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5 BRASÍLIA ONTEM, HOJE E AMANHÃ

6.3 EMPREENDIMENTOS NA BACIA DO RIO PARANOÁ

Os anos 1980 e principalmente os 1990 testemunharam um rápido crescimento dos chamados condomínios – que continuam crescendo e atualmente passam por um processo de regularização fundiária39. Estes se situaram em áreas de restrição ambiental, principalmente na bacia hidrográfica do rio São Bartolomeu, mas também na bacia do rio Paranoá. Tais ocupações irregulares com freqüência se localizaram “próximos às áreas de formação de mananciais de abastecimento de água do Distrito Federal, [tornam] a solução de esgotamento sanitário prioritária, do ponto de vista ambiental” (MORAES, 1999: 4). Estes assentamentos, embora em sua maioria habitados por famílias de classe média, muitas vezes não possuem

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Previsto no Estatuto das cidades como obrigatório para municípios com mais de 20.000 habitantes, o Plano Diretor de Ordenamento Territorial é regulado pela Lei Orgânica do DF.

39 Esse processo pelo qual o ocupante deverá pagar pelo imóvel adquirido irregularmente, não será objeto de

licitação como deveria ocorrer de praxe, mas de negociação direta com o detentor do imóvel, em sua maioria a TERRACAP. Esta resolução foi objeto de decisão do STF

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infra-estrutura adequada em termos de saneamento, abastecimento, drenagem urbana ou malha viária.

Além desta modalidade de ocupação urbana difusa e fragmentária – baseada na auto- construção ou empreendida por pequenas construtoras – avolumam-se as projeções de empreendimentos imobiliários na bacia do Lago Paranoá, muitos das tais, também, com problemas de regularidade ou implicados em controvérsias ambientais e patrimoniais, conforme foi introduzido no capítulo 3, acerca do relatório da UNESCO sobre Brasília. Tais controvérsias colocam a viabilidade dos empreendimentos em cheque e se traduzem em novos desafios para os diálogos no comitê.

A expansão do Setor Sudoeste, através das chamadas “quadras 500” – com previsão de implantação de 22 projeções – é pleiteada por setores da construção civil. Embora o projeto conste no PPCUB, o MPDFT questionou judicialmente40 as condições de legalidade da permuta da área pretendida entre a Marinha do Brasil e a empreiteira, bem como a construção das projeções em área non-aedificanti da escala bucólica, violando o Decreto distrital 10.829/87, referente ao tombamento da cidade. Resultaram das ações do MPDFT, decisões41 favoráveis, entendendo haver indícios de irregularidade no processo de licenciamento do empreendimento.

Também devido ao comprometimento de área non-aedificanti da escala bucólica, a construção do Setor Noroeste foi questionada pelo MPDFT, uma vez que parte do novo bairro encontra-se fora da poligonal constante no decreto 10.829/87 destinado ao Setor Oeste Norte, sua denominação original. A ação civil pública42 referente a esta questão movida pela PROURB do MPDFT teve sentença desfavorável por parte do TJDFT, mas ainda em fase de julgamento da apelação apresentada pela autora da ação. Houve também uma ação civil pública movida pela Promotoria de Meio Ambiente – PRODEMA do MPDFT43 cuja sentença foi proferida sem análise de mérito em 2007.

Quanto aos aspectos ambientais44, a área de localização do empreendimento se estende sobre solos de aptidão de recarga de aqüíferos, conforme apontado no próprio Estudo de Impacto Ambiental do setor,

os solos da região estudada apresentam condutividades hidráulicas elevadas a muito elevadas. Na superfície, apenas o latossolo vermelho-amarelo apresentou

40 Ação Civil Pública n° 30296-39.2011.4.01.3400 e Ação Civil Pública n° 30295-54.2011.4.01.3400 41

Decisão 679/2011 e 766/2011 do Tribunal de Contas do Distrito federal – TCDF

42 Ação civil pública n° 2010.01.1.064376-5 43 Ação civil pública n° 2000.01.1.068613-8

129 valor da ordem de 10-5 m/s, os demais têm condutividade da ordem de 10-4 m/s, o que é considerado um valor muito alto para solos da região do cerrado. Para o latossolo vermelho com textura argilosa esperava-se o valor menor, entretanto, a alta densidade de raízes e a alta biopedoturbação por organismos elevam a permeabilidade na superfície do terreno (TC/BR, 2005: 131).

Assim, o documento conclui que as feições hidrogeológicas “associadas aos elevados valores de condutividade hidráulica da zona não saturada e às condições geomorfológicas fazem da região do empreendimento e suas vizinhanças uma excelente área de recarga natural dos aqüíferos” (TC/BR, 2005: 134). Ademias, as obras do setor, iniciadas em 2010, vêm contribuindo significativamente para o assoreamento do Lago Paranoá, conforme observa a moção n° 02/2011 do CBH-RP:

Estudos que apontam os braços do Riacho Fundo e do Bananal como as regiões mais críticas em termos de assoreamento no Lago Paranoá, essa última sob influência direta das obras do Setor Noroeste atualmente em andamento (CBH- RP, 2011b).

Devido a irregularidades identificadas na implantação do empreendimento Setor de Habitações Coletivas Noroeste, o ICMBio embargou a obra do setor no dia 2 de maio de 2012 e autuou a TERRACAP pelas infrações45. Devido ao descumprimento do embargo, o ICMBio lavrou nova autuação com multas diárias no valor de 15 mil reais à TERRACAP, empresa responsável pelo empreendimento. A partir da demanda do citado Instituto, o MPDFT ajuizou uma ação cautelar46 para coibir o crime ambiental. Não obstante ao embargo, o CONPLAN se reuniu no dia 2 e no dia 21 de junho de 2012 para debater a implantação da segunda etapa do setor noroeste.

Outro empreendimento é o mega-projeto que, justificado pelo aumento da demanda por hospedagem durante a Copa 2014, prevê a instalação de parque hoteleiro na Quadra 901

45 Por causar dano às Unidades de Conservação Parque Nacional de Brasília e Área de Proteção Ambiental – APA

do Planalto Central, a TERRACAP foi multada no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais): Auto de Infração nº 032854, Série A, de 02/05/12, Processo nº 02063.000064/2012-43. Enquadramento Art. 91 do Decreto 6.514/2008.

Por lançar resíduos sólidos em desacordo com as exigências estabelecidas em atos normativos (Res. CONAMA 307/2002) em área circundante ao Parque Nacional de Brasília e na APA do Planalto Central, a empresa foi multada no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais): Auto de Infração nº 032855, Série A, de 02/05/12, Processo nº 02063.000065/2012-98. Enquadramento Art. 62 do Decreto 6.514/2008.

Por deixar de atender as condicionantes estabelecidas na Licença de Instalação nº 33/2010 do IBRAM (nºs 12, 15, 17, 31, 33, 53 e 56) a obra foi embargada e a empresa foi multada no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais diários), por meio de auto de Infração nº 032856, Série A, de 02/05/12, Processo nº 02063.000066/2012-32. Enquadramento Art. 66 do Decreto 6.514/2008.

Por descumprir embargo de atividade (implantação do Setor de Habitações Coletivas Noroeste) e suas respectivas áreas foram suspensas as atividades de construção e a empresa TERRACAP foi multada no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais diários): Auto de Infração nº 022966, Série B, de 29/05/12, Processo nº 02063.000074/2012-89 referente ao enquadramento Art. 79 do Decreto 6.514/2008.

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norte. O Relatório de Impacto de Vizinhança – RIVI do parcelamento futuro no Setor de Grandes Áreas Norte – SGAN, elaborado pela TERRACAP, descreve a área como pertencente à escala gregária, sem que houvesse análise do IPHAN que a classificasse como tal. Segundo representação civil pública47 protocolada no MPDFT pela Pró-Federação em defesa do DF, em comparação com o mapa do anexo II do decreto nº 10.829/1987, a área do empreendimento aparece como pertencente à escala bucólica e, portanto, non-aedificandi, não devendo, assim, ser destinada ao uso urbano. Ademais, consta no documento Brasília Revisitada que as áreas contíguas aos eixos, como no caso, devem permanecer com gabaritos baixos.

Quanto aos empreendimentos na orla do Lago Paranoá, o Relatório do Plano Piloto de Brasília consta que “evitou-se a localização dos bairros residenciais na orla da lagoa, a fim de preservá-la intacta, tratada com bosques e campos de feição naturalista e rústica para os passeios e amenidades bucólicas de toda a população urbana” (COSTA, 1991: 53). Esse princípio seria reafirmado na lei de tombamento de Brasília. No entanto, diversos empreendimentos como de hotéis-residências e apart-hoteis se estabeleceram na Orla do Lago, no âmbito do Projeto Orla, lei n° 971/1995 (NERI, 2008). Após o período de publicação do trabalho de Neri (2008), outros empreendimentos vieram a se estabelecer na área. O MPDFT, mediante ação civil pública48, questionou a legitimidade do empreendimento denominado “Brisas do Lago” apontando a desconformidade do mesmo quanto à lei de tombamento da cidade e ao Código de Edificações do Distrito Federal, lei n° 2.105/1998. A ação foi considerada procedente pelo TJDF e o empreendedor obrigado, dentre outras penalidades, a veicular publicamente as considerações da ação civil pública e avisar da existência da lide em questão, visando a assegurar o direito de informação dos consumidores.

O PDOT prevê também a expansão de várias áreas habitacionais como estratégia de dinamização urbana. Para o Bairro Taquari, está prevista a implementação das etapas 2 e 3, tendo a primeira etapa apresentado problemas de drenagem das águas pluviais, devido a inclinação da área. Inserido na zona urbana de uso controlado I, como estratégia de ampliação de áreas habitacionais, o Bairro Taquari coincide com a área denominada por Paulo Bertran “Serrinha do Paranoá” (FONSECA, 2001), de grande fragilidade ambiental e importância paisagística para a cidade.

Foi também prevista a área denominada no Plano Diretor Local – PDL do Guará como Área de Parcelamento futuro, localizada nas proximidades da Via EPIA para uso comercial e

47 Representação que gerou a Ação civil pública n° 2010.01.1223601-5 48 Ação Civil Pública n° 2010.01.1.234778-2

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habitacional (LC n° 803/2009, artigo 109, inciso VIII, § 2°). Este dispositivo foi considerado inconstitucional pelo TJDFT, mas foi reinserido na versão do PLC n° 17/2011.

O citado instrumento de planejamento prevê ainda como estratégias de oferta de habitação "área adjacente ao Bairro Águas Claras, na Região Administrativa de Águas Claras" (LC n° 803/2009, art. 135, inciso VI). A Região Administrativa encontra sérios desafios na expansão uma vez que os instrumentos da política urbana não foram devidamente implantados. A Outorga Onerosa do Direito de Construir não foi cobrada aos empreendedores pelo aumento dos coeficientes de aproveitamentos, como o aumento dos pavimentos construídos (de um limite inicial de 12 para 34 andares). Esse montante não arrecadado deveria de ser reinvestido na área, no redimensionamento da malha viária, nas redes de esgoto e de drenagem de águas pluviais, nos aparelhos urbanos de forma geral (OLIVEIRA & AGUSTINHO, 2010). A própria capacidade suporte do sistema em que se insere o novo bairro, sobre solos hidromórficos, passa a ser questionada (FLÓSCULO, 2012).

Ressalta-se que, no que tange ao que estamos entendendo como conflito entre o uso do solo e da gestão de recursos hídricos, uma simulação da ocupação da bacia do Paranoá, baseada na taxa de ocupação dos períodos anteriores e na definição do zoneamento do PDOT/2009, mostrou uma tendência à saturação do território de várias sub-bacias da bacia do Paranoá (DIAS, 2011).