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5 BRASÍLIA ONTEM, HOJE E AMANHÃ

5.1 ENCONTRANDO BRASÍLIA: EVOLUÇÃO ATRAVÉS DAS ESCALAS TEMPORAIS

5.2.3 A presença humana do Planalto Central

Esse centro de irradiação de águas para as bacias hidrográficas brasileiras era também um centro de convergência de antigas rotas. As áreas altas do triplo divisor de águas seria caminho inevitável para as migrações (BERTRAN, 1999). Tasso Fragoso se admira:

“a estrada torna-se notável porque foi disposta pela cumiada das elevações. Esse facto faz com que o explorador, em todo o percurso do caminho, distinga vertentes de córregos que vão levar águas quer ao rio Maranhão, quer ao rio Paranahyba” (CRULS, 1992: 165)

Estradas hoje asfaltadas da região foram, em um tempo antigo, desbravadas pelos bandeirantes, mas estas teriam se consolidado a partir das trilhas abertas por indígenas e outros viajantes. A estrada colonial, antes de ser legalizada com a instituição das “contagens”25, era as celebradas picadas da Bahia e do Goiás, donde escravos fugidos ou alforriados vinham em direção às minas do vale do rio Vermelho (hoje cidade do Goiás), Corumbá, Meia Ponte (atual Pirenópolis), ou das lavras tardias de Santana do Paracatu e Santa Luzia (atual Luziânia) (BERTRAN, 2000).

Desde a chegada dos portugueses, ocorreu a “retirada dos Tupi do litoral em busca de refúgio no Brasil Central” (BERTRAN, 2000: 26). Nessas “paragens”, os Tupi encontrariam povos semi-nômades do tronco lingüístico macro-jê, como os Xavante, Kaiapó, Crixá e Xacriabá, que já povoavam a região adjacente ao atual Distrito Federal (BERTRAN, 1999; GIRALDIN, 1997). Estes caminhos trilhados por esses povos tinham na região da Chapada do Pipiripau, próximo de Arraial dos Couros, um ponto de cruzamento.

Essa região, especula Goes (1991: 72), é a base física de uma mítica lagoa formada “pelo encontro de um grande rio do norte com o rio Prata”. As denominações para a lagoa se proliferavam, concebidas em tempos, lugares e em idiomas diferentes – português, espanhol e em língua-geral: “xaraes”, “eupana”, “paitity”, “dourada”, “manoa” (GOES, 1999: 72), mas também “xaraiés”, “vupabuçu” (BERTRAN, 1999: 39). O valor simbólico do mito era muito caro aos portugueses que esperavam ter, nesse continuum hídrico, um acidente geográfico que demarcasse a ilha Brasil, limitada no interior por esses dois rios emendados (Figura 5.2). De fato, em diversos registros cartográficos dos séculos XIV, XV e XVI, era representada a ilha Brasil, quase inteiramente dentro do meridiano português do Tratado de Tordesilhas. Ribeiro

25 Posto fiscal interno de uma capitania destinada ao recolhimento do quinto e outros impostos. diferente do registro

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(2002) lembra a representação do lago com 200 léguas pelo cartógrafo holandês seiscentista Jodocus Hondius.

Figura 5.2 “Ilha Brasil” no mapa-mundi inglês de John Rotz (1542) Fonte: Goes (1991)

A presença humana no Cerrado, no entanto, remonta a cerca de 11 mil anos, evidenciada por vestígios da indústria lítica do final do Pleistoceno (SCHMITZ, 1993) provenientes dos raros dados arqueológicos das últimas décadas. Bertrand (1999) aponta que em todas as savanas o intemperismo arrasa rapidamente os vestígios humanos. Felizmente, vários sítios arqueológicos estão crescentemente sendo reconhecidos e preservados (como o Parque Três Meninas em Samambaia, a Chácara Santa Terezinha nº 112 em Ceilândia e o próprio Parque Nacional de Brasília).

O Distrito Federal possui atualmente 18 sítios arqueológicos catalogados pelo IPHAN, que nunca foram escavados, não permitindo, neste momento, confirmações científicas mais precisas (...) Em caráter de hipótese, alguns desses sítios pré-cerâmicos encontrados no DF poderiam datar de 7.000 a 7.500 anos de idade, data que coincide com a instauração do atual ótimo climático da região. Outra hipótese muito aceita é que poderiam ter convivido no Distrito Federal duas culturas indígenas distintas, uma mais antiga formada por caçadores pré-cerâmicos, e outra, de apenas mil anos, e ambas chegando até a invasão colonizadora (DISTRITO FEDERAL, 2012b: 160 - 161).

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Ademais, a herança cultural do “inominado homo cerratensis” seria invisibilizada, tal como a herança africana no nordeste “devorada pelo barroquismo imperante” (BERTRAN, 1999: 20). Para Monti (2007), no entanto, tal herança cultural desse cerratensis remanesceria vivamente nas tradições sertanejas da região.

As bandeiras e entradas se tornaram mais frequentes no planalto central no século XVIII (ARAGÃO, 1993). Padre Antônio Vieira chegava mesmo a denominá-las Arraiais, verdadeiras cidades em marcha. Nessa época, surgem também as principais cidades da região que tiveram na demanda do ouro uma de suas maiores causas.

O segmento constituído, hoje, de unidade geopolítica precisa – o Distrito Federal – que esteve sob a jurisdição e tirocínio dos antigos habitantes – bandeirantes, garimpeiros, índios, e negros que para aqui chegaram no rastro do ouro abundante e fácil (...) o encontro dessa cultura que se origina na região a partir do início do século xviii, tornam- se efetivamente predominante com o movimento de ocupação do cerrado (ARAGÃO, 1993: 174).

A marcha para o Oeste motivada pelo ouro viria a ocorrer quase um século antes do mesmo fenômeno ocorrido nos Estados Unidos, eram as “correrias”, cidades-ambulantes desses desbravadores do Goiás (ARAGÃO, 1993). Passado o ciclo do ouro, a atividade produtiva que se sucede é a pecuária bovina do século XIX, de “rentabilidade quase que residual” (ARAGÃO, 1993: 180), que viria a se chocar rudemente com um modelo de agricultura de exportação nos anos 70 do século XX, que introduziu o calcário e o arado.

Dentre as regiões brasileiras, o cerrado foi aquela que, nos últimos anos, submeteu-se a transformações as mais radicais nas técnicas produtivas e no próprio modo de vida, secularmente característico desta parte do país. Refiro-me a uma modalidade específica de processo produtivo, a um sistema de festas, a uma linguagem e costumes que existiram aqui durante dois séculos e meio de história de ocupação da região, que bruscamente desmorona-se diante de uma modernidade tecnológica maciça (ARAGÃO, 1993: 171).