na função de clientes consumidores da saúde como “objeto” (Un, 2002).

O tema de empoderamento está relacionado à promoção da saúde que foi conceituada na carta da Primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada em Ottawa, em novembro de 1986, tal como:

Promoção da saúde é o nome dado ao processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo. Para atingir um estado de completo bem-estar físico, mental e social os indivíduos e grupos devem saber identificar aspirações, satisfazer necessidades e modificar favoravelmente o meio ambiente. A saúde deve ser vista como um recurso para a vida, e não como objetivo de viver. Nesse sentido, a saúde é um conceito positivo, que enfatiza os recursos sociais e pessoais, bem como as capacidades físicas. Assim, a promoção da saúde não é responsabilidade exclusiva do setor saúde, e vai para além de um estilo de vida saudável, na direção de um bem-estar global. (Ministério da Saúde, 2002, pp. 19-20)

Assim a promoção da saúde propõe comunidades ativas, empoderadas para escolhas saudáveis e ações sobre condicionantes que resultem em impacto positivo na qualidade de vida (Oliveira, 2005; Santos & Westphal, 1999).

Uma definição abrangente de empoderamento é apresentada por Minkler e Wallerstein (2002): “um processo de ação social pelo qual indivíduos, comunidades, e organizações obtém domínio sobre suas vidas no contexto de mudar seus ambientes político e social para melhorar a equidade e qualidade de vida” (p. 289).

O conceito de empoderamento está presente, de modo implícito ou explicito, nos preceitos da promoção da saúde como os referentes ao desenvolvimento da capacidade dos sujeitos individuais e ao fortalecimento de ações comunitárias (Carvalho, 2004). E assim o conceito /estratégia de empoderamento, sucedendo à perspectiva behaviorista da educação em saúde da década de 1970, é considerado estruturante da promoção da

saúde, exercendo potencial papel para transformação das práticas comunitárias e profissionais em saúde (Carvalho & Gastaldo, 2008).

A complexidade do conceito de empoderamento é referenciada por Carvalho (2004), ao destacar suas influências na segunda metade do século XX, ocorridas nas lutas pelos direitos civis, no movimento feminista e na ideologia da “ação social”, presentes nas sociedades dos países desenvolvidos. O mencionado autor refere, ainda, que nas décadas de 1970 a 1990, esse conceito recebeu influxo, respectivamente, dos movimentos de autoajuda, da psicologia comunitária e dos movimentos que buscavam afirmar o direito da cidadania sobre distintas esferas da vida social, entre as quais a prática médica, a educação em saúde e o ambiente físico.

A literatura mostra uma vasta abordagem teórica sobre empoderamento e suas categorias de empoderamento psicológico e empoderamento comunitário com suas respectivas implicações na área da saúde (Carvalho, 2004; Carvalho & Gastaldo, 2008; Minkler & Wallerstein, 2002; Un, 2002). Alguns pontos sobre sua significação serão apresentados para melhor entendimento de sua relação com a educação em saúde.

O empoderamento psicológico é definido como: “um sentimento de maior controle sobre a própria vida que os indivíduos experimentam através do pertencimento a distintos grupos, e que pode ocorrer sem que haja necessidade de que as pessoas participem de ações políticas coletivas” (Carvalho, 2004, p. 1090). De forma bem clara, Carvalho (2004) critica a referida modalidade de empoderamento por não levar em conta a influência dos fatores sociais e estruturais, desconectando, assim, o comportamento dos homens do contexto sociopolítico em que estão inseridos. Minkler e Wallerstein (2002), tomando como base o pensamento de Zimmerman, conceituam o empoderamento psicológico como aquele em nível individual que inclui o controle percebido das pessoas em relação às suas vidas, sua consciência crítica do seu contexto social, e sua eficácia política e participação em mudança.

Com contribuições da psicologia comunitária, das concepções do educador Paulo Freire e de proposições de outros estudiosos, emergiu a noção alternativa do empoderamento comunitário que prestigia a politização das estratégias do movimento da nova promoção à saúde. De acordo com Carvalho (2004): “a sociedade é constituída de diferentes grupos de interesses que possuem níveis diferenciados de poder e de controle sobre os recursos, fazendo com que processos de ‘empowerment’ impliquem, muitas vezes, a redistribuição de poder e a resistência daqueles que o perdem” (p.1091). Podem ser citados como exemplos de produtos finais do empoderamento comunitário:

senso ampliado de comunidade; competência comunitária e processos participatórios em maior grau; resultados de mudanças reais em políticas, condições transformadas, recursos incrementados que podem reduzir iniquidades (Minkler & Wallerstein, 2002).

Situado no cerne da educação em saúde, o empoderamento “...procura possibilitar aos indivíduos e coletivos um aprendizado que os torne capazes de viver a vida em suas distintas etapas e de lidar com as limitações impostas por eventuais enfermidades...” (Carvalho & Gastaldo, 2008). Os referidos autores acrescentam, ainda, que os cenários para as ditas ações podem ser a escola, o domicílio, o trabalho e os coletivos comunitários.

A análise teórica sobre promoção à saúde e empoderamento, feita por Carvalho e Gastaldo (2008), chama a atenção para a busca de inovações nas práticas educativas em saúde:

A participação comunitária nos processos decisórios, nas atividades de planejamento e na implementação das ações de saúde constitui uma das estratégias centrais da Promoção à Saúde. Esta abordagem coloca em relevo a necessidade de as ações em saúde buscarem fortalecer a atuação dos indivíduos e dos grupos e do incentivo das ações que ofereçam suporte social aos coletivos comunitários, que estimulem processos de auto-ajuda [sic] e que busquem implementar novas práticas de Educação em Saúde. (p. 2031)

Carvalho (2004) ressalta o entendimento de muitos investigadores da promoção à saúde sobre a relevância dos serviços de assistência à saúde como espaço de realização de empoderamento, por isso defende que se valorize a rede de atenção do SUS brasileiro, como lugar privilegiado de sociabilidade e politização de usuários, trabalhadores e gestores. Desse modo, o citado autor afirma: “Ao contribuir para a constituição de cidadãos saudáveis, conscientes de seu direito e portadores do ‘direito a ter direitos’, esses serviços aumentam a possibilidade de ações sociais que incidam positivamente sobre os múltiplos determinantes do processo saúde/doença” (p.1094).

É defendido, ainda, que o empoderamento de mulheres, meninas e comunidades é um dos princípios orientadores para eliminar a mortalidade materna evitável. Esse indicador, em nível global e em segmentos vulneráveis da população, ainda é considerado muito elevado, a despeito de ter havido progresso em sua redução, em função de esforços empreendidos para cumprir a meta denominada “5.A” dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM): diminuir a RMM em três quartos, de 1990 a 2015. O exercício de tal empoderamento na saúde reprodutiva requer a existência de

estratégias que assegurem não só o poder de decisão das mulheres, mas também a disponibilidade de opções que lhes permite exercer suas escolhas (WHO, 2015).

Evidências demonstram que meninas, ao exercerem seus direitos de adiar casamento e gravidez, decidindo avançar em seus estudos, a mortalidade materna cai a cada ano adicional de estudo que elas completam. Essa e outras intervenções contribuem para o empoderamento, significando a capacidade de as mulheres fazer as escolhas próprias em suas vidas reprodutivas, tomar decisões de cuidados de saúde e até mesmo influenciar a qualidade dos serviços por meio de mecanismos de participação e responsabilidade social (WHO, 2015).

Dentre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), promulgados em 2015, pela Organização das Nações Unidas (ONU), para cumprimento até o ano de 2030, destaca-se o quinto que se propõe a alcançar a igualdade de gênero e empoderar as mulheres e as meninas. Para tanto, a agenda definiu algumas metas, entre as quais: - Assegurar o acesso universal à saúde sexual e reprodutiva e os direitos reprodutivos, como acordado em conformidade com o Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento e com a Plataforma de Ação de Pequim e os documentos resultantes de suas conferências de revisão.

- Aumentar o uso de tecnologias de base, em particular as tecnologias de informação e comunicação, para promover o empoderamento das mulheres.

- Adotar e fortalecer políticas sólidas e legislação aplicável para a promoção da igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas, em todos os níveis (PNUD, 2015, pp. 19-20).