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Empreendimentos constituídos a partir da falência ou crise de empresas A partir da década de 1990, assistimos no Brasil o surgimento de empresas

DISTRIBUIÇÃODOS EMPREENDIMENTOS POR “ANO DE INÍCIO” COMO EMPREENDIMENTO SOLIDÁRIO (BRASIL)

4.3.1 Empreendimentos constituídos a partir da falência ou crise de empresas A partir da década de 1990, assistimos no Brasil o surgimento de empresas

recuperadas por trabalhadores. Trata-se de empreendimentos geridos de forma cooperativa e que tem na autogestão seu modelo de organização e na economia solidária sua base de sustentação teórica e prática.

Conforme Juvenal (2006), no Brasil, mapear as experiências de empresas recuperadas não se constitui em uma tarefa fácil. Isto porque, segundo a autora, as empresas recuperadas não possuem um arcabouço jurídico específico, sendo constituídas, em geral, como cooperativas ou associações. Outra dificuldade que se apresenta aos estudiosos desse segmento diz respeito à “representatividade das entidades que congregam as empresas recuperadas, que é enfraquecida pela inexistência de um perfil de identidade único das empresas” (p. 120). Por fim, Juvenal (Ibid.) informa que a ausência de articulação entre as empresas recuperadas impede uma visualização precisa deste segmento no contexto brasileiro. Contudo, apesar destas limitações, pretendemos nesta seção apresentar a natureza e as principais características das empresas recuperadas.

O surgimento das empresas recuperadas ocorre em um contexto de crise. No Brasil, se constitui numa resposta dos trabalhadores a crise de 1981/83, quando várias indústrias entram em processo de falência. Parafraseando Singer (2002, p. 87), é, portanto desta época,

a formação das cooperativas que assumem a indústria Wallig de fogões, em Porto Alegre, a Cooperminas, que explora uma mina de carvão falida

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Esta classificação foi construída a partir do agrupamento e análise dos estudos de casos realizados por pesquisadores da temática. É fruto, portanto, da pesquisa bibliográfica empreendida para a construção deste capítulo. Um dos critérios adotados para a seleção do material bibliográfico foi que o mesmo apresentasse resultados de pesquisas empíricas sobre os empreendimentos econômicos solidários no Brasil, especialmente da região nordeste. Ver lista de referências bibliográficas.

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em Criciúma (Santa Catarina) e as cooperativas que operam as fábricas (em Recife e em São José dos Campos) da antiga Tecelagem Parahyba de cobertores.

Durante toda a década de 1990, observa-se a falência de empresas e o aumento do desemprego. É neste cenário, que os trabalhadores, apoiados pelo movimento sindical, disseminam experiências de autogestão a partir da falência ou crise de empresas.

Esse movimento se fortaleceu com a criação, em 1991, da Associação Nacional de Trabalhadores de Empresas de Autogestão e Participação Acionária (Anteag) – uma associação civil sem finalidade lucrativa que reúne cooperativas e associações de trabalhadores em empresas de autogestão. A Anteag tem por objetivo assessorar as empresas solidárias (NAKANO, 2003).

Conforme Juvenal (2006), em 2005, a Senaes identificou 174 empresas recuperadas, contendo 11.348 trabalhadores. Registramos que, conforme a autora revela, 54,5% das empresas recuperadas no Brasil estão localizadas em áreas urbanas.

Quanto às formas jurídicas assumidas pelas empresas recuperadas, a SENAES (apud Juvenal, 2006) revela que as cooperativas respondem por 50% do universo pesquisado, seguidas pelas associações que correspondem, por sua vez, a 32,8%. Vale ressaltar que 16,4% das empresas recuperadas assumem a configuração de grupos informais.

Já a distribuição regional das referidas empresas, revela que: 1) grande parte delas (72%) encontra-se nas regiões Sul e Centro-Oeste do país; 2) nas regiões Centro-Oeste e Nordeste, a maioria das empresas está localizada em áreas rurais. Neste último caso, segundo Schiochet (apud Juvenal, 2006, p. 122), essas experiências “consistem em assentamentos rurais oriundos de desapropriações de empresas agroindustriais e, portanto, guardam maior semelhança, do ponto de vista organizacional, com as cooperativas rurais”; 3) na região Sul, verifica-se um cenário diversificado com a presença de empresas no setor industrial.

Conforme Juvenal (Ibid.), a germinação de empresas recuperadas na região Sul é impulsionada por três fatores: i) a crise que atingiu a indústria gaúcha na década de 1990; ii) a “implementação de um programa de governo de fomento à recuperação de empresas através da autogestão no Rio Grande do Sul no período de 1998-2002”;

125 iii) a organização dos trabalhadores, verificada a partir da atuação dos sindicatos.

Em 2005, a Anteag intensificou seu processo de acompanhamento e monitoramento às empresas recuperadas (Juvenal, 2006). Sendo assim, nos primeiros seis meses de 2006, existiam 37 empreendimentos acompanhados pela Anteag, sendo que 65% destes encontravam-se na região Sul.

Vários estudos têm revelado que o processo de criação das empresas recuperadas exige a participação ativa do sindicato da categoria (SINGER, 2002; JUVENAL, 2006; SANTOS, 2002). A própria Anteag surgiu do movimento sindical, embora, posteriormente, tenha se transformado numa organização de apoio independente do sindicalismo. Conforme Singer (2002, p. 94), existe outra importante organização de apoio e fomento às empresas recuperadas no Brasil, que surge também a partir dos Sindicatos Metalúrgico do ABC e dos Químicos do ABS, a saber: a Unisol (União e Solidariedade das Cooperativas de São Paulo)43:

A Unisol surgiu em 1999 como possível rival da Anteag: propõe-se aos mesmos objetivos e inevitavelmente acabará desenvolvendo atividades semelhantes. Finalmente, constitui também uma associação de cooperativas [...]. A Unisol conta com uma Incubadora de Cooperativas Populares, apoiada pela Prefeitura de Santo André e ligada à Fundação Santo André (instituição municipal de ensino superior).

Em O fetiche da tecnologia, Novaes (2007) realiza uma avaliação sobre o trabalho nas fábricas recuperadas da Argentina, do Brasil e do Uruguai. Neste estudo, o autor se apóia no conceito de “Adequação Sócio-técnica”, definido como

o processo pelo qual artefatos tecnológicos vão tendo suas características definidas através de uma negociação entre 'grupos sociais relevantes', com preferências e interesses diferentes, no qual critérios de natureza distinta, inclusive técnicos, vão sendo empregados até chegar a uma situação de 'estabilização' e 'fechamento'. (p. 241) .

Neste sentido, a adequação sócio-técnica é um processo que envolve três dimensões do trabalho nas fábricas recuperadas, quais sejam: 1) Software – que diz respeito às alterações na forma de remuneração e mudanças culturais identificadas após processo de conversão das fábricas; 2) Orgware – corresponde à organização do processo de trabalho e a participação dos trabalhadores nas fábricas recuperadas; 3)

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Conforme demonstraremos no capítulo 6, o trabalho desenvolvido a partir dos Sindicatos dos Químicos e dos Metalúrgicos do ABC, através da Unisol (União Solidariedade das Cooperativas de São Paulo) se constituiu em uma experiência essencial para a criação da Unisol Brasil (a Central dos trabalhadores de cooperativas e empreendimentos solidários).

126 Hardware - refere-se à aquisição ou adequação de máquinas e equipamentos.

A partir destas três dimensões analíticas, o autor (ibidem) encontra nas fábricas em que pesquisou sete modalidades de “Adequação Sócio-Técnica”: 1) Uso – o simples uso dos equipamentos e das máquinas e a alteração na forma de remuneração são vistas como suficientes; 2) Apropriação – diz respeito às situações em ocorre a apropriação coletiva dos meios de produção, todavia, a organização do processo de trabalho não se altera; 3) Ajuste do processo é justamente o contrario da situação de apropriação. Neste caso, verifica-se a existência da propriedade coletiva, assim como alteração da organização do processo de trabalho, na qual os trabalhadores passam a ter um maior controle sobre o mesmo; 4) Revitalização dos equipamentos - isto é, as fábricas utilizam os equipamentos herdados; 5) Desenvolvimento de alternativas tecnológicas; 6) Incorporação do Conhecimento de Ciência e Tecnologia existente; 7) Incorporação de conhecimento em Ciência e Tecnologia novos.

Registramos, ainda, que no seu estudo sobre as fábricas recuperadas, Novaes (ibidem) identifica movimentos de continuidades e de descontinuidades. No primeiro caso, o autor verifica que na maioria dos empreendimentos se reproduz as relações de trabalho herdadas, assim como, se mantém a mesma organização do processo de trabalho. No que se refere às descontinuidades, verifica-se que há uma mudança cultural no que concerne a repartição dos excedentes, neste caso, a uma diminuição das diferenças salariais. O referido autor constata também: a existência de um nível de socialização de saberes e de um nível de democratização das relações de trabalho (por exemplo, abolição do cartão de ponto e mudança no perfil do líder do setor). Por fim, o Novaes destaca como exemplo de descontinuidade a questão da aquisição de maquinário, adaptações e repotenciamento.

De um modo geral, as pesquisas sobre as empresas recuperadas têm apontado vários entraves para a constituição e a consolidação destas experiências no Brasil. Neste sentido, Lima (2007) afirma que incorporação do ideário cooperativista se restringe aos trabalhadores que participaram do processo de transformação da empresa falida. O autor identifica, ainda, que há um envolvimento diferenciado dos trabalhadores, marcado pela separação entre os gestores e os trabalhadores do “chão da fábrica”. Sobre esta acepção, Juvenal (2006, p. 126) observa que:

Em uma situação gerada por crises agudas de empresas capitalistas, os trabalhadores que se envolvem na recuperação de empresas trazem uma

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forte cultura de produção baseada em princípios fordistas. Ao constituírem novos empreendimentos, ainda que numa construção autogestionária, têm dificuldade de se livrar dessa herança e buscam, na maior parte das vezes, mostrar que podem ser mais eficientes que os antigos patrões no processo de produção capitalista.

Outro entrave encontrado no processo de constituição e desenvolvimento das empresas recuperadas é a dificuldade encontrada pelos trabalhadores de conseguir clientes e crédito para investir na produção.

4.3.2 Empreendimentos alternativos constituídos por pessoas de baixa renda44